Acórdão nº 4165/22.2T8CBR.C2 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-02-06

Ano2024
Número Acordão4165/22.2T8CBR.C2
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA)

Nº 813

I - Relatório

1. AA, residente em ..., intentou contra CAIXA DE CRÉDITO AGRICOLA MÚTUO DE COIMBRA, CRL, com sede em Coimbra, acção declarativa de impugnação/anulação de deliberação, pedindo:

a) a anulação da deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais da ré – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal - tomada na Assembleia Geral de 30 de Junho de 2022;

b) a anulação da decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral que não admitiu a sufrágio as listas candidatas à Mesa da Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal apresentadas pelos associados e sob o lema “DEVOLVER AOS SÓCIOS E A COIMBRA” a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL., devendo ser admitidas;

c) subsidiariamente, peticionou a admissão da lista por si apresentada candidata à Mesa da Assembleia Geral.

Alegou, em suma, a violação de disposições estatutárias, regulamentares e legais que especificou.

A Ré contestou, defendendo não se verificar tal violação, pugnando pela improcedência da acção.

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Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a R. do pedido.

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2. O A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – A presente acção de impugnação/anulação vem da deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais da Ré – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal - tomada na Assembleia Geral de 30 de Junho de 2022 e bem assim, da decisão da Mesa da Assembleia Geral, que acolheu as conclusões do Relatório da Comissão de Avaliação prevista no art.º 20º dos Estatutos e art.º 10º do Regulamento Eleitoral da Ré, decisão que não admitiu a sufrágio as listas candidatas à Mesa da Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal apresentadas pelos associados e sob o lema “DEVOLVER AOS SÓCIOS E A COIMBRA” a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL.”, e do seu pedido subsidiário.

2 – O recurso a que alude o art.º 25º do Regulamento eleitoral é a acção de anulação a que se refere o art.º 59º do Código das Sociedades Comerciais, cujo prazo de interposição é de 30 dias a contar da respectiva deliberação.

3 – É imperativa a norma que consagra o direito dos cooperadores de “Eleger e ser eleito para os órgãos da cooperativa”, direito consagrado na al. d) do art.º 21º da Lei 119/2015Código Cooperativo –, e também na al. b) do art.º 13º dos Estatutos da Ré, direito com consagração constitucional nos art.ºs 46º, 51º e 61º, n.ºs 2 e 3, todos da CRP e art.º 3º do Código Cooperativo, disposições que devem informar a interpretação do art.º 25º do Regulamento Eleitoral da Ré e que assim se mostram violadas pela douta sentença.

4 – A decisão da Mesa da Assembleia Geral da Ré que não admitiu a sufrágio as listas apresentadas pelos associados, objecto da presente acção de anulação foi, como se vê do ponto 17 da matéria assente definitivamente indeferida em 06 de Junho de 2022, pelo que o seu prazo de recurso vai até 06 de Julho de 2022, ou seja para além da Assembleia Geral Eleitoral onde foi tomada a decisão definitiva.

5 – A decisão de rejeição da candidatura apresentada pelos sócios tomada pela Mesa da Assembleia Geral, o seu vício invalidante sempre teria de ser necessária e conjuntamente apreciado com a deliberação final da Assembleia – 30 de Junho de 2022 – e não antes, sendo que o Regulamento Eleitoral não prevê em lado algum qualquer prazo para interpor recurso interno, porque inexiste.

6 – O recurso que “nos termos da lei” a que se refere o art.º 25º do Regulamento Eleitoral das decisões recorríveis no âmbito do processo eleitoral, pelo menos da decisão da Mesa da Assembleia Geral que rejeitou a identificada candidatura dos sócios e cujo prazo de impugnação vai necessariamente para além da data da deliberação definitiva da Assembleia Geral Eleitoral, não é, nem pode ser, “… condição de procedibilidade da presente acção …”, como decidiu a douta sentença recorrida.

7 – O recurso previsto no artigo 25º do Regulamento Eleitoral, sendo interno, não é compaginável com o direito ao recurso da deliberação final e definitiva, previsto no n.º 6 do art.º 32º da Lei 119/2015.

8 – Decorre dos pontos 16, 17 e 18 da matéria assente que Autor esgotou os meios internos de recurso previstos no Regulamento e Estatutos da Cooperativa Ré, constituindo a deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais da Ré – Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal –, tomada em 30 de Junho de 2022, o acto definitivo do procedimento eleitoral proferido no seu interior.

9 – A deliberação da Assembleia Geral consagra o regime legal estatuído e decorrente no artigo 25º do Regulamento Eleitoral de que “Cabe recurso, nos termos da lei (o negrito é nosso) de todas as decisões tomadas no âmbito do processo eleitoral”, regime legal este que consagra a exigência do princípio da intervenção mínima e através do qual se efectua a concordância prática entre a autonomia associativa e os limites a essa autonomia, que decorre dos princípios de transparência, da organização, da gestão democrática e da participação de todos os seus membros (artº 51º, nº 1 e 5 da CRP), princípios estes que a decisão recorrida viola.

