Acórdão nº 4136/15.5T8FNC-F.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-02-2024

Data de Julgamento22 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão4136/15.5T8FNC-F.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
Ares Lusitani, STC, S.A., exequente nos autos intentados contra «B» e outros, notificada do despacho proferido em 28/09/2023, que julgou verificada a exceção dilatória de falta de título executivo e indeferiu liminarmente o requerimento executivo de cumulação apresentado em 01/09/2023, e com essa decisão não se conformando, interpôs o presente recurso.

O processo principal é uma ação executiva para pagamento de quantia certa, com forma sumária, intentada por Novo Banco, S.A. (na qualidade de sucessor do Banco Espírito Santo, S.A., que figura como credor nos títulos executivos que servem de base à execução) contra «B» e outros.
Foram dados à execução os seguintes contratos:
i. «Financiamento n.º …86» até ao montante máximo global de €275.000,00 (para fundo de maneio à atividade empresarial) celebrado em 21/12/2012 com «B» e «C», com entrega imediata e única da indicada quantia aos mutuários;
ii. «Financiamento em Regime Multiusos BES Express Bill 2.0 Exclusive n.º …87», nas modalidades de (a) abertura de crédito em conta-corrente e (b) abertura de crédito para emissão de garantias bancárias BES Express Bill, até ao montante máximo global de €50.000,00 (para apoio de tesouraria), também celebrado em 21/12/2012 com «B» e «C», com utilização em regime de conta-corrente;
iii. Em 21/02/2013, o contrato referido em ii. foi alterado para a quantia máxima de €75.000,00, com a designação «Financiamento em Regime Multiusos BES Express Bill 2.0 Exclusive n.º …31», com a mesma utilização em regime de conta-corrente.
No requerimento executivo inicial foi, ainda alegado, que:
- As últimas prestações pagas pelos executados foram as vencidas em 21/12/2013 e 16/09/2014, respetivamente para o primeiro e segundo contratos (mais nenhuma tendo sido paga, apesar das interpelações, pelo que a dívida estaria toda vencida nos termos do artigo 781.º do CC;
- Para garantia dos capitais referidos, respetivos juros e despesas, constituíram os executados mutuários a favor do mutuante hipotecas voluntária sobre sete frações autónomas, imóveis nomeados à penhora, que garantem o bom pagamento dos empréstimos assumidos pelos mutuários até ao montante máximo de €445.250,00, encontrando-se devidamente registadas pelas Ap. 2283 de 2012/12/27;
- Foi estabelecido no Contrato de Financiamento …86 que o capital mutuado venceria juros à taxa correspondente à EURIBOR a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 6.50000 pontos percentuais e de sobretaxa de 3% no caso de mora, alteráveis em função da variação que viessem a sofrer no decurso do contrato;
- A dívida em capital é, à data do requerimento executivo inicial, de €264.231,36, a que acrescem juros vencidos desde a data de entrada em mora, 21/12/2013 e até 15/05/2015, à taxa 9,792% ao ano (6,792%, taxa de juros remuneratórios praticada de acordo com o critério fixado no título executivo + 3%, sobretaxa de mora), o que perfaz €291.362,87.
- Foi estabelecido no Contrato de Financiamento n.º …87 que o capital mutuado venceria juros à taxa correspondente à EURIBOR a 1 mês, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 7.50000 pontos percentuais e de sobretaxa de 3% no caso de mora, alteráveis em função da variação que viessem a sofrer no decurso do contrato;
- A dívida em capital é, à data do requerimento executivo inicial, de €74.953,02, a que acrescem juros vencidos desde a data de entrada em mora, 16/09/2014 e até 15/05/2015, à taxa de 10,506% ao ano (7,506%, taxa de juros remuneratórios praticada de acordo com o critério fixado no título executivo + 3% sobretaxa de mora), o que perfaz € 78.869,95.

