Acórdão nº 4163/22.6T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-11-23

Ano2023
Número Acordão4163/22.6T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Assinado digitalmente por:
Rel. – Des. José Flores
1º Adj. - Des. Raquel Rego
2º - Adj. - Des. Jorge Alberto Martins Teixeira

Recorrente(s): EMP01... Unipessoal, Ld.ª.;
Recorrido(s): EMP02..., Sl..
*
ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

1. RELATÓRIO

EMP01... Unipessoal, Ld.ª propôs a presente acção declarativa com processo comum contra EMP02..., Sl., pedindo a condenação da Ré a: a) proceder à eliminação dos defeitos, no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado da sentença ou, em alternativa, condenada a pagar à A. o valor do custo da execução dos trabalhos (incluindo materiais e mão de obra) de eliminação dos aludidos defeitos, estimado em 26.000,00 €; b) a pagar à A., a título indemnização por danos patrimoniais sofridos até à da propositura da acção, a quantia de 73.506,17 €, acrescida dos juros de mora à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; c) a pagar à A. o montante dos prejuízos por aquela sofridos que se vierem a verificar e apurar em momento posterior, em liquidação de sentença; d) a pagar à A., a título de indemnização por danos patrimoniais futuros que a mesma venha a sofrer, a partir da data da propositura da acção, em virtude dos factos descritos sob os artigos 51º a 55º da p.i.; a pagar à A., a título de danos não patrimoniais sofridos, a quantia de 5.000,00 €, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo pagamento.
Na sua contestação, a Ré começou por excepcionar a incompetência absoluta do tribunal judicial, alegando para o efeito que as partes expressamente acordaram submeter qualquer litígio, discrepância ou reclamação resultante deste contrato à arbitragem do "TRIBUNAL PARA LA INDUSTRIA Y CONSTRUCCIÓN (TAIC)”, domiciliado na ..., no âmbito do seu Regulamento, obrigando-se antecipadamente a cumprir a decisão que venha a ser proferida pelo Tribunal Arbitral.
Concedido o contraditório, veio a Autora, relativamente à excepção em apreço, responder nos seguintes termos:
- desconhece a cláusula em apreço cujo conteúdo não resultou de negociação prévia entre as partes, nem foi comunicado ou explicado à Autora, tendo-se limitado a assinar o contrato pré-elaborado que lhe foi remetido em língua estrangeira com letra pequena, de difícil leitura e compreensão, pelo que é nula ou deve considerar-se excluída a convenção do contrato;
- também se não mostram cumpridos pela cláusula em análise, os pressupostos previstos pelo n.º 6 do artigo 2º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro), pois não especifica com precisão a relação jurídica a que os litígios respeitam, sendo, consequentemente, inválida e ineficaz.
Realizada audiência prévia, deu-se a palavra às partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de o tribunal conhecer imediatamente a excepção dilatória em apreço:
- a Autora reiterou a argumentação já expendida, acrescentando o grave inconveniente para si em demandar a Ré em ..., atenta a distância de ..., onde tem a sua sede e se situam as estufas, à ..., o que tem reflexo no acréscimo de despesas e de honorários da lide;
- a Ré pugnou pela validade da cláusula, do conhecimento da Autora porque redigida na folha do contrato, de forma clara e legível, imediatamente acima do local onde o legal representante da Autora apôs a sua assinatura. Sustentou ainda a preclusão do direito da Autora invocar a nulidade da cláusula em questão, já que simultaneamente reputa válido e em vigor o contrato onde a mesma se encontra inscrita.

A final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Termos em que, julgo procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta deste tribunal, por preterição de tribunal arbitral, absolvendo a Ré da instância.”

Inconformada com esta decisão, a Autora recorreu, formulando, após aperfeiçoamento, as seguintes

Conclusões

A. DA IMPUGNAÇÃO E ALTERAÇÃO DA FACTUALIDADE DADA COMO PROVADA

I. A matéria de facto dada como provada, não é consentânea com a prova que se produziu em tribunal, pelo que deve ser alterada, nos seguintes termos:
Devem ser acrescentados aos factos PROVADOS, os seguintes:
2. A Autora é uma sociedade comercial por quotas com sede na Rua ..., ..., ..., ..., Portugal;
3. A Ré é uma sociedade comercial com sede em ..., ... 32-33, ...14, ..., ..., em ..., e que se dedica à fabricação de carpintaria metálica, artigos de caldeiraria, maquinaria e acessórios e peças metálicas;
4. No exercício da sua atividade, a Ré celebrou com a Autora o contrato de empreitada pelo qual se obrigou a fabricar, fornecer e instalar uma estufa para agricultura, pelo preço global de 192.309,00€, tendo para o efeito a Ré utilizado um modelo designado como “Nº ... ...” e “Nº Oferta nº ...”, por esta previamente elaborado e apresentado à Autora;
5. Aos interessados apenas é permitido aceitar ou não as cláusulas incluídas nos documentos que titulam o contrato utilizado pela Ré, estando vedado, através de negociação, alterá-las de qualquer forma;
6. A apresentação gráfica das condições gerais, nomeadamente, tamanho de letra e o espaçamento entre linhas utilizado, a ausência de numeração ou epígrafe, isto é, o texto apresentado em bloco, é praticamente ininteligível e passa despercebida a um contratante normal, colocado na posição do contratante real.
7. No âmbito do contrato de empreitada celebrado entre Autora e Ré, a cláusula que estabelece a escolha do foro arbitral sito na ..., em ..., cuja constituição acarreta, necessariamente, encargos acrescidos às partes, constitui grave inconveniente para a Autora, com sede em Portugal;
8. Os documentos/ contrato encontra-se escrito em língua espanhola;

