Acórdão nº 434/18.4TXEVR-M.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 29-06-2023

Data de Julgamento29 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão434/18.4TXEVR-M.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório

No âmbito do Processo de Liberdade Condicional nº 434/18.4TXEVR-M.L1 a correr termos no Tribunal de Execução das Penas de Lisboa referente ao condenado AA foi decidido não colocar o condenado em liberdade condicional por não estarem preenchidos os pressupostos previstos no art.º 61.º, n.º 2, al. a), do Código Penal, nos seguintes termos:
«I. Relatório
Respeitam os presentes autos à apreciação da eventual concessão de liberdade condicional, por referência ao marco dos dois terços da pena (art.º 155º, nº 1 e 173ºss., ambos do CEPMPL), ao recluso AA, nascido em 25.12.1981, titular do CC nº 12225632, com os demais sinais dos autos, atualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional da Carregueira.
Foi elaborado relatório pela equipa de tratamento prisional e reinserção social, versando os aspetos previstos no art.º 173.º n.º 1 als. a) e b) do CEPMPL.
O conselho técnico emitiu, por unanimidade, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (art.º 175.º do CEPMPL).
Ouvido o recluso este, entre outros esclarecimentos, deu o seu consentimento à concessão da liberdade condicional (art.º 176.º do CEPMPL).
O Ministério Público emitiu parecer desfavorável (art.º 177.º n.º 1 do CEPMPL).
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II. Fundamentação de Facto
A. Factos mais relevantes
1. Circunstâncias do caso: o recluso cumpre 7 anos de prisão, aplicada no Proc. nº 520/18.0T9EVR, do Juízo Central Cível e Criminal de Évora - Juiz 2, do TJC de Évora, pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança, agravados, consubstanciado em, em co-autoria com a mãe da menor, sua companheira, acariciar a região anal e vulvar da sua filha, então com 3 anos de idade, e introduzir-lhe os dedos no ânus.
2. Marcos de cumprimento da pena: início em 16.07.2018; meio em 16.01.2022, dois terços em 16.03.2023, os cinco sextos em 16.05.2024 e o termo em 16.07.2025.
3. Vida anterior do recluso: tem 41 anos de idade; O processo de socialização de AA decorreu no seio de um agregado familiar normativo, constituído pelos progenitores e dois filhos, com uma situação socioeconómica equilibrada. A dinâmica familiar foi descrita como socialmente ajustada e funcional, onde existia a preocupação de transmissão de normas e valores aos descendentes. Em termos afetivos, o recluso estabeleceu uma primeira relação com cerca de 28 anos, que durou cerca de 3 anos e da qual nasceu um filho, atualmente com 11 anos de idade. Aos 31 anos iniciou relacionamento com a companheira que mantém no presente, mãe dos seus dois filhos, de 5 e 7 anos de idade, a menina vítima no atual processo. Habilitou-se com o 9º ano de escolaridade, abandonando o ensino aos 17 anos, altura em que iniciou atividades profissionais numa carpintaria onde permaneceu cerca de 9 anos e da qual se desvinculou para prosseguir na profissão por conta própria. Encerrou atividade em 2010, na sequência da crise económica que assolou o país, mantendo, entretanto, atividades diversificadas em empresas de telecomunicações, supermercados e na área da manutenção em empresas de turismo rural.
4. Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena: atitude face ao crime – tendo até há pouco tempo negado qualquer conduta imprópria ou ilícita para com os filhos, e assumindo uma total vitimização, o recluso alterou o seu discurso, passando a assumir a prática dos factos, afirmando, no entanto, que a mesma não teve qualquer intenção libidinosa; notando-se alguma evolução consciência crítica face ao crime cometido, verifica-se sobretudo que o recluso despertou para os danos causados nas vítimas e que, no seu caso concreto, o fez perceber “que a magoava…mas sem intenção”; comportamento – mantém comportamento adequado às normas e regras instituídas, sem registo de sanções disciplinares; saúde – beneficia de acompanhamento psicológico com regularidade mensal, fazendo medicação para ajuda no controlo da ansiedade e regularização do sono; atividade ocupacional/ensino/formação profissional – concluiu o 12º ano de escolaridade em reclusão e encontra-se a frequentar a licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Aberta; exerce actividade laboral no sector dos componentes desde 06.10.2022; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais – em 02.11.2021 integrou o Programa de Intervenção Técnica dirigido a Agressores Sexuais, que concluiu em 15.11.2022, com avaliação final de 13 valores, frequenta a IURD; medidas de flexibilização da pena – beneficiou de duas licenças de saída jurisdicionais; encontra-se em RAI desde 23.03.2023.
5. Rede exterior: enquadramento/apoio familiar/perspetiva futura – perspetiva a sua reintegração junto do agregado familiar de origem, de que fazem parte, além dos progenitores, a irmã, de 43 anos; em termos laborais, conta integrar-se numa empresa de trabalhos agrícolas e na área da manutenção das habitações de turismo rural em Reguengos de Monsaraz, apresentando para o efeito dois contratos promessa de trabalho.
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B. Motivação da matéria de facto
A convicção do tribunal no que respeita a matéria de facto resultou da decisão condenatória junta aos autos, da ficha biográfica e do certificado de registo criminal do recluso, do relatório junto aos autos elaborado pela equipa técnica única, dos esclarecimentos prestados em conselho técnico e das declarações do recluso.
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III. De Direito
Na sua génese, a figura da liberdade condicional constituiu uma resposta de natureza política criminal, vazada em lei, delineada como forma de reagir ao aumento de reincidência que se verificava sobretudo aquando do cumprimento de penas longas ou de média duração. É tida, desde o seu aparecimento, como uma fase de transição da reclusão para a liberdade definitiva (art.º 9º do Dec. Lei 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o Código Penal), servindo finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização, visando minorar as dificuldades de adaptação à comunidade inevitavelmente associadas ao tempo de reclusão e alcançar uma gradual preparação ao reingresso na sociedade de alguém que há muito dela se encontra apartado. Assim se afastando do entendimento anterior da prisão com mera finalidade repressiva e intimidatória, ou seja, como um castigo infligido ao agente (retribuição) e uma forma de intimidar os demais (prevenção do crime). Encurtando-se a pena com base na presunção da recuperação do condenado e na vigilância exercida sobre o seu comportamento que fica sujeito a restrições por forma a evitar a reincidência e a proteger a sociedade, podendo, em caso de má conduta e reincidência, revogar-se a medida.
A concessão de liberdade condicional, servindo o desiderato supramencionado, obedece, contudo, a critérios legais de ordem formal e de ordem substancial.
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Requisitos de ordem formal

O recluso tem de ter cumprido metade da pena em que foi condenado com um mínimo absoluto de seis meses, período de tempo considerado pelo legislador a partir do qual a pena tem potencialidade de já ter cumprido as suas finalidades (art.º 61º, n.º 2, do Cód. Penal). Permitir a liberdade condicional antes do primeiro limite relativo poderia pôr em causa as irrenunciáveis exigências de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico, do mesmo passo que se entende que em tempo mais curto do que o limite absoluto mínimo de 6 meses não é possível sequer conhecer o condenado e alcançar a evolução do seu comportamento e a brevidade da sanção excluiu mesmo a possibilidade de mutação significativa.
É também requisito de forma a obtenção do consentimento do recluso (art.º 61º, n.º 1, do Cód. Penal). Este requisito harmoniza-se com a teleologia do instituto - não é uma medida coativa de socialização - baseando-se na voluntariedade do tratamento, oferecendo apenas as condições para que o condenado, se quiser, se possa modificar.
Face à matéria provada, o condenado atingiu o marco dos dois terços da pena em 16.03.2023, impondo-se a apreciação da liberdade condicional no referido marco.
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Requisitos materiais, com referência à apreciação aos dois terços da pena (art.º 61º, nº 3 do Cód. Penal).
O legislador neste marco da pena abranda as exigências de defesa da ordem e paz social e prescinde do requisito de prevenção geral, considerando que o condenado já cumpriu uma parte significativa de prisão e que, por conseguinte, tais exigências já estarão minimamente garantidas.
Assim, aos dois terços da pena, como posteriormente, temos apenas como requisito a expectativa de que o condenado em liberdade, conduzirá a sua vida responsavelmente sem cometer crimes, ou seja prevenção especial, na perspetiva de ressocialização (positiva) e prevenção da reincidência (negativa). No que respeita aos fins das penas, subsiste apenas a finalidade de ajuda ao recluso na mudança e regeneração (ressocialização) e na prevenção de cometimento de novos crimes (art.ºs 40º e 42º do Cód. Penal).
Na avaliação da prevenção especial terá o julgador de elaborar um juízo da prognose possível sobre o que irá ser a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e seu bom comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
In casu,
Começando pela verificação dos pressupostos formais, estamos no marco dos dois terços da pena, que se verificou, como se referiu, em 16.03.2023, tendo o recluso dado o seu consentimento à liberdade condicional.
Mostram-se, pois, verificados os pressupostos formais para a reapreciação da liberdade condicional, uma vez que o recluso já cumpriu mais de dois terços da pena e declarou aceitar a sua eventual libertação condicional.
Procedendo à avaliação de verificação dos pressupostos materiais no caso presente, não pode deixar de se atentar no facto de o recluso, quanto à prática criminal, verbalizar uma alteração de atitude, transmitindo alguma
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