Primeiros embargos (Apenso A)
Os executados embargaram e, em 03/04/2019, no apenso A, os embargos de executado foram julgados parcialmente procedentes, reduzindo-se a quantia exequenda de modo a deixar de abranger os montantes respeitantes ao contrato de €75.000,00.
Ou seja, os embargos foram improcedentes no que respeita ao contrato de financiamento n.º …86, cujo montante máximo global era de € 275.000,00, tendo a execução prosseguido quanto ao mesmo.
Excluído ficou o Financiamento em Regime Multiusos BES Express Bill 2.0 Exclusive n.º …31 (que tinha alterado o Financiamento em Regime Multiusos BES Express Bill 2.0 Exclusive n.º …87), até ao montante máximo global de €75.000,00 (para apoio de tesouraria), com utilização em regime de conta-corrente.
O fundamento da exclusão do referido contrato foi a não junção, em tempo oportuno, dos extratos bancários que documentavam a disponibilização das verbas pelo mutuante aos mutuários:
«Ora o exequente apresentou como título executivo apenas e tão-só o contrato e escritura de hipoteca.
Isto é, no que concerne ao capital exequendo de €75.000,00, os documentos juntos pelo exequente apenas atestam que as obrigações assumidas no mesmo se encontram garantidas por hipotecas, sem que daí resulte que a quantia exequenda foi, efetivamente, disponibilizada e usada pelos mutuários.
Só agora, nos presentes embargos de executado, enxerto declarativo do processo executivo, com a dedução da contestação, o exequente juntou extratos bancários dos quais resulta os montantes que disponibilizou aos mutuários.
Não poderá, assim, considerar-se colmatada a falta de título executivo com a junção desses extratos bancários em requerimento apresentado em virtude de ter sido deduzida oposição à execução mediante embargos de executado.
Até, pelo menos, à citação dos executados o exequente tem de juntar aos autos de execução o título executivo. Este é um dos pressupostos da mesma, sem o qual a execução não poderá prosseguir.
Nos termos do disposto no artigo 812.º-E, n.ºs 3 e 4, do referido Código de Processo Civil na redação anterior a 2013, se não for imediatamente oferecida e efetuada a prova complementar do título, o juiz deve proferir despacho de aperfeiçoamento e, só no caso do exequente não aperfeiçoar o requerimento executivo, é que se procede a indeferimento liminar.
Sucede que se entende que tal aperfeiçoamento só pode acontecer na fase introdutória pois que o título executivo é condição/pressuposto necessário da ação executiva».
Da sentença de 03/04/2019 houve recurso para o TRL, que a confirmou, por acórdão de 24/05/2022, da 7.ª Secção.

Execução cumulada e segundos embargos (Apenso E)
Na sequência, e porque a exceção de falta de título executivo apenas implica a absolvição da instância, em 04/12/2020, o exequente intentou nova execução, a cumular com a execução inicial (cf. artigo 711.º do CPC), tendo oferecido os extratos bancários em complemento dos documentos iniciais que titulavam o contrato de financiamento em conta-corrente.

Novamente deduzidos embargos, em 10/05/2023, foi proferido saneador-sentença (apenso E), que julgou verificar-se a exceção dilatória de falta de título, com a consequente extinção da execução cumulada deduzida em 04/12/2020. O principal argumento foi o de que a exequibilidade dos documentos particulares mencionados na alínea c) do artigo 46.º do velho Código de Processo Civil têm de ser fonte de um direito de crédito de modo a neles se poder reconhecer a existência de uma obrigação anteriormente constituída, e não prestações futuras. Para estas seria necessária prova complementar que, nos termos consignados no artigo 50.º do mesmo Código de Processo Civil, apenas seria possível para documentos exarados ou autenticados por notário.
Não obstante, continuou nos seguintes termos:
«Mas ainda que assim não se entendesse, sempre seria de considerar que os extratos juntos não comprovam a entrega efetiva de quantias pecuniárias, desde logo porque as partes acordaram que a utilização do crédito seria efetuada “mediante pedidos do Cliente até ao Montante Máximo Global sob duas modalidades: a) Utilização mediante pedidos escritos do cliente e prévia autorização do BES; e b) Pedidos de utilização eletrónicos efetuados ao abrigo do Serviço BES Express Bill sujeitos à condição suspensiva de a conta D/O não ter saldo suficiente na Data de Vencimento das Ordens de Pagamento”.
Tendo as partes acordado que a entrega e utilização do crédito seria titulada por documentos (pedidos escritos/pedidos eletrónicos) subscritos pelos devedores, sempre seria de concluir – caso não se adotasse a tese de que a prova complementar está vedada no caso de documentos particulares – que seriam estes os documentos de suporte a juntar.
Isto mesmo decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 25/03/2021, acessível em www.dgsi.pt. Embora não subscreva a tese que aqui propugnamos em relação à interpretação do artigo 50.º do VCPC (707.º do CPC), este aresto defende o seguinte: «O contrato de abertura de crédito em conta corrente dos autos prevê expressamente a forma do pedido de utilização do crédito: mediante ordens de transferência ou de pagamento dadas sob a forma escrita à instituição bancária, as quais têm de ser subscritas pela parte devedora ou por quem a represente; daqui resulta que seriam estes os documentos de suporte a juntar para que o documento particular em causa formasse um título executivo perfeito, o que no caso não se verificou.»
Ora, não foram juntos os pedidos escritos do cliente nem as respetivas autorizações, pelo que, neste caso concreto, também nunca seria possível considerar que os extratos bancários – nos quais os embargantes não tiveram nenhuma intervenção e que, de resto, nem permitem associar as entradas/saídas de dinheiro à operação concretamente aqui em causa – constituíssem meio idóneo para provar a entrega do dinheiro.
A falta de título executivo consubstancia exceção dilatória de conhecimento oficioso e implica a absolvição da instância, ficando consequentemente prejudicado o conhecimento das restantes questões invocadas pelas partes. A falta de título executivo fere a execução na sua génese, pelo que as demais
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