Acórdão nº 4143/20.6T8MAI.P3 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-03-23

Ano2023
Número Acordão4143/20.6T8MAI.P3
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2023:4143/20.6T8MAI.P3

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
AA, divorciado, residente na Rua ..., ..., ... ..., instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra BB, residente na Rua ..., ... Maia, onde concluiu pedindo seja condenada a Ré:
- a pagar ao A. a quantia de € 10.211,96, devida a título de metade das despesas suportadas por este último com os bens comuns do casal, acrescida dos juros de mora legais, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, ou
- Subsidiariamente, a restituir ao A. a quantia de € 10.211,96 resultante do enriquecimento sem causa, acrescida dos juros de mora legais, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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Citada, a Ré contestou, por excepção (de caso julgado e de caducidade) e por impugnação.
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Por despacho saneador sentença, a Sr.ª Juiz a quo, após ter dispensado a realização da audiência prévia, por via da autoridade do caso julgado absolveu a Ré do pedido.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio o recorrente AA interpor recurso de apelação.
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Por decisão singular deste Tribunal, decidiu-se anular a decisão que dispensou a realização da audiência prévia e o subsequente despacho saneador-sentença, determinando-se que seja proferida decisão a convocar as partes para audiência prévia, nos termos e para os efeitos do artigo 591º do Código de Processo Civil.
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Por despacho saneador sentença, a Sr.ª Juiz a quo, após ter realizado a audiência prévia, por via da autoridade do caso julgado absolveu a Ré do pedido.
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Por decisão singular deste Tribunal, decidiu-se anular a decisão impugnada, devendo o tribunal recorrido proferir nova decisão suprindo a omissão dos factos com relevo jurídico processual, fundamentando-a de facto e aplicando o direito, após realização das diligências tidas por necessárias.
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Por despacho saneador sentença, a Sr.ª Juiz a quo, após ter realizado a audiência prévia, por via da autoridade do caso julgado absolveu, de novo, a Ré do pedido.
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Não se conformando, de novo, com a decisão proferida, o recorrente AA veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I. Por douta Sentença de 02/11/2022 o Insigne Tribunal a quo julgou improcedente a acção apresentada pelo Autor e fê-lo, sem mais, em desrespeito pela Decisão Singular proferida pelo Tribunal da Relação do Porto a 05/07/2022, mantendo-a desprovida de factos concretos relativos ao caso sub judice, julgando, não obstante, “verificada a excepção da autoridade do caso julgado e, em conformidade” absolveu a Ré do pedido, por confronto a alegados factos provados e não provados num dos vários processos de prestação de contas que correu termos entre Recorrente e Recorrida!

II. Isto sem mais fundamentação; sem apontar os concretos pontos da referida acção de prestação de contas que teriam incidido e decidido sobre os diversos valores peticionados nos presentes autos: “taxas de justiça” (sic art.º 8º da p.i.); “honorários” (sic art.º 9º da p.i.); “fornecimento de electricidade” (sic art.º 12º da p.i.); “despesas relacionadas com pedidos de informações, certidões e cópias” (sic art. 13.º da p.i.); “prestação vencida” (sic art.º 14.º da p.i.); e “reparação de uma avaria na caixa de velocidade” (sic art.º 15.º da p.i.).

III. Portanto, o Recorrente não pode conformar-se com o sentido da Decisão aqui em crise atenta a manifesta falta de fundamentação e análise (inexistente), que se crê errada, dos factos carreados e respectiva aplicação do direito.

IV. Pode ler-se na Decisão recorrida o seguinte - praticamente cópia da Decisão anterior já revogada por este Insigne Tribunal:
“1 - O Autor intentou a presente acção requerendo que a Ré seja condenada a pagar a quantia de € 10.211,96.

2 - Como causa de pedir alega o pagamento de despesas por si suportadas com os bens comuns do casal.

3 - Correu termos acção de prestação de contas intentada pelo Autor contra a Ré, por apenso ao processo de inventário nº 1575/06.6TMPRT onde, entre outras verbas, foram apreciadas as verbas das despesas aqui peticionadas.

4 - Na sentença proferida nessa acção, já transitada em julgado, foi proferida decisão que julgou a mesma parcialmente procedente.

5 - Na fundamentação de facto da referida sentença foram dados como provados e não provados factos atinentes à causa de pedir, designadamente os constantes dos pontos 6 a 72 dos factos provados da referida sentença proferida no processo 1575/06.6TMPRT-F que aqui se dão por reproduzidos.”

V. Em relação à afirmação “Na fundamentação de facto da referida sentença foram dados como provados e não provados factos atinentes à causa de pedir, designadamente os constantes dos pontos 6 a 72 dos factos provados da referida sentença proferida no processo 1575/06.6TMPRT-F que aqui se dão por reproduzidos.”, a Douta Sentença é tão obscura e ambígua que nem se consegue perceber o alcance, que resta perguntar: mas qual fundamentação? Quais factos provados? Quais factos não provados? Algum dos pontos 6 a 72? Todos?

VI. Como pode o Recorrente apresentar o conveniente recurso se a Douta Sentença não concretiza, salvo o devido respeito que é muito, não contém os fundamentos que conduziram à formação da convicção do Julgador, bastando-se a remeter para diversos pontos que nenhuma correspondência têm com a presente causa de pedir?

VII. À míngua de melhor entendimento e sublinhando a excelência discursiva, leia-se o categórico Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com o nº de processo 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, datado de 26/02/2019, acessível em www.dgsi.pt,: “I. A fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal. (…)

VIII. Na ponderação da natureza instrumental do processo civil e dos princípios da cooperação e adequação formal, as decisões que, no contexto adjectivo, relevam decisivamente para a decisão justa da questão de mérito, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável, pois só assim ficam salvaguardados os direitos das partes, mormente, em sede de recurso da matéria de facto, quando admissível, habilitando ao cumprimento dos ónus impostos ao recorrente impugnante da matéria de facto, mormente, quanto à concreta indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e os concretos meios de prova, nos termos das als. a) e b) do nº1 do art. 640º do Código de Processo Civil.

IX. Uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode comprometer o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contender com o acesso à Justiça e à tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no art. 20º da Constituição da República.”

X. Ora, veja-se que a Decisão recorrida refere “acção de prestação de contas” e, in casu, houveram duas acções de prestação de contas, que correram por apenso a um processo de inventário e ainda correu termos um processo de partilha adicional, agora remetendo para o apenso F sem qualquer objetividade ou critério!

XI. Ora, analisando o exposto e que em relação ao caso concreto o insigne Tribunal a quo despendeu apenas mais algumas linhas no final do Aresto, verificamos que aquele optou por remeter genericamente, sem qualquer fundamentação ou concretização, para a dita (?) acção de prestação (?) de contas todas as alegadas verbas aqui peticionadas!

XII. Tudo sem especificar nos termos da lei os fundamentos de facto, sem preocupação de analisar cada um dos diversos alicerces geradores da causa de pedir, sendo que, como se verificará, nenhuma das verbas peticionadas foram apreciadas em acção anterior, pelo que só por isso se compreenderá que o insigne Tribunal a quo não tenha especificado o ponto concreto da prestação contas em que as verbas sub iuris foram apreciadas!

XIII. Para o efeito, tal como decidido nas acções anteriores, veja-se que os valores peticionados nestes autos dizem respeito a quantias que o Autor alega ter despendido!

XIV. E as prestações de contas - foram duas e não apenas uma como refere erradamente a Douta Sentença - foram prestadas pela Ré pois era esta que administrava os bens do extinto casal!

XV. Ora, sendo pacífico que na prestação de contas, nos termos do art.º 941.º do Cód. Proc. Civil, “tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra os bens”, in casu, a Ré, as despesas aqui peticionadas suportadas pelo Autor/Recorrente nunca poderiam ser objecto da prestação de contas em questão - tal como ocorreu nos processos anteriores entre A. e Ré, não obstante o Recorrente ainda ter tentado fazê-lo.

XVI. Percorrido cada um dos pontos e do próprio processo 1575/06.6TMORT-F não se vislumbra qualquer correspondência com a causa de pedir e pedidos dos presentes autos.

XVII. Ora, resulta assim inequívoco que a Douta Sentença recorrida está ferida de manifesta omissão de fundamentação, bem como ambiguidade e obscuridade, o que consubstancia nulidade, nos termos dos arts. 607º, nº 4, e 615º, nº 1, als. c) e d) do Código de Processo Civil, que expressamente se invoca e espera ver deferida, por ter manifesta relevância na boa decisão da causa, com as legais consequências, devendo ser revogada e ordenado o prosseguimento dos autos.

XVIII. Até porque, o Tribunal a quo, com a repetição da Sentença anteriormente proferida, violou a Decisão do Tribunal da Relação do Porto, que transitou em julgado e que vincula o Tribunal de 1ª Instância!
Caso ainda assim não se entenda,

XIX.
...

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