Acórdão nº 432/21.0T8ETR-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-27

Data de Julgamento27 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão432/21.0T8ETR-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 432/21.0T8ETR-A.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha histórica do processo
1. Na Secção de Competência Genérica da Instância Local de Estarreja corre um processo de inventário por óbito de AA, falecido em .../.../2013, no qual foi nomeada cabeça de casal a viúva do autor da herança, BB.
Além da viúva, são interessadas no inventário as duas filhas do casal ─ CC e DD ─ e respetivos maridos.
Os interessados CC, e marido, EE intentaram incidente de remoção de cabeça de casal.
Fundamentou o seu pedido alegando factos consubstanciadores de desvios de dinheiros, gestão danosa e administração imprudente, o que faz atuando em seu proveito próprio e em proveito da interessada DD, prejudicando a herança de forma grave.
A cabeça de casal BB deduziu oposição, impugnando parcial e motivadamente a factualidade alegada.
O mesmo fizeram os interessados DD, e marido, FF.
Posto isso, a M.mª Juíza proferiu a seguinte decisão:
«(…) Ora, a remoção do cabeça de casal integra um incidente do processo de inventário, a ser tramitado de acordo com as regras previstas pelo artigo 292º e seguintes do CPC. Da própria estrutura processual prevista para a tramitação dos incidentes resulta que estão eles vocacionados para a resolução de questões simplificadas.
Basta atentar no requerimento probatório apresentado por cada uma das interessadas no inventário, para que se conclua que não estamos perante qualquer questão simplificada, tanto que as próprias partes não cumprem, sequer, os limites impostos pelo artigo 294º do CPC.
Desta forma, há que concluir que a complexidade das questões que se pretende sejam apreciadas, não são compatíveis com a estrutura de um incidente, cujas regras implicariam a redução das garantias das partes.
Mais há que notar que, ainda que o pedido diretamente não se relacione com a definição de direitos dos interessados diretos, os factos que fundamentam o pedido dizem-no já. Com efeito, alegando-se, para além do mais, a sonegação de bens, é forçoso concluir que a sua prova terá efeitos nos direitos dos interessados diretos.
Assim sendo, tem de concluir-se que estamos perante a situação prevista pelo artigo 1092º, nº1, al. b) do CPC, porquanto foi suscitada questão prejudicial de que depende a definição dos direitos dos interessados diretos na partilha, que, atenta a complexidade da matéria de facto que lhe está subjacente não deve ser incidentalmente decidida.
Assim sendo, relacionados que se mostram os bens, abstenho-me de decidir o presente incidente, remetendo as partes para os meios comuns.»

2. Inconformados com tal decisão, dela apelaram os Requerentes do incidente, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1- O incidente de remoção de cabeça de casal a que se reporta este incidente integra-se num inventário que teve o seu início num cartório notarial, na vigência da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março e já anteriormente houve decisões:
a) Do tribunal judicial que intentada uma ação para remoção de cabeça de casal se pronunciou pela sua incompetência em face à pendência do processo de inventário no cartório notarial;
b) Do senhor notário remetendo as partes para os meios judiciais comuns;
2- Remetido o inventário a tribunal, foi então aqui novamente requerida remoção de cabeça casal em incidente como a tal nos obriga o disposto nos artigos 1103.º n.º 2 do Código de Processo Civil e do artigo 2086.º do Código Civil, tendo então sido proferido o despacho agora em recurso e que ordenou a suspensão da instância alegando:
Assim sendo, tem de concluir-se que estamos perante a situação prevista pelo artigo 1092º, nº1, al. b) do CPC, porquanto foi suscitada questão prejudicial de que depende a definição dos direitos dos interessados diretos na partilha.
3- Com todo o respeito, mas o incidente em causa não constitui causa de suspensão da instância, não integrando a questão prejudicial. O seu deferimento ou indeferimento não contende com questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha.
4- Estando os requerentes obrigados a alegarem e a provarem os factos que fundamentam o seu pedido de remoção de cabeça de casal, tinham de alegar toda uma série de factos nesse sentido, o que poderá transmitir a ideia de complexidade, sendo que a questão aqui essencial é estarmos perante um património que, sem dúvidas, aceite por todos, vale milhões de euros e está alegadamente a ser gerido por uma pessoa que não tem conhecimento para tal e está a permitir que uma outra interessada vá praticando atos lesivos da herança a seu belo prazer e deles beneficiando largamente.
5- Estamos perante uma situação que exige celeridade de decisão e por tal deve ser resolvida por incidente tal como o prevê o artigo 1103.º-2 do CPC.
6- A douta decisão violou o disposto no artigo 1092.º, n.º1, alínea b) do CPC, fazendo dele uma interpretação violadora do princípio do acesso direito e da tutela jurisdicional efetiva consagrado no arrigo 20.º da CRP.
Nestes termos deve o recurso ser julgado procedente e assim revogar-se o douto despacho recorrido, prosseguindo os autos do incidente de Remoção de cabeça de casal.»

3. Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4. OS FACTOS
Tendo-se tratado de uma decisão de índole formal (remessa para os meios comuns), não foi atendida qualquer matéria de facto.
Compulsados os autos principais, importa ter aqui em conta a seguinte sequência processual:
Em 20/01/2016 a interessada DD requereu inventário para partilha da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA junto do Cartório Notarial do Dr. GG, em Estarreja, onde correram termos sob o número 308/16.
Aí foi nomeada cabeça de casal a viúva, BB.
Em 22/09/2016, a interessada CC suscitou a “impugnação da competência da cabeça de casal”.
Os aqui Recorrentes, CC e marido, intentaram uma ação no tribunal de Estarreja tendente a obter a remoção da cabeça de casal, a qual correu termos no Juízo de Competência Genérica de Estarreja sob o n.º 612/16.0T8ETR.
Nessa ação foi proferida sentença que decidiu:
“(…) Tem, assim de concluir-se que, por força da aprovação da Lei 23/2013 de 5 de Março, este tribunal não tem competência, em razão da matéria, para conhecer a presente ação porquanto essa competência é atribuída ao notário, enquanto e se, não forem as partes remetidas para os meios judiciais.
A infração das regras da competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa e implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar – cfr. artigos 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 99.º, n.º 1 e 577.º, al. a), todos do Código de Processo Civil.
Em face do exposto, decide-se julgar o presente tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer do objeto da presente ação e, em consequência, absolve-se os RR. BB, DD e FF da instância.»
Em 23/02/2018 a interessada CC suscitou o incidente de remoção e substituição de cabeça de casal no processo de inventário notarial.
Em 05/11/2018, o Sr. Notário considerando a “natureza e complexidade da matéria” decidiu:
«A remessa dos interessados para os meios judiciais comuns, suspendendo-se os autos até que ocorra decisão definitiva das questões controvertidas, para que o Tribunal se pronuncie e decida sobre as seguintes questões:
1º - Decidir da remoção da cabeça de casal BB requerida pela
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT