Acórdão nº 14589/17.1T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Novembro de 2018
Magistrado Responsável | CABRAL TAVARES |
Data da Resolução | 27 de Novembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
AA, Lda. Intentou ação contra Santa Casa da Misericórdia de ...
ação, pedindo a condenação desta última ao pagamento da quantia de € 55.967,50, acrescida de juros legais desde a citação e até integral pagamento, sendo € 47.500,00, a título de prejuízos imediatos traduzidos na diferença do valor da proposta irrevogável para o que efetivamente recebeu, acrescidos da diferença do que deveria ter pago a título de IMT e Imposto de selo, nomeadamente 6,5% sobre a diferença (€ 3.087,50) e os 8 por mil sobre a mesma diferença (€ 380,00), bem como dos custos com a presente demanda, que estima cingirem-se a € 5.000,00; fundamenta a Autora o seu direito na responsabilidade pré-contratual da Ré, que emitiu uma proposta contratual irrevogável, consubstanciada na sua comunicação de 8 de maio, que posteriormente retratou, por comunicação de 4 de maio, atuando com culpa, desse modo se tornando responsável pelos prejuízos causados à Autora, à luz do disposto no art. 227.º do Código Civil. Contestou a Ré, contraditando a tese jurídica da Autora.
Proferido saneador-sentença julgando a ação improcedente e absolvendo a Ré do pedido.
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Apelou a Autora.
A Relação julgou o recurso parcialmente procedente, revogando a decisão da 1ª instância e condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 50.967,50, acrescida de juros legais desde a data da citação.
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Pede revista a Ré, formulando a final da alegação as seguintes conclusões: «1ª- A recorrente não se conforma com o douto acórdão proferido porquanto entende, salvo o devido respeito, que fez errada interpretação e aplicação da lei aos factos provados, designadamente, quanto à qualificação da carta para preferência enviada à Autora como sendo uma proposta contratual irrevogável e não um convite para contratar.
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- A questão a apreciar por V. Exªs. consiste em saber se a Ré ainda antes de receber uma eventual reposta da Autora a uma primeira comunicação para preferência, podia ou não alterar os termos da mesma, ou até mesmo desistir do negócio, dado tratar-se de um convite para contratar.
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- A douta decisão da Relação partiu dos pressupostos errados desde logo por vários motivos: a comunicação da Ré não era uma proposta irrevogável; não ocorreu qualquer “retratação posterior”, apenas alteração do valor; e a nova comunicação da Ré foi ainda antes da Autora aceitar a primeira comunicação.
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- Desde logo, salvo melhor opinião, a comunicação para preferência para ser uma proposta irrevogável exige vários requisitos cumulativos: a) ser completa, ou seja conter todos os elementos essenciais do negócio; b) exprimir uma vontade séria e inequívoca de contratar; c) deve revestir a forma para o contrato em causa.
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- E, salvo o devido respeito, não se pode considerar a carta da Ré datada de 04 de maio como proposta negocial, e muito menos irrevogável, pois que não cumpre os requisitos exigíveis mínimos, entre outros “ a forma exigida para o contrato em causa...”, e in casu a forma para o contrato de compra e venda é a escritura pública, e a proposta não revestiu essa forma; 6ª- E só seria uma proposta irrevogável se fosse vinculativa para ambos os contratantes, e não só para um deles, e in casu o convidado a preferir pode aceitar ou não, pode querer ou não querer, e até no limite pode comunicar que pretende preferir, e depois não outorga a respectiva escritura, e não há forma de o obrigar a tal.
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- Por outro lado, podendo o obrigado à preferência “desistir pura e simplesmente do negócio por exemplo, por ter acedido a meios de fortuna que lhe permitam não necessitar (desistir) da alienação projectada”, também nos parece razoável que o obrigado à preferência possa ainda antes do preferente aceitar, ou não, uma comunicação para preferir, alterar os termos da mesma, pois, tal é jurisprudência uniforme deste mais Alto Tribunal, como decorre do acórdão de 08.01.209 in Proc 2772/08 in CJ 1, pag. 31.
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- Sendo também a posição da doutrina, como consta neste acórdão, citando Antunes Varela, RLJ 121-360 e Carlos Lacerda Barata, Da Obrigação de Preferência, pg 105 e 106: “Consequentemente, a notificação para preferir é, no fundo, um convite a contratar, cuja amplitude é o preferente ficar com a possibilidade de aceitar ou não a proposta”.
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- Por isso, salvo o devido respeito, podia a Ré enquanto o negócio não se concretizasse com a respectiva escritura pública – que é quando o direito surge na esfera jurídica do preferente - desistir do contrato ou alterar os termos do contrato.
10º - O acórdão recorrido entendeu que a proposta contratual em certas condições “sendo aceite pelo destinatário, dá lugar a um contrato”, o que concordamos, sendo certo, porém, in casu a primeira proposta, enviada em 04 de maio, ainda não tinha sido aceite pela Autora, e por isso nunca podia dar origem a um contrato.
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- A Ré efectuou uma comunicação para preferência em 4 de maio, e ainda antes da Autora ter manifestado o interesse em exercer o direito de preferência, comunicou à mesma as novas condições do negócio, ou seja pelo preço de 425.000,00 €, dentro do principio da autonomia privada, da liberdade contratual e do exercício do direito de propriedade que a Lei e a Constituição lhe confere, e que a Autora aceitou.
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- E como se refere no mesmo acórdão, e apenas no caso de já ter havido comunicação de aceitação – e in casu não tinha havido ainda comunicação de aceitação pelo preferente – “tal ocorre apenas em teremos meramente obrigacionais e não em termos reais”, fazendo “incorrer em responsabilidade civil pré-contratual, e não mais que isso”.
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- Não sendo o caso dos presentes autos similar à situação descrita / ocorrida no citado acórdão deste STJ de 19.10.2010, pois que no nosso caso a comunicação com o novo preço ocorreu ainda antes da aceitação pela Autora, e no acórdão citado a alteração do preço ocorreu após a aceitação pelos preferentes, e além disso quando já havia um contrato promessa de compra e venda outorgado pelo obrigado e pelo preferente.
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- Aliás, entender-se a mera comunicação como uma vinculação definitiva, sem possibilidade de desistência ou alteração, obrigando à venda ao preferente, constituiria uma violação do direito de propriedade e do princípio da liberdade contratual, estabelecendo um proteccionismo ilegal, injustificado e desproporcionado a favor do inquilino/arrendatário, que a Constituição não consagra.
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- “Ora, não pretendendo o legislador, com a criação de qualquer direito de preferência, afastar as leis de livre concorrência, não terá o preferente que ficar monetariamente favorecido com o seu direito, beneficiando apenas, em igualdade de preços (ou situações), da faculdade de ser o escolhido (um “primus inter pares”), pelo que, uma vez colocada à venda o prédio, pelo vendedor, por um determinado preço, sendo o mesmo aceite pelo preferente, não lhe assiste o direito de excluir outros interessados que cubram tal quantia, ficando o seu interesse em “stand by”, não estando o vendedor impedido de continuar a negociar, apenas relevando o direito do preferente quando a oferta não subir mais.
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- Salvo o devido respeito, o douto...
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