Acórdão nº 432/20.8T8VPV.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-04-05

Ano2022
Número Acordão432/20.8T8VPV.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.– RELATÓRIO:


1.–A intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra B e C pedindo que a acção seja julgada procedente, “declarando-se a pertença dos prédios identificados nas verbas nºs 2 a 10 e 12 a 14 da referida relação de bens às mencionadas heranças indivisas, devendo os RR. ser condenados na imediata entrega de tais prédios à A., que deve ser investida na posse dos mesmos”.

Para tanto, alega que é cabeça-de-casal das heranças indivisas de José de ..... e de Maria ....., e os RR. herdeiros das mesmas, encontrando-se pendente processo de inventário para partilha dos bens, sendo que os RR. ocupam os bens em causa nos autos, sem autorização e contra a vontade da cabeça-de-casal, com prejuízo para as heranças.

2.–Citados os RR., apenas o R. C apresentou contestação, alegando que ocupa os prédios no âmbito de um comodato verbalmente celebrado com a falecida mãe da A. e dos RR..
3.–Efectuada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a acção procedente.

4.–O R. recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1-A acção foi julgada procedente.
2-A sentença condena os recorrentes a reconhecerem que os prédios identificados nas verbas n.ºs 2 a 10 e 12 a 14 da relação de bens pertencem às heranças indivisas de José ..... Maria .....;
3-E condena os recorrentes a restituírem tais prédios livres e devolutos de pessoas e bens.
4-Mal andou a sentença, de assim decidir o(s) pedido(s) sem conter os fundamentos de direito para tal.
5-A sentença recorrida qualificou a lide como acção de reivindicação.
6-A cabeça de casal reivindica os prédios para a herança aberta por óbito de seu pai e da sua mãe e declara que há mais herdeiros que não estão na lide.
7-Deste modo, como pretende a recorrida, colocar-se-ia na discussão do litígio relativo à herança apenas três herdeiros – Autora e os dois Réus, deixando de fora os demais sem que a sentença a proferir os pudesse vincular, isto é, sem que a decisão pudesse produzir o seu efeito útil normal, que corresponde à dirimição definitiva da titularidade dos imóveis reivindicados.
8-A recorrente pugna pela integração do quadro factual que descreve na previsão do artigo 2078º do Código Civil, segundo o qual, no que tange à herança indivisa e se forem vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir, separadamente, a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro, tal como o cabeça-de-casal pode pedir a entrega dos bens que deva administrar.
9-Não tem aqui aplicação o disposto nessa norma nem no artigo 2088° do Código Civil, pois o herdeiro separadamente só tem legitimidade para pedir a entrega da totalidade dos bens em poder do demandado ou dos bens que deva administrar e para usar de ações possessórias.
10-O Tribunal recorrido ao configurar a acção em causa como uma acção de reivindicação incorreu em erro de julgamento.
11-No caso dos autos mostra-se provado que os recorrente são co-herdeiros dos bens reivindicados.
12-Consequentemente, a cabeça de casal, desacompanhada dos demais herdeiros, não tem legitimidade para a presente acção.
13-Existe excepção de ilegitimidade da cabeça de casal por preterição de litisconsórcio necessário.
14-Que poderia ter sido sanável por via do incidente de intervenção de terceiros, conforme decorre do art. 316º, nº 1, do actual CPC, impondo-se mesmo ao juiz o dever de providenciar pela sanação dessa excepção, convidando as partes a deduzir o incidente adequado à intervenção dos herdeiros em falta (cfr. art. 6º, nº 2, do CPC)» (Cf. Ac. RC, de 24-02-2015, Proc. nº 1530/12.7TBPBL.C1, Relatora: Catarina Ramalho Gonçalves).
15-O que não aconteceu nos presentes autos e que se revela censurável e uma omissão de pronuncia.
16-Pelo que decidiu – mal - o Tribunal recorrido em clara violação da lei.
17-Ao não se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento.
18-Vícios esses que consubstanciam verdadeiras nulidades, capazes de influenciar a apreciação e decisão da causa, nos termos do artº 615º do CPC.
19-Devendo, em consequência, a sentença ser revogada e substituída por outra que condene absolva os réus dos pedidos formulados.
20-Nestes termos e nos demais de Direito, deve a decisão recorrida ser revogada e em conformidade, serem os réus/recorrentes absolvidos dos pedidos”.
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II.–QUESTÕES A DECIDIR

Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, são:
- da nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia;
- da qualificação da presente acção;
- da preterição de litisconsórcio necessário.
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III.–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida considerou os seguintes factos:

A.-Factos Provados
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1.-A Autora é a cabeça-de-casal das heranças indivisas de José ..... e de Maria ....., para partilha de cujos bens se encontra pendente no Cartório Notarial da Praia ....., a cargo da Dr.ª JP....., o processo de inventário nº 2639/19, em que os RR. são cointeressados.
2.-Fazem parte de tal herança os prédios rústicos identificados nas verbas nºs 2 a 10 e 12 a 14 da relação de bens junta a tal processo.
3.-Os Réus ocupam, em conjunto, tais prédios, explorando-os em proveito próprio para fins de agropecuária.
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B.-Factos Não Provados
Com relevo para a decisão da causa, não se provou que:
a)-Após a morte de sua mãe, a Autora, na qualidade de cabeça-de-casal na herança aberta por morte de seus pais, exigiu que os Réus passassem a pagar, a partir dessa data, uma renda como contrapartida pela exploração dos prédios em questão.
b)-Exploração que, até então, havia sido feita ao abrigo de um comodato verbalmente celebrado com a falecida mãe da Autora e dos Réus, situação que era do conhecimento de todos os herdeiros.
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Não se elenca como provada ou não provada qualquer outra alegação efetuada pelas partes, por a mesma consubstanciar mera impugnação, reprodução de documentos, explanação de matéria de direito, se referir a conceitos vagos, genéricos e/ou jurídicos e não se debruçar sobre factos essenciais à boa decisão da causa [artigos , 552º, nº1, alínea d) e 572º, alínea c), todos do Código de Processo Civil]”.
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IV.– FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, importa iniciar a sua análise de forma lógica, o que se passa a efectuar.

1.- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
Entende o apelante que a sentença recorrida enferma de nulidade, porquanto não se pronunciou sobre a excepção de ilegitimidade.
Pese embora não tenha sido proferido o despacho a que alude o art. 617º do CPC, os autos contem todos os elementos necessários para apreciar a nulidade suscitada, o que se passa a fazer.
Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, o art. 615º, al. d) do CPC estatui que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Relaciona-se este preceito com o disposto no art. 608º do CPC, segundo o qual a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais suscitadas pelas partes ou de conhecimento oficioso e que possam determinar a absolvição da instância, bem como resolver todas as questões de mérito que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras, salvo as que forem de conhecimento oficioso.
Assim sendo, na fundamentação da sentença deve o
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