Acórdão nº 4302/18.1T8ALM-A.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-11-07

Data de Julgamento07 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão4302/18.1T8ALM-A.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

Por apenso à ação executiva que a CGD move contra FR e Outros, vieram reclamar créditos:
1. MS e mulher, FB, e a filha de ambos, PG;
2. JGA.
O requerimento inicial apresentado por JGA, no dia 28 de março de 2023, tem o seguinte teor:
«JGA, (...) vem nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 788.º do Código de Processo Civil apresentar a sua,
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITO COM GARANTIA REAL
O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.º
O aqui Credor encontra-se a residir no imóvel sito na Rua _____, n.º __, Fernão Ferro, desde de 19 de Setembro de 2016, conforme ficará, em nosso entender, devidamente demonstrado infra.
2.º
Imóvel que, por importante se esclarece, configura casa morada de família do Credor,
3.º
Sucede que, no passado dia 13 de Março de 2023 foi o Credor Reclamante surpreendido com a afixação no imóvel aqui em questão de um «Edital Venda Leilão», através do qual tomou conhecimento que, em virtude dos presentes autos executivos, o imóvel no qual reside se encontra em processo de venda em leilão eletrónico. (...).
4.º
Deste modo, apenas neste momento é que o Credor Reclamante tomou conhecimento da pendência dos presentes autos.
5.º
Nesta senda, sem prejuízo do supra exposto, nos termos do artigo 788.º, n.º 3 do CPC «Os titulares de direitos reais de garantia que não tenham sido citados podem reclamar espontaneamente o seu crédito até à transmissão dos bens penhorados.»
6.º
Ora, conforme ficará aqui devidamente demonstrado o Credor Reclamante é titular de um direito real de garantia,
7.º
Razão pela qual a presente Reclamação deverá, salvo melhor e douto entendimento, ser considerada tempestiva.
8.º
O Credor Reclamante celebrou em 19 de Setembro de 2016, contrato promessa de compra e venda no qual prometeu comprar livre de ónus e encargos, a FR, aqui Executado, a moradia em fase de conclusão sito na Rua _____ lote __, Quinta ____, freguesia de ____, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º ____, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ____º (...).
9.º
O preço global para a aquisição do sobredito imóvel fixou-se em € 169.000,00 (cento e sessenta e nove mil euros). (...).
10.º
O Credor Reclamante liquidou, aquando da outorga do contrato promessa em questão, a quantia de €1.300,00 (mil e trezentos euros) a título de sinal e princípio de pagamento. (...).
11.º
A título de reforço de sinal o Credor Reclamante, comprometeu-se ainda a liquidar mensalmente durante 36 meses, a quantia de €650,00 (seiscentos e cinquenta euros), valor que perfez o montante global de €23.400,00 (vinte e três mil e quatrocentos euros). (...).
12.º
Nos termos da Cláusula Quarta, a escritura pública de compra e venda a favor do Credor Reclamante seria celebrada no prazo de 36 meses, a contar da data do primeiro pagamento de reforço de sinal (...).
13.º
Tendo ficado acordado que com a outorga do contrato promessa o aqui Credor Reclamante tomou posse do imóvel prometido. (...).
14.º
Em conformidade, desde então que o Credor Reclamante tem fixada a sua residência no concreto imóvel,
15.º
Configurando a mesma, conforme supra referido, a sua casa morada de família.
16.º
Tendo contratualizado todos os serviços de essenciais para a sua habitação. (...).
17.º
Similarmente, o Credor Reclamante dispõe da morada do imóvel aqui em questão junto das bases de dados das mais diversas entidades, (...).
18.º
Ocorre que, em 30 de Outubro de 2019, foi celebrado Aditamento ao contrato promessa de compra e venda (...).
19.º
Nos termos do Aditamento melhor identificado no artigo precedente, o Credor Reclamante obrigou-se ao pagamento mensal da quantia de €1.300,00 (mil e trezentos euros) a título de reforço de sinal. (...).
20.º
Obrigação essa que foi pontualmente cumprida até à presente data.
21.º
Deste modo, o Credor Reclamante, à presente data liquidou, a título de sinal, as seguintes quantias:
a) €1.300,00 (mil e trezentos euros) aquando da outorga do contrato promessa;
b) €23.400,00 (vinte e três mil e quatrocentos euros) liquidados em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas de €650,00;
c) O montante global de €53.300,00 (cinquenta e três mil e trezentos euros) correspondente ao somatório de todas as prestações de €1.300,00 liquidadas desde Novembro de 2019 a Março de 2023.
22.º
Deste modo, em face do supra exposto, o Credor Reclamante liquidou a título de sinal a quantia global de €78.000,00 (setenta e oito mil euros).
23.º
Nos termos do Aditamento junto como Doc. n.º 11, o contrato definitivo seria outorgado no prazo de 30 dias apos a obtenção de toda a documentação por parte do aqui Executado.