E ainda, deve ser acrescentado ao elenco dos factos NÃO PROVADOS, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. A Autora assinou e aceitou o clausulado que a Ré lhe apresentou, aderindo a esse modelo (artigo 14º da resposta à contestação).
2. Foram previamente comunicados e explicados à Autora, que compreendeu e quis celebrar, os termos e o conteúdo da cláusula com o seguinte texto: Las partes contratantes, cuyas circunstancias personales constan en el presente documento, declaran conocer y aceptar las condiciones generales de contratación de EMP02... S.L. (URL: ...) y de manera expresa acuerdan someter todo litigio, discrepancia o reclamación resultante del presente contrato al arbitraje en equidad de “TRIBUNAL PARA LA INDUSTRIA Y CONSTRUCCIÓN (TAIC)”, con domicilio en A ..., en el marco de sus Reglamentos, a la cual se encomenda la administración del arbitraje y la designación del árbitro o tribunal arbitral, obligándose desde ahora al cumplimiento de la decisión arbitral. Los domicilios y medios electrónicos reseñados en este contrato se designan expresamente como medios de notificación a todos los efectos, incluidos los del procedimiento arbitral.
3. A Ré informou a Autora de que as partes estavam obrigadas a recorrer ao tribunal para resolução de todos os litígios resultantes do contrato;
II.. Analisando toda a prova documental junta aos autos, constata-se que o Mmo.
Juiz a quo se baseou, na sentença proferida, num documento – contrato – que se encontra redigido em língua estrangeira (espanhol/ castelhano), sem cuidar de ordenar a sua tradução, mormente, do clausulado geral junto pela Ré, não obstante ter sido requerido pela Autora.
III. Os documentos são meios de prova dos factos alegados pelas partes, motivo pelo qual, a junção de documentos com relevância para a decisão da causa, redigidos em língua estrangeira, deveria motivar o Mmo. Juiz ordenar que o apresentante (a Recorrida) juntasse a sua tradução, como sucedeu com a Autora. Mas no caso, o Tribunal recorrido valorou os documentos juntos pela Ré sem que se mostre junta aos autos a sua tradução.
IV. Em face da prova documental junta aos autos, o Tribunal a quo não poderia dar como provado o cumprimento das obrigações de comunicação, informação e aceitação previstas nos artigos 4º, 5º, 6º e 8º a contrario do RCCG.
V. Atenta a prova documental – a única – junta aos autos, deveria o Tribunal recorrido ter julgado improcedente a invocada exceção de incompetência absoluta do Tribunal.
VI. Não o tendo feito, o Tribunal recorrido decidiu mal, em manifesto e notório erro de apreciação de prova.

B. DO RECURSO:
i. DA APLICABILIDADE DO REGIME DO DECRETO-LEI Nº 466/85, DE 25 DE OUTUBRO:
VII. O Mmo. Juiz a quo, na sentença recorrida, reconheceu que “com grande probabilidade” estamos perante uma cláusula contratual geral.
VIII. No entanto, não decidiu, em concreto, essa questão.
IX. Se o tivesse decidido no sentido propugnado pela Recorrente, a questão da aplicação da convenção de arbitragem já não se colocava.
ii. Do dever de comunicação imposto pelo artigo 5º do RCCG:
X. No elenco dos factos provados não consta o cumprimento, por parte da Ré/ Recorrida, do especial dever de comunicação, que sobre ela impendia, determinante para a validade da cláusula geral que prevê a convenção de arbitragem, sob pena de nulidade (artigo 8º, alínea a) do RCCG).
XI. O dever de comunicação deve ser assegurado, em função da importância, extensão e complexidade da(s) cláusula(s), de forma que se revele razoavelmente adequada a que o aderente tome completo e efectivo conhecimento do seu conteúdo, sem que, para tanto, empenhe mais do que uma comum diligência.
XII. Tal dever não se cumpre com a mera comunicação pelo utilizador ao aderente do teor das ditas cláusulas, mas mais que isso, é necessário que seja de molde a proporcionar à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado para que aquelas se considerem incluídas no contrato singular.
XIII. No que respeita ao regime especial estatuído pelo Decreto-Lei nº 466/85, de 25 de Outubro, a mera aceitação/ assinatura do contrato não é suficiente para que tais cláusulas se considerem incluídas...

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