Acórdão nº 4315/21.6JAPRT-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-03-30

Data de Julgamento30 Março 2022
Ano2022
Número Acordão4315/21.6JAPRT-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 4315/21.6JAPRT-B.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira – Juiz 2

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Inquérito, a correr termos no DIAP, 2ª Secção de Santa Maria da Feira, após primeiro interrogatório judicial de arguido detido foi decidido aplicar ao arguido, aqui recorrente, AA, a medida de coação de prisão preventiva, iniciada em 27.10.21 acrescido do TIR, por se encontrar fortemente indiciado pela prática de:
«- um crime de ofensa à integridade física agravada p. e p. pelos art.s 143º e 147º todos do Código Penal em concurso real com um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86º, n º 1, al.c) por referência ao art. 3º, n º 2, al.l) da lei n º 5/2006 de 23.02.

Deste despacho não interpôs o arguido recurso, conformando-se com o seu teor.
Esta medida veio a ser mantida, no âmbito do reexame a que alude o art. 213.º, n.º 1, do CPPenal, por despacho de 02-12-2021, o qual não foi alvo de recurso.
Decorrido cerca de um mês o recorrente apresentou novo requerimento solicitando a alteração da medida juntando documentos.
A JIC após promoção do M.P. proferiu despacho no qual decidiu manter a medida de prisão preventiva e aplicar uma taxa sancionatória ao aqui recorrente.
*
Inconformado com esta última decisão, o arguido interpôs recurso, solicitando a revogação do despacho recorrido e a substituição da medida de coação de prisão preventiva por outra menos gravosa e revogação da condenação da taxa sancionatória, apresentando nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
« 1. O Arguido recorre do despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal datado de 14-01-2022 com a ref.ª119727673, e no qual indefere por manifesta improcedência a substituição da prisão preventiva aplicada ao arguido por outra medida de coação, nomeadamente, apresentações periódicas ou obrigação de permanência na habitação com vigilância de meios eletrónicos, e ainda, condena em taxa sancionatória excepcional.
2. Em 27-10-2021, em sede de interrogatório judicial, foi aplicada a medida de prisão preventiva ao Arguido.
3. Ainda no âmbito desse interrogatório foi determinado que se procedesse à DGRSD elaboração com nota urgente de relatório social com vista a uma futura alteração da medida de coação de prisão preventiva para obrigação de permanência na habitação.
4. Foi elaborado relatório social negativo, fundamentado em grande parte em meras conjecturas e/ou mesmo afirmações incorretas tais como “o mesmo ser o potenciador de violência domestica contra a esposa e filho.
5. Nessa mesma altura, o cônjuge do arguido por motivos que fundamentou e esclareceu mais tarde não assinou autorização para que o Arguido cumprisse a medida de coação na residência – obrigação de permanência na habitação.
6. Face a estas informações o Tribunal a quo não alterou a medida de coação, mantendo a prisão preventiva.
7. Decorrido algum tempo, e mostrando-se já ultrapassado e/ou resolvido os motivos que estiveram na origem por parte do cônjuge para a não autorização imediata do regresso a casa em obrigação de permanência na habitação, a mesma desse facto deu conhecimento ao Tribunal e expressamente registou a sua autorização para que a medida de coação do Arguido fosse alterada.
8. Do mesmo, apresentou apoio para acolhimento por familiares em habitação que dista mais de 20 km do local dos acontecimentos.
9. Juntou declaração do Presidente da Junta de Freguesia onde decorreram os factos que dá conta da tranquilidade da sociedade relativamente ao Arguido, afastando desta forma um dos fundamentos que esteve na origem da prisão preventiva.
10. O Arguido comunicou a sua ausência de consumo de álcool, alterando-se dessa forma outro dos fundamentos que também esteve na origem da prisão preventiva.
11. Manteve junto do Tribunal que não havia violência doméstica na casa do casal, o que foi confirmado pela ausência de antecedentes criminais e ausência de processos de tal natureza em curso.
12. Por isso entendia que se encontravam reunidos os pressupostos para alteração da medida de coação prisão preventiva por outra menos gravosa.
13. O Tribunal a quo aceita tais alterações de facto, e trazidas ao conhecimento do Tribunal, todavia entende que as mesmas são resultado ou consequência da prisão preventiva.
14. O Arguido não aceita a afirmação do Tribunal a quo quando diz que “A ausência de condenações registadas no certificado de registo criminal pelo crime de violência doméstica não é o mesmo que afirmar nunca o arguido ter praticado actos de violência doméstica”
15. Porquanto, mantém a afirmação que nunca o cometeu, os seus registos confirmam-no, e o Tribunal a quo insiste em utilizar a questão como fundamento.
16. Também discorda da fundamentação do Tribunal quando afirma que, as alterações de facto posteriores à prisão preventiva na pessoa do Arguido, nomeadamente a abstinência do consumo de álcool se deve ao facto de no meio prisional não haver acesso a álcool para dai concluir que a prisão preventiva está a realizar o seu propósito.
17. A prisão preventiva não visa assegurar o tratamento do álcool, nem é fundamento para aplicação da mesma.
18. Acresce que, entende que a obrigação de permanência na habitação é medida suficiente para assegurar que o Arguido se mantém abstinente de álcool, nem criar na sociedade qualquer animosidade e revolta.
19. De igual modo, tal medida seria suficiente para acautelar quaisquer necessidades de conservação da prova que existam, ainda que tal fundamento não tenha qualquer sustentação em todo e qualquer despacho do Tribunal a quo.
20. Estando o Arguido Impedido de sair da habitação, encontra-se impedido de consumir álcool, não podendo o Tribunal a quo basear-se nas hipotéticas falhas dos sistemas de vigilância e fiscalização policial para fundamentar a prisão preventiva.
21. De igual modo, o Tribunal a quo fundamenta a existência de um “temor nas testemunhas” e a prisão preventiva através de requerimento apresentado pela irmã da vítima mortal que pede ao Tribunal que mantenha o Arguido em prisão preventiva, do qual o Arguido nunca teve conhecimento até agora.
22. O Tribunal a quo nunca poderia basear-se em tal documento, para fundamentar um alegado temor das testemunhas, pois viola um princípio consagrado constitucionalmente que é o direito à defesa e contraditório, o que constitui uma nulidade que desde já invoca.
23. Em parte alguma do processo, consta qualquer indício que exista temor das testemunhas em testemunhar, não houve qualquer recusa em testemunhar, nem há qualquer indício ou suspeita que o Arguido diligencie ou vá diligenciar por tal.
24. Assim, entende o Arguido que o único factor que não existia e era necessário para tal substituição era a autorização do seu cônjuge, o que nesta data existe.
25. Pelo que, o Arguido considera que o Tribunal errou, quando indeferiu o pedido de substituição da prisão preventiva por obrigação de permanência na habitação.
26. De igual modo, errou quando aplicou taxa sancionatória excepcional, por considerar que o Arguido com tal requerimento apenas pretendeu atrasar a investigação e o mesmo é totalmente infundado.
27. A Autorização do seu cônjuge, a autorização dos familiares do Arguido, bem como, as alterações no consumo de álcool e a ausência da consternação e desagradado que incitariam a motins populares que o Tribunal a quo considerou existirem, nesta data não se mantém, pelo é necessária uma nova análise da medida de coação do Arguido.
28. E sobretudo, uma ponderação da medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância de meios eletrónicos em detrimento da prisão preventiva aplicada, por ser manifestamente mais proporcional ao caso dos autos.
29. Pelo que, tal taxa nunca poderia ter sido aplicada, já que o Arguido apenas se limita a exercer um direito que a lei lhe confere.
30. Razão pela qual entende o Recorrente o Tribunal a quo ter errado na valoração efetuada do requerimento de pedido de substituição de medida de coação do Arguido, bem como na aplicação de taxa sancionatória excepcional.

