Acórdão nº 