24.º
Ora, atenta a pendência dos presentes autos e bem assim da existência de uma penhora sobre o imóvel prometido, verifica-se claramente o incumprimento definitivo do contrato promessa aqui em questão.
25.º
Impondo-se, assim, a devolução em dobro das quantias entregues pelo Credor Reclamante a título de sinal,
26.º
O que corresponde à quantia de €156.000,00 (cento e cinquenta e seis mil euros).
27.º
Conforme referido supra é o Credor Reclamante o atual possuidor do imóvel aqui em questão.
28.º
Assim, não obstante a penhora registada a favor da Exequente sobre o imóvel, certo é que o ora Credor goza de direito de retenção sobre o imóvel.
Senão vejamos,
29.º
Nos termos do artigo 754.º do Código Civil, «O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.»
30.º
Estabelecendo ainda artigo 755.º, n.º 1 alínea f) do Código Civil, que «1 – Gozam ainda do direito de retenção: (…)
f) O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º.»
31.º
Direito que o Credor expressamente invoca.
32.º
Sendo atualmente pacífico, entre doutrina e jurisprudência, alicerçada também na sua inserção sistemática no Código Civil, que o direito de retenção configura uma garantia real. (...).
33.º
Trata-se de uma faculdade de origem legal, de recusa do cumprimento da obrigação de restituição ou entrega de uma coisa detida enquanto o credor de tal obrigação não cumprir, por sua vez, uma obrigação de que é devedor, e de executar a coisa, pagando-se pelo valor dela, com preferência sobre os demais credores.
34.º
Recortando os momentos fundamentais deste instituto temos: 1) Que o devedor seja obrigado a entregar uma coisa suscetível de penhora; 2) que seja simultaneamente titular de um crédito sobre a pessoa a que esteve obrigado a entregar a coisa; 3) que exista uma conexão causal entre a coisa e o crédito sobre a pessoa que a deva receber podendo essa conexão resultar de despesas feitas por causa da coisa ou danos por ela causados (754.º) (…).
35.º
O que manifestamente ocorre in casu.
36.º
Em conformidade, nos termos do n.º 1 do artigo 822.º do Código Civil, «o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro que não tenha garantia real anterior».
37.º
Nestes termos, é manifesto que o crédito do ora Reclamante beneficia de uma garantia real – o direito de retenção, o qual tem a particularidade de não ser sujeito a registo e a sua publicidade derivar unicamente da detenção da coisa pelo detentor.
38.º
Não obstante constituir, precisamente pela ausência de registo, uma garantia oculta, o direito de retenção goza de oponibilidade erga omnes, prevalecendo sobre outros direitos reais, ainda que registados anteriormente, como é o caso da hipoteca previsto no artigo 759.º, n.º 2 do Código Civil.
39.º
Mercê do supra exposto resulta evidente que a garantia real detida pelo Credor Reclamante foi constituída em data anterior ao registo da penhora,
40.º
Pelo que, resulta do mencionado artigo 822.º, n.º 1 do Código Civil, que o direito de retenção do ora Credor Reclamante prevalece sobre a penhora registada a favor da Exequente, e que o seu crédito, pelo mesmo garantido, tem preferência a ser pago em relação ao crédito da Exequente.
41.º
Em face do supra exposto, o ora Reclamante é titular de um crédito com garantia real sobre o Reclamado no montante total de €156.000,00 (cento e cinquenta e seis mil euros).»
Conclui assim:
«Nestes termos e nos mais de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V/Exa, deve o crédito ora reclamado, no montante de €156.000,00 (cento e cinquenta e seis mil euros) ser reconhecido e graduado nos termos alegados, seguindo-se os demais trâmites legais.»[1].
*
No dia 24 de abril de 2023, a exequente CGD impugnou a reclamação de créditos apresentada por JGA, concluindo assim:
«Termos em que deverá ser julgada procedente a presente impugnação dos créditos de JGA, e consequentemente, não deverão reconhecidos os créditos reclamados por JGA sobre FR, no valor de eur.: 156.000,00€, nem atendido qualquer outro dos pedidos dos reclamantes.»
*
No dia 26 de abril de 2023, os reclamantes MS, FB e PG, também impugnaram a reclamação de créditos apresentada por JGA, concluindo assim:
«Termos em que deve a presente impugnação de créditos ser julgada procedente, por provada, e em consequência, não serem reconhecidos os créditos reclamados por JGA, no montante de €156.000,00 (cento e cinquenta e seis mil euros).»
*
Invocando para o efeito o disposto nos arts. 3.º, n.º 1 e 790.º, o reclamante respondeu, mediante articulado apresentado no dia 11 de maio de 2023.
*
No dia 16 de maio de 2023, o senhor juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
«Para realização de AUDIÊNCIA PRÉVIA, que terá por fim facultar às partes pronunciarem-se, de facto e de direito, previamente à decisão, sobre a não verificação de pressuposto específico da
...

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