Deste modo, o Tribunal de Instrução a quo ao decidir como decidiu violou os artigos. 27º RCP, arts. 18.º n.º 2, 28.º n.º 2 e 32.º n.º 2 da CRP e dos arts. 191.º n.º 1, 192.º, 2, 193.º, 202.º e 204.º do CPP.
TERMOS EM QUE, DEVE O DESPACHO RECORRIDO SER REVOGADO POR OUTRO QUE SUBSTITUA A PRISÃO PREVENTIVA APLICADA AO RECORRENTE E APLIQUE A ESTE OUTRA MEDIDA DE COAÇÃO QUE RESPEITE OS PRINCÍPIOS DA NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO, PROPORCIONALIDADE E MENOR INTERVENÇÃO, DESIGNADAMENTE E POR ORDEM CRESCENTE DE GRAVIDADE, A OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO PERIÓDICA COM A PROIBIÇÃO E IMPOSIÇÃO DE CONDUTAS, NÃO SENDO ESTAS SUFICIENTES, A OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO QUE PODERÁ SER CUMPRIDA NA SUA HABITAÇÃO, SITA EM ..., DANDO O SEU CONSENTIMENTO O SEU CÔNJUGE, OU CASO ASSIM SE ENTENDA, NA HABITAÇÃO DE SEU IRMÃO, SITA NO VALE QUE DEU O SEU CONSENTIMENTO FAZENDO-SE ASSIM JUSTIÇA.»
*
O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, concluindo:
“1. Incidindo o recurso sobre o douto despacho judicial que procedeu ao reexame dos pressupostos de aplicação da prisão preventiva, nos termos do disposto pelo art. 212.°, n.° 4 do Código de Proc. Penal, não logrou o Recorrente - nem tal decorrendo dos autos -sequer apresentar um argumento adequado a concluir pela ocorrência de uma circunstância que impusesse a cessação ou a alteração da medida de coacção.
2. Por urna questão de coerência e lealdade processual. atenta a marcha subsequente (ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido) dos autos, destaca o Ministério Público a junção de relatório social que veio a confirmar grande parte dos receios que motivaram o Tribunal a decidir-
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT