Acórdão nº 435/11.3BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 2024-01-25

Ano2024
Número Acordão435/11.3BELRA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
I Relatório

A......., intentou Ação Administrativa Comum contra o MUNICÍPIO DE CORUCHE, tendente à atribuição de indemnização por danos não patrimoniais não inferior a €3.000, e por danos patrimoniais de €5.250,61, em resultado de ter sido judicialmente anulado o concurso interno geral de acesso para provimento de um lugar de "encarregado de pessoal operário qualificado", no âmbito do qual havia sido provido no lugar concursado, tendo em resultado da referida anulação sido recolocado na sua categoria de origem, “com a consequência da diminuição da respetiva remuneração”.
Tendo o TAF de Leiria proferida Sentença em 5 de setembro de 2018, julgando improcedente a Ação, veio o Autor apresentar Recurso para esta instância em 12 de outubro de 2018, concluindo:
“1 - Nos autos supra referenciados foi proferida Sentença que julgou improcedente a ação intentada pelo A., ora Recorrente, por entender que se verifica uma causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente o consentimento do lesado;
2 - O Recorrente não pode conformar-se com esta decisão, que padece de vícios de violação de lei e de erro de julgamento;
3 - A Sentença ora em crise considerou provados todos os factos alegados pelo Recorrente na petição inicial;
4 - Foi considerado provado que o Município Recorrido praticou um ato ilícito que levou à anulação do procedimento concursal para provimento de um lugar de Encarregado de Pessoal Operário Qualificado da Câmara Municipal de Coruche, no qual o Recorrente havia sido nomeado Encarregado de Operário Qualificado, nomeação que aceitou em 04.09.97;
5 - Ficou provado que, como consequência da determinada anulação do concurso, a partir de Maio de 2008, inclusive, foi retirada ao Recorrente a categoria de Encarregado, tendo sido recolocado na anterior categoria, e sofrido a consequente diminuição da remuneração;
6 - Não obstante o Recorrente, em 2008, ter sido recolocado na categoria de operário principal, carreira de pedreiro, a verdade é que o Recorrente se manteve a desempenhar funções de encarregado para o Município Recorrido;
7 - Foi reconhecido pela Sentença ora em crise que “(...) a manutenção do autor a exercer funções de chefia, como encarregado, portanto, melhor remuneradas, quando apenas era operário qualificado, e que, por isso, não deveria ter funções de chefia, correspondeu a uma decisão do réu ilegal e que lhe trouxe um enriquecimento ilícito e um prejuízo para o autor.”
8 - Dúvidas não restam de que o Recorrente se manteve, sempre e ininterruptamente, até à presente data, a exercer funções de Encarregado desde 13 de Janeiro de 1997, nos termos da Ordem de Serviço n.° 3/97 do Sr. Presidente da Câmara, não sendo, no entanto, remunerado de acordo com essas funções;
9 - O Recorrente também provou que sempre foi visto como encarregado pelo Município Recorrido;
10 - Ficou também provado que a anulação do concurso e o regresso do Recorrente à categoria que tinha antes foi de conhecimento generalizado dos demais funcionários e colaboradores do Município Recorrido;
11 - Não ficou provado em parte alguma que o Recorrente tenha dado qualquer consentimento aos atos ilícitos do Recorrido;
12 - Entendeu a Senhora Juiz a quo que as entidades patronais podem enriquecer ilicitamente à custa do empobrecimento dos trabalhadores desde que estes, os trabalhadores, assim consintam;
13 - Não constitui consentimento o cumprimento de ordens de serviço;
14 - Não constitui consentimento o desempenho das funções que o Município Recorrido ordenou fossem desempenhadas;
15 - E se dúvidas existissem de que não se trata de uma qualquer situação de consentimento por parte do Recorrente, o simples facto de ter intentado a presente ação reclamando os direitos que lhe assistem faz cair por terra tal tese;
16 - Se se pudesse considerar um consentimento do Recorrente (e não houve qualquer vontade do Recorrente de dar consentimento, como se viu), é entendimento unânime da jurisprudência que as declarações feitas pelo trabalhador que contenham remissões abdicativas emitidas em plena vigência do vínculo laboral são nulas e de nenhum valor por abrangerem direitos irrenunciáveis;
17 - O suposto consentimento do Recorrente não poderia estender-se ao direito à remuneração, visto que este é inalienável durante a vigência do vínculo;
18 - A remuneração do Recorrente era, e é, inferior à remuneração que lhe caberia atendendo às funções que efetivamente o Município Recorrido ordenou que realizasse, pelo que o consentimento a que alude a Sentença, a existir (e não existe) é nulo e de nenhum efeito;
19 - Encontra-se constitucionalmente consagrado o direito do trabalhador à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
20 - É dever do empregador público pagar pontualmente a remuneração, que deve ser justa e adequada ao trabalho;
21 - Mesmo que o Recorrente pudesse consentir (e não podia), nunca o Município Recorrido o poderia permitir, sob pena de violar o disposto no artigo 71.° do RCTFP e, consequentemente, o princípio da legalidade e os princípios da justiça e da razoabilidade;
22 - Não é verdade que o Recorrente tenha contribuído para o dano, na medida em que a organização do trabalho e as orientações sobre o mesmo cabem, sempre, ao Município Recorrido;
23 - Estava na disponibilidade do empregador público corrigir a situação ilícita a que deu azo, podendo fazê-lo a qualquer altura e a todo o tempo, e não fez;
24 - O suposto consentimento não excluiria a ilicitude da conduta do Município Recorrido, visto que esta conduta viola, como se viu, proibição legal, traduzida na inalienabilidade do direito à remuneração durante a duração do vínculo e no dever do empregador público de pagar a remuneração justa e adequada às funções realizadas, conforme dispõe o artigo 340.°, n.° 2, do Código Civil;
25 - Ao decidir de forma diversa a Sentença em crise errou e violou o disposto no artigo 59.° da CRP, nos artigos 71.°, n.° 1, alínea b), e 144.°, n.° 2, do RCTFP, e no artigo 340.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que, julgando a ação procedente e provada, condene o Município Recorrido no pagamento dos valores peticionados pelo Recorrente, inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude da conduta do Recorrido. Somente assim se fará JUSTIÇA.”

