Acórdão nº 4260/15.4T8FNC-E.L2 -1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-06

Ano2022
Número Acordão4260/15.4T8FNC-E.L2 -1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I.RELATÓRIO
Ação
Declarativa comum, que corre termos por apenso ao processo de insolvência da ré.
Autora/apelante
F LDA.
Ré/apelada
MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE S LDA.
Pedido
Que o tribunal:
1. Declare nula e de nenhum efeito declaração de resolução em benefício da massa insolvente realizada por carta datada de 04/05/2016 do Administrador da Insolvência, sobre o contrato de arrendamento rural celebrado entre a Autora e a S em 14/8/2014, com fundamento em violação do respetivo dever de fundamentação, mantendo-se o referido contrato em vigor, nos termos conjugados do disposto nos artigos 120.° do CIRE e 286.° do Código Civil;
Ou, admitindo por mera hipótese, que não procede a invocação de nulidade antecedente;
2. Condene a ré a indemnizar a autora pela resolução ilícita do referido contrato, mediante sentença substitutiva de declaração negocial da parte da ré que produza um efeito novatório das relações contratuais pré-estabelecidas, passando o contrato resolvido a vigorar nos precisos termos e que vigoraria se não ocorresse o facto lesivo, isto é, nos precisos termos contratualmente estabelecidos;
Ou concebendo ainda, embora sem conceder, que não procedam os pedidos antecedentes;
3. Declare, a título mera apreciação de Direito prévia e preventiva, que o eventual exercício do direito de restituição do bem imóvel arrendado, emergente da resolução ilícita em referência é ilegítimo por abuso de direito, na modalidade de tu quoque, ao abrigo do artigo 334.° do Código Civil.
Causa de pedir
Alega, em síntese, que:
A declaração resolutiva efetuada pelo administrador da insolvência, por falta de fundamentação, é nula.
O administrador da insolvência omitiu na sua declaração qualquer referência à putativa "má fé” por parte da autora.
O administrador da insolvência não concretizou na sua declaração resolutiva quaisquer factos mediante os quis seria possível aferir da alegada prejudicialidade do contrato de arrendamento celebrado.
Foi violado o prazo contemplado no artigo 120.°, n.° 1, do CIRE.
A carta de resolução fez uma errada identificação do locado.
A nulidade da declaração resolutiva pode ser invocada a qualquer momento, não dependendo do prazo de caducidade previsto no artigo 125.° do CIRE.
Oposição
A ré alega, em síntese, que:
O Juízo Central Civil é incompetente em razão da matéria para apreciar a presente ação.
O direito de ação da autora caducou e, consequentemente, também o seu direito de arguir a eventual nulidade da declaração resolutiva emitida pelo administrador da insolvência.
A autora age com abuso de direito, ao contrário do que acontece com a ré.
Resposta
Notificada a contestação apresentada, veio a autora apresentar, em 24-01-2019 requerimento, invocando, como questão prévia, a “admissibilidade” desse articulado, atendendo às exceções invocadas na contestação, peticionando “a admissão do presente requerimento, neste momento, ao abrigo dos princípios da gestão processual e da adequação formal, previstos, respectivamente, nos artigos 6.º e 547.º do CPC”, pronunciando-se, quanto à exceção da “incompetência em razão da matéria”, bem como quanto à “caducidade do direito de acção” e ao “abuso de direito”, propugnando pela improcedência das exceções.
Decisão
Em 22-02-2022 realizou-se audiência prévia, tendo sido proferida decisão com o seguinte segmento dispositivo:
“Termos em que, o Tribunal decide:
1. Declarar a excepção peremptória de caducidade do direito de acção invocada pela R. MASSA INSOLVENTE DA S LDA. procedente e, por conseguinte, declarar a resolução em benefício da massa insolvente do "contrato de arrendamento rural” celebrado no dia 14 de Agosto de 2014, eficaz;
2. Absolver a R. MASSA INSOLVENTE DA SOCIEDADE S LDA. do demais peticionado pela A. F LDA..
Custas pela A. (cfr. artigo 527.°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique”.
Recurso
Não se conformando a autora apelou formulando as seguintes conclusões:
“C.1) Introdução
I. O presente recurso tem por objecto o despacho saneador-sentença proferido em sede de audiência prévia realizada em 22/2/2022, na parte em que julga a presente acção improcedente – decisão com a qual a Recorrente não se pode conformar, por traduzir uma interpretação errada e uma aplicação manifestamente injusta do disposto no artigo 125.º do CIRE.
II. Não obstante o sentido da decisão impugnada, importa ressalvar que o despacho saneador-sentença em questão inclui uma apreciação da (in)validade da declaração resolutiva que é objecto dos presentes autos, concluindo a esse respeito que a referida declaração é um acto nulo – conclusão que a Recorrente expressamente declara aceitar, para todos os efeitos.
