Acórdão nº 4302/22.7T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-11

Ano2024
Número Acordão4302/22.7T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo – Apelação n.º 4302/22.7T8PRT.P1
Tribunal a quo – Juízo Central Cível do Porto – J 2
Recorrente(s) – AA e outros
Recorrido(a/s) – Seminário ...
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Sumário
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Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

Apelantes (autores): 1 - AA e 2 - BB (estas por si e como sucessoras habilitadas, por sentença de 05/12/2022, da autora AA, falecida na pendência da ação, em 10.10.2022); 3 - CC; 4 - DD; 5 - EE; 6 - FF; 7 - GG; e 8 - HH, 9- II e 10 - JJ (estes três últimos por si e como sucessores habilitados, por sentença de 01/02/2023, do autor KK, falecido na pendência da ação, em 07.12.2022).
Apelado (réu): Seminário ...

Os autores intentaram ação de processo comum contra o réu, alegando, em síntese, que são os legais sucessores de LL, falecida no dia 1 de fevereiro de 2002, a qual outorgou testamento em que, além do mais, deixou em legado ao réu um determinado imóvel, com a obrigação de o conservar como” Residência ...”, para sacerdotes, legado esse cujo encargo o réu não cumpriu, o que fundamenta o direito dos autores de, nos termos do n.º 1 do art. 2248.º do Código Civil, requererem a resolução da disposição testamentária pelo não cumprimento do encargo pelo réu.
Concluem que, «(…) considerando-se a presente ação provada e procedente, deve a Ré ser condenada e:
a)- ser declarado nulo e ordenado o cancelamento do registo de aquisição realizado pela Ré, através da apresentação 7 de 2003/09/11 junto da Conservatória do Registo Predial do Porto.
b)- ser declarado que se verificou a condição resolutiva determinante da reversão da propriedade do prédio urbano, composto por casa de cave, rés-do-chão e andar com 233 m2, dependência com 64 m2 e quintal, sito na Rua ..., freguesia ..., Concelho do Porto, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ...;
c)- ser reconhecido o direito de propriedade dos AA sobre o imóvel identificado em b);
d)- ser a Ré condenada a restituir aos AA. o imóvel identificado em b) livre de pessoas e bens. (…)».

O réu contestou, defendendo a improcedência da ação, alegando que cumpre a obrigação estipulada no testamento, não se encontrando nenhum sacerdote a residir no local em consequência de, à data, nenhum necessitar de ali residir, e que, ainda que assem se não entendesse, a consequência do incumprimento do legado seria a inclusão do bem imóvel no “remanescente” da herança, da qual o réu é herdeiro testamentário, nos termos da cláusula SETE do testamento.

Na pendência da ação faleceram:
– em 10/10/2022, a autora AA, tendo sido habilitados como sucessoras da mesma as co-autoras AA e BB, por sentença de 05/12/2022;
– em 07/12/2022, o autor KK, tendo sido habilitados como sucessores do mesmo os co-autores HH, II e JJ, por sentença de 01/02/2023.

Realizada audiência prévia, na qual foi facultada às partes a discussão de facto e de direito, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 591.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil, foi proferido despacho saneador que conheceu do mérito da ação, julgando esta improcedente e absolvendo o réu dos pedidos contra o mesmo formulados pelos autores.

Inconformados com a sentença, os autores interpuseram recurso de apelação, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:

1- Os Autores intentaram apresente ação com fundamento, em resumo e no essencial, em que são todos os autores legais sucessores de LL, falecida no dia 1 de fevereiro de 2002, no estado de solteira, sem ascendentes sobrevivos nem descendentes, tendo outorgado testamento em que, além do mais, deixou em legado ao Réu um determinado imóvel, com a obrigação de o conservar como “Residência ...”, para sacerdotes, legado que, o Réu não cumpriu.
2- Na ação os AA. peticionam, que, seja: a) declarado nulo e ordenado o cancelamento do registo de aquisição realizado pelo Réu, através da apresentação 7 de 2003/09/11 junto da Conservatória do Registo Predial do Porto; b) que se verificou a condição resolutiva determinante da reversão da propriedade do prédio urbano, composto por casa de cave, rés-do-chão e andar com 233 m2, dependência com 64 m2 e quintal, sito na Rua ..., freguesia ..., Concelho do Porto, inscrito na matriz sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ...; c) ser reconhecido o direito de propriedade dos AA sobre o imóvel identificado em b); d) ser o Réu condenada a restituir aos AA. o imóvel identificado em b) livre de pessoas e bens.”
3- O Réu contestou a ação, pugnando pela improcedência da ação, com fundamento em que cumpre a obrigação legada, não se encontrando nenhum sacerdote a residir no local em consequência de, à data, nenhum necessitar de ali residir, bem como com o fundamento em que, mesmo assim de não se entender, a consequência do incumprimento do legado, ser a de incluir o bem imóvel no “remanescente” da herança, da qual o Réu é herdeiro testamentário ( cláusula sétima).
4- Realizada a audiência prévia, o senhor juiz do tribunal “a quo” decidiu que o estado dos autos lhe permite, desde já, conhecer do seu mérito já em sede de despacho saneador, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 595º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil elaborou a respetiva sentença.
5- O tribunal “a quo” considerou os seguintes factos demonstrados por documento com força probatória bastante ou resultantes de acordo das partes, conforme o anteriormente alegado nos pontos 1 a 20.
6- Ora, o Réu/ Seminário, beneficiário do testamento há mais de 20 anos, não fez quaisquer obras no prédio que lhe foi legado, degradando-se acentuadamente, conforme fotografias juntas com a petição inicial, nem destinou o prédio a residência de sacerdotes; apenas agora, no decurso da ação, apresentou um orçamento para um projeto…. Que não sabemos se será para realizar e quando, pois, nada é alegado pela Ré quanto a tal.
7- No testamento que outorgou, a de cujos dispôs de todo o seu património, instituindo legados, entre os quais o legado ao Réu, com encargos e que que é posto em causa pelo não seu cumprimento por parte da mesma.
8- Peticionaram os Autores/Apelantes que o tribunal a quo declarasse que o Réu não cumpriu o legado inserido na cláusula quarta do testamento, pelo que deveria ter sido resolvida essa disposição testamentária, passando o bem legado para a titularidade dos seus herdeiros legais - Apelantes, como teria sido a vontade da testadora, nos termos e pelos fundamentos dos arts. 2247º e 2248º do CC.
9- Para corroborar que seria essa a intenção e vontade real da testadora que o bem revertesse para a esfera jurídica dos seus herdeiros legais, os Apelantes na sua p.i. juntaram para além da prova documental (18 documentos), prova testemunhal, (sendo uma dessas testemunhas, um dos testamenteiros que esteve presente e assinou testamento, o depoimento por declarações de parte de uma das Autoras e o pedido de inspeção local.
10- O tribunal a quo ao considerar que estaria em condições de decidir de imediato o mérito da causa no saneador, apenas e tão só se baseou na interpretação do testamento e na vontade do testador implícita no testamento.
11- O juiz do tribunal a quo faz uma interpretação deveras simplista, ao dizer que do texto do testamento e disposições dele constantes, nenhuma interpretação se pode retirar do mesmo de que, em caso de incumprimento de legados, fosse vontade da testadora que a sua eventual resolução” beneficiasse” os seus familiares, herdeiros legais.
12- Invoca ainda, que a testadora dispôs da totalidade do seu património, nada deixando em “herança” para os seus familiares.
13- Concluiu ainda, o tribunal a quo que, salvo os legados, a vontade da de cujus foi a de instituir ao Réu como seu herdeiro de todo o remanescente da sua herança e que a alegação dos Autores/Apelantes de que seria vontade da testadora de que em caso de incumprimento do legado, o bem regressasse à sua herança para ser partilhado pelos seus herdeiros legais, não encontra qualquer apoio no texto do testamento.
14- A douta sentença recorrida não pode manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso “sub judice” das normas e dos princípios jurídicos competentes.
15- Relativamente àquele pedido, levantam-se, diversas questões, que, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida não interpretou, nem resolveu da forma juridicamente mais adequada.
16- A primeira questão, impõe-se a necessidade em se saber se o estado do processo permitia que se conhecesse imediatamente do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, nos termos do, art. 595, nº 1, alínea b) do CPC.
17- A segunda questão, prende-se com a nulidade da sentença, uma vez que não estando julgados provados os factos que servem de fundamento à decisão, existe direta e insanável contradição entre os fundamentos (de facto) nos termos e a decisão, o que importa a nulidade desta, nos termos da alínea c) do nº 1 do Art, 615º do CPC, invalidade que de forma expressa se invoca.
18- A terceira questão, tem a ver naturalmente com a necessidade de interpretação daquelas cláusulas testamentárias (clausula 4º e 7ª), com vista a captar a vontade real da testadora, importando determinar também as consequências de um eventual “non liquet”,no caso de não ser possível averiguar aquela vontade, e, se através daquela tarefa interpretativa se pode concluir, que nada tendo determinado a testadora acerca do incumprimento do encargo pelo Réu, saber, através de outros meios de prova, se podemos dizer que a sua vontade seria resolver a disposição testamentária pelo não cumprimento do encargo ou que a disposição não teria sido mantida sem o seu cumprimento.
19- O juiz conhece do mérito da causa art. 595, nº 1, al. b), do CPC -no despacho saneador quando para tal não haja a necessidade de mais provas do que aquelas que já estão adquiridas no processo, que significa que o estado do
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