O aqui Recorrido/Município veio a apresentar contra-alegações de Recurso em 12 de outubro de 2018, aí tendo concluído:
“1ª - Nos autos supra referenciados foi efetivamente proferida Sentença que julgou improcedente a ação intentada pelo A., ora Recorrente, (e bem) porque à luz do princípio da livre apreciação da prova, verifica-se de facto uma causa de exclusão da ilicitude, nomeadamente o consentimento do lesado.
2ª - A douta decisão não padece de qualquer vício de violação de lei ou erro de julgamento;
3ª - A Sentença considerou provada a matéria de facto que consta no ponto 2.1. composta por factos alegados quer pelo Recorrente quer pelo Recorrido;
4ª - Foi considerado provado que o Município Recorrido em 2 de Maio de 2008. (na sequência do Acórdão TCA SUL Processo n°4509/00 de 27/3/2008 que anulou o procedimento concursal de encarregado) notificou o A. para “regressar de imediato às funções de Operário Principal da carreira de Pedreiro e correspondentes funções...”
(ponto 7 da matéria de facto provada)
5ª - Na sequência desse ato, a partir de maio de 2008, inclusive, o Recorrente foi (formalmente) recolocado na categoria de Operário Principal-Pedreiro (sua anterior categoria) tendo passado a auferir pela remuneração dessa categoria (inferior à de Encarregado).
6ª - Embora o Recorrente, em 2008, tenha sido recolocado na categoria de Operário Principal carreira de Pedreiro, o Recorrente manteve-se a desempenhar funções de “responsável” (encarregado) para o Município recorrido, mas com menor amplitude de chefia pois a sua equipa foi reduzida de cerca de 30 operários para 13 operários.
7ª - A sentença em crise, alegando o “princípio de trabalho igual salário igual corolário do “princípio da igualdade” chega a reconhecer que “...a manutenção do autor a exercer funções de chefia, como encarregado, portanto melhor remuneradas, quando apenas era operário qualificado, e que, por isso não deveria ter funções de chefia, correspondeu a uma decisão do réu ilegal e que lhe trouxe um enriquecimento ilícito e um prejuízo para o autor” - Não se concorda com este raciocínio pois, resultava de uma práxis administrativa, que o conteúdo funcional de Operário Principal não era impeditivo de lhe ser atribuída a coordenação de uma pequena equipa de operários com menor amplitude de chefia que a um encarregado, o que em muitos municípios vinha acontecendo, e acontece com a figura do “Responsável”. O próprio legislador recentemente veio clarificar que “a descrição do conteúdo funcional não prejudica a atribuição ao trabalhador de funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional.” (vide n° 1 e 2 art° 81° LTFP anexa à Lei 35/2014 de 20/06)
8ª - O Recorrente exerceu funções de Encarregado desde 13/1/1997, nos termos da Ordem de Serviço n° 3/97 do Sr. Presidente da Câmara até Maio de 2008, data em que, na sequência de anulação do concurso de Encarregado em que fora provido, o Recorrente foi recolocado na carreira que anteriormente detinha - Operário Principal - Pedreiro, embora por acordo informal com o Município continuasse a exercer funções de “Responsável” (Encarregado) de uma equipa de 13 trabalhadores, com permissão para fazer trabalho extraordinário a fim de equilibrar a sua remuneração.
9ª - É certo que o Município Recorrido sempre tratou o Recorrente com respeito e consideração, integrando-o nas reuniões de...

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