Acórdão nº 4341/22.8T8VIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 06-03-2024

Data de Julgamento06 Março 2024
Ano2024
Número Acordão4341/22.8T8VIS.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU – J2))

Processo 4341/22.8t8vis.C1

Comarca de Viseu – juízo local criminal de Viseu – Juiz ...

Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1.1. A decisão

No Recurso de Contra-Ordenação nº 4341/22.8T8VIS do Juízo Local Criminal de Viseu, foi o recurso apresentado pelo recorrente A... S.A. considerado sem efeito, por falta de pagamento da taxa de justiça.

1.2.O recurso

1.2.1. Das conclusões do arguido

Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):



I- Vem o presente recurso interposto do despacho proferido nos autos em 07/03/2023, com a referência eletrónica n.º 92470181, que considerou sem efeito o recurso de contraordenação apresentado pela recorrente, por esta não ter efetuado o pagamento da taxa de justiça imposta pelo artigo 8.º, n.º 7 do RCP no prazo legal, não obstante ter sido notificada para o efeito, uma vez que entendeu o despacho recorrido que aos presentes autos não é aplicável subsidiariamente o vertido no artigo 642.º, n.º 1 do CPC.
II- Com o devido respeito e por dever de patrocínio, a recorrente não partilha deste entendimento. De facto,
III- O artigo 8.º, n.ºs 7 e 8 do RCP é omisso relativamente ao procedimento a adotar pelo Tribunal no caso de falta de pagamento da taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contra-ordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, assim como também não prevê qualquer cominação ou sanção para a falta de pagamento, nomeadamente, a de considerar sem efeito o recurso.
IV- Com efeito, verificamos que o artigo 8.º do RCP prevê, nos seus n.ºs 4 e 5, que a falta de pagamento da taxa de justiça devida pela constituição como assistente e pela abertura de instrução requerida pelo assistente, determina que o requerimento para constituição de assistente ou abertura de instrução seja considerado sem efeito, e isto somente se, após notificação da secretaria para o interessado proceder à apresentação do documento comprovativo no
prazo de 10 dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, este não o apresentar.

V- Ou seja, o legislador não previu que, para a falta de pagamento da taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contra-ordenacionais, tivesse como consequência que o recurso ficasse sem efeito, ao contrário do que expressamente previu no n.º 5 do dito artigo 8.º do RCP. E, mesmo ao abrigo desta disposição normativa, o requerimento para constituição de assistente ou a abertura de instrução só fica sem efeito se o assistente não tiver pago tais taxas com acréscimo de multa de igual montante, após notificação para o efeito.

VI- Nesta medida e salvo o devido respeito, mal andou o tribunal a quo, ao proferir o despacho recorrido, sem ordenar que a secretaria procedesse à notificação da recorrente para proceder ao pagamento omitido, acrescido de multa, em conformidade com o disposto no artigo 642.º, n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 41.º do RGCO e artigo 4.º do CPP.
VII- Salvo melhor opinião, o tribunal a quo fez uma errada interpretação do disposto nos n.ºs 7 e 8 do RCP, impondo uma determinação à lei que esta, claramente, não contém, vendo-se, assim, a recorrente deveras prejudicada, colocando em causa o seu direito a um processo equitativo, constitucionalmente previsto no artigo 20.º, n.º 4 da CRP.
VIII- Existindo uma omissão legal, o intérprete deve socorrer-se das regras subsidiárias previstas para a existência de lacunas, sendo que, no que aqui importa, deve socorrer-se das normas previstas no RGCO, CPP e CPC.
IX- Sendo o RGCO e o CPP omissos quando a tal matéria, contudo, ordenando a aplicação das normas previstas no CPC, deveria ter sido aplicado pelo tribunal a quo o artigo 642.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO e do artigo 4.º do CPP.
X- A recorrente deveria, assim, ter sido notificada para, em 10 dias, proceder ao pagamento omitido acrescido de multa, o que não foi efetuado.
XI- Mais se diga que a jurisprudência tem sido, salvo melhor opinião, unânime no sentido de que, nos casos em que a coima não foi previamente liquidada e não tendo sido efetuado o pagamento da taxa de justiça nos termos do n.º 7 do artigo 8.º do RCP, como é o caso destes autos, a secretaria deve efetuar a notificação do recorrente para, em 10 dias, proceder ao pagamento omitido
acrescido de multa, em conformidade com o disposto no artigo 642.º, n.º 1 do CPC.

XII- Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 10/07/2019, proferido no âmbito do processo n.º 880/18.3T9BGC.G1, disponível para consulta em https://jurisprudencia.pt/acordao/190116/, que sufraga o entendimento, partilhado pela aqui recorrente, de que se deve proceder à aplicação subsidiária do artigo 642.º do CPC, por força do disposto no artigo 41.º do RGCO e do artigo 4.º do CPP, para que, assim, se atinga um processo equitativo, “(…) segundo o qual o processo não poderáconduzir aresultados injustos, devendo os cidadãos poder efetivamente fazer valer os seus direitos. Como é sabido, trata-se de um princípio estruturante das sociedades democráticas e do Estado de Direito e tem força vinculativa no direito português por força do disposto no artigo 6º, nº 1 da CDH, com dignidade constitucional, em conformidade com o vertido no artigo 20º, nº 4 da CRP.”.
XIII- Em face do exposto e salvo o devido respeito, mal andou o tribunal a quo, ao considerar sem efeito o recurso apresentado pela recorrente, sem que secretaria a notificasse a fim de, em 10 dias, proceder ao pagamento omitido acrescido de multa de igual montante.
XIV- Ao decidir como decidiu, o despacho recorrido vai em sentido oposto à jurisprudência maioritária (os citados Ac. do TRG de 10/07/2019, relatado por ArmandoAzevedo; Ac. do TRPde14/12/2017, relatadopor MariaLuísa Arantes, Ac. do RE de 04.05.2010, relatado por António Condesso; Ac. do RE de 04.04.2013, relatado por Martinho Cardoso; Ac. do RC de 19.12.2017, relatado por Brizida Martins; Ac. do RP de08.03.2017, relatado por Manuel Soares) e, bem assim, à doutrina sobre a matéria (o citado supra Salvador da Costa, in “Custas Processuais – Análise e Comentário”, Almedina, 7.ª edição, 2018, páginas 158-159).
XV- Deve, por conseguinte, o despacho recorrido ser revogado, devendo ser substituído por outro que determine a notificação da recorrente para, em 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça omitida, acrescida de multa deigual montante, em conformidade com o disposto no artigo 642.º do CPC, por força do disposto no artigo 41.º do RGCO e do artigo 4.º do CPP, com as legais consequências.


XVI- Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo fez, salvo melhor opinião, errada interpretação e aplicação, pelo menos, das disposições conjugadas dos artigos 8.º, n.º 7 e 8 do RCP, 41.º do RGCO, 4.º do CPP e 642.º do CPC.
Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão, e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado, devendo ser substituído por outro que determine a notificação da recorrente para, em 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça omitida, acrescida de multa de igual montante, em conformidade com o disposto no artigo 642.º do CPC, por força do disposto no artigo 41.º do RGCO e do artigo 4.º do CPP, com as legais consequências.

1.2.2 Da resposta do Ministério Público

Respondeu em 1ª instância o Ministério Público, defendendo a total improcedência do recurso.
1. Entendeu a Mm.ª Juíza que o pagamento da referida taxa de justiça constitui uma condição prévia de apreciação da impugnação judicial apresentada e que que não tem aplicação subsidiária ao caso vertente o disposto no n.º 1 do art. 642.º do Código de Processo Civil.


2. Não lhe assistindo, salvo melhor opinião, razão, dado que tal omissão nãotem como consequência que o recurso ficasse sem efeito, ao contrário do que expressamente previu o legislador no n.º 5 do dito artigo 8.º do RCP.


3. O artigo 8º do RCP é omisso relativamente ao procedimento a adotar pelo Tribunal no caso de falta de pagamento da dita taxa de justiça, assim como também não prevê qualquer cominação ou sanção para a falta de pagamento, nomeadamente, a de considerar sem efeito o recurso.


4. É aplicável a situações como esta o disposto no artigo 642.º, n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 41.º do RGCO e artigo 4.º do Código de Processo Penal.


5. O...

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