III. O Tribunal a quo julgou improcedente o pedido principal formulado na PI – a declaração de nulidade da declaração resolutiva ora impugnada – por ter entendido, erradamente, que o correspondente direito de acção se encontra extinto por caducidade, nos termos do artigo 125.º do CIRE.
C.2) Da ausência de caducidade do direito de acção
IV. Considere-se que a nulidade assenta, por definição, numa violação de normas de interesse público, que devido à sua preponderância no sistema jurídico, justificam a gravidade dos correspondentes efeitos sancionatórios: a supressão, ab initio e ope legis, de todos os efeitos jurídicos do acto e a atribuição, a qualquer interessado, de uma permissão geral de invocar a nulidade (ao invés de uma faculdade específica a um sujeito determinado).
V. Daí resulta que, não havendo uma faculdade específica de invocação da nulidade da declaração resolutória sub judice, também não é essa a “faculdade” visada pela estipulação de um prazo de caducidade de 3 meses, no artigo 125.º do CIRE, pelo que esse preceito é inaplicável ao direito de acção a coberto do qual qualquer sujeito interessado pode invocar a nulidade da declaração resolutiva prevista no artigo 120.º do CIRE.
VI. Improcede o eventual entendimento de que o artigo 125.º do CIRE consagra um regime de nulidade atípica do acto resolutivo, nos termos do qual a mesma se convalidaria por efeito do decurso do prazo de três meses aí previsto:
VII. Primeiro, porque nada no teor literal desse preceito permite sustentar um afastamento do regime geral da nulidade (maxime, do artigo 286.º do Código Civil);
VIII. Segundo, porque os eventuais interesses dos credores da insolvência em ver incrementada a garanta dos seus créditos não poderia, razoavelmente, postular a sanação de um acto resolutivo puramente arbitrário, em detrimento dos direitos do respectivo destinatário.
IX. O artigo 125.º do CIRE tipifica uma acção de simples apreciação negativa, teleologicamente ordenada para sindicar os eventuais motivos que sustentam uma determinada declaração resolutiva, desde que tais motivos sejam expressamente invocados no acto de declarativo.
X. Não se questiona que seja possível a cumulação, nessa acção, de outros pedidos – como p.ex. a invocação da nulidade da declaração resolutiva – mas essa possibilidade decorre do regime da cumulação de pedidos, e não da natureza e do escopo intrínsecos da acção judicial tipificada no artigo 125.º do CIRE.
XI. Consequentemente, o prazo de caducidade da acção de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente não afecta a faculdade genérica de invocar a nulidade dessa mesma declaração nos termos gerais.
XII. Em corroboração do exposto, considere-se que a faculdade de impugnar a resolução em benefício da massa insolvente prevista no artigo 125.º do CIRE pressupõe que o Administrador da Insolvência cumpra o dever de fundamentação da declaração resolutiva e que, dessa forma, o destinatário tome prévio conhecimento dos putativos fundamentos da pretensão resolutiva.
XIII. Pelo que o próprio direito de impugnar a resolução em benefício da massa insolvente, nos termos do artigo 125.º do CIRE, só pode ser exercido se e quando o destinatário da declaração resolutiva tomar conhecimento dos motivos que sustentam essa declaração.
XIV. Antes de o destinatário conhecer esses elementos, o prazo de caducidade do seu direito de acção não poderia começar a correr, por aplicação do disposto no artigo 329.º do Código Civil.
XV. In casu, a declaração resolutiva dirigida à Recorrente, que é objecto dos presentes autos, não expõe, sequer minimamente, os eventuais fundamentos da resolução, pelo que a Recorrente não tem condições para mover a acção de simples apreciação negativa tipificada no artigo 125.º do CIRE, e o correspondente prazo de caducidade não pode começar o seu curso, por aplicação do disposto no artigo 329.º do Código Civil.
XVI. Acrescente-se que a ratio da regra de caducidade prevista no artigo 125.º do CIRE consiste em extrair do decurso do prazo de três meses uma conformação, por parte do destinatário da declaração resolutiva, quanto aos eventuais fundamentos da mesma – conquanto que expressamente alegados pelo Administrador da Insolvência.
XVII. Na ausência de invocação de quaisquer eventuais fundamentos, como é aqui o caso, sempre seria de afastar a regra de caducidade prevista no artigo 125.º do CIRE, por não se encontrar preenchida a sua teleologia.
XVIII. O que fica exposto permite ainda aduzir que a eventual interpretação do artigo 125.º do CIRE que postule que tal preceito impede a invocação da nulidade da declaração resolutiva pelo respectivo destinatário e implica a sanação dessa nulidade, por efeito do decurso do prazo de três meses aí previsto – nomeadamente, por gerar a caducidade do respectivo direito de acção – considerando essa nulidade sanada, sempre seria MANIFESTAMENTE INCONSTITUCIONAL, por constituir uma restrição desadequada, desnecessária e desproporcional, nos termos do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), ao direito de acesso à Justiça e aos direitos fundamentais à livre iniciativa económica e à propriedade
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