10 - Por razões de segurança e certeza jurídicas, o acto definitivo da deliberação tomada na Assembleia Geral em 30 de Junho de 2022 não poderá ser posto em causa por um acto procedimental do processo eleitoral que lhe é anterior, mas que só viria a ser decidido muito posteriormente.

11 – O art.º 25º do Regulamento Eleitoral não prevê recurso interno da decisão da Mesa da Assembleia Geral que rejeitou a candidatura aos órgãos da Ré, apresentada pelos Associados, que aliás seria inútil, não podendo ser “… condição de procedibilidade da presente acção”, ou seja da deliberação definitiva tomada na Assembleia Geral de 30 de Junho de 2022.

12 – O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6 de Julho de 2017, Processo nº 829/16.8T8LSB.L1-4, é, quer factual, quer juridicamente, absolutamente diferente do caso dos autos.

13 – É a Mesa da Assembleia Geral da Ré que decide perante uma decisão vinculativa da designada Comissão de Avaliação prevista no art.º 8º do Regulamento Eleitoral competência esta que lhe foi delegada pela própria Assembleia Geral da Ré, como decorre do n.º 1 do art.º 20 e do art.º 19º, nº 1 dos Estatutos, que decide definitivamente, em última instância e que não admitiu a sufrágio as listas candidatas à Mesa da Assembleia Geral e ao Conselho Fiscal apresentadas pelos associados e sob o lema “DEVOLVER AOS SÓCIOS E A COIMBRA” a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, CRL.”, e do seu pedido subsidiário.

14 – A Mesa da Assembleia Geral em conformidade com o Relatório da Comissão de Avaliação “cujas conclusões são vinculativas” decidiu definitivamente a reclamação pelo recorrente apresentada, nos termos do art.º 10º do Regulamento Eleitoral (pontos 15 e 16 da matéria assente) e de acordo com o art.º 11º do mesmo Regulamento “… o Presidente da Mesa da Assembleia Geral procederá ao sorteio das listas definitivamente admitidas (o negrito e sublinhado é nosso).

15 - No ponto 17 da matéria assente refere-se o que se transcreve no nº 5. Da decisão de rejeição da candidatura de sócios: “… Assim, no tocante à decisão de admissão e rejeição das candidaturas apresentadas, com fundamento na avaliação da adequação dos candidatos, tal matéria é da exclusiva competência da Comissão de Avaliação, cujas decisões são vinculativas (…), não podendo os membros da Mesa da Assembleia Geral intervir, modificar, por qualquer forma, as referidas conclusões.” (o negrito e sublinhado é nosso), sendo pois qualquer recurso interno inútil.

16 – A Assembleia Geral estatutariamente delegou a competência na Comissão de Avaliação e na Mesa da Assembleia Geral por força dos art.ºs 20, nº 1 e 19º, nº 1 dos Estatutos, para decidir em última instância e definitivamente sobre a admissão e rejeição de candidaturas às eleições aos órgãos ao da Ré.

17 – Ao interpretar as normas estatutárias se tem de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e não soluções absurdas, como seria aquela de consagrar um recurso interno cujo o prazo de interposição se iria verificar para

além da data em que é tomada a deliberação final do acto eleitoral.

18 – Este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, teve já ocasião de conhecer, e proferir o seu Acórdão no processo nº 4108/19.... – ... Secção Cível - em ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO/ANULAÇÃO DA DELIBERAÇÃO SOCIAL tomada na reunião da assembleia geral extraordinária relativa à Eleição da Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal da CCAM de Coimbra, a aqui também Ré, e para o triénio anterior, o triénio de 2019 – 2021, acção esta na qual o pedido é idêntico ao presente, sendo aqui também o mesmo o seu Autor, sem que os vícios invalidantes tivessem sido “… condição de procedibilidade …” da respectiva acção de impugnação/anulação.

19 – A douta sentença viola entre outras as disposições do art.º 25º, 8º, 9º, 10º do Regulamento Eleitoral, art.ºs 19º e 20º dos Estatutos, art.º 59º, 56º e 58º do Código das Sociedades Comerciais, art.º 9º, n.º 3 do Cód. Civil, art.ºs 3º e 32º, n.º 6 do Código Cooperativo, art.ºs 46º, 51º, 61º, n.ºs 2 e 3 e 17º e 18º da CRP.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência anular-se a douta sentença recorrida.

V.ªs Ex.ªs farão, como sempre, a costumada justiça!

3. A R. contra-alegou, concluindo que:

a) A palavra “recurso” constante da norma do artigo 25.º do Regulamento Eleitoral não pode ter o significado de recurso judicial ou de recurso à ação de impugnação prevista no artigo 59.º do CSC, mas antes a de recurso interno para um órgão social da Ré, que apenas pode ser a assembleia geral.

b) Apenas as deliberações da pessoa coletiva, entendendo como tal as deliberações dos sócios ou que sejam passíveis de ser imputadas a ela (deliberações de outros órgãos sociais, em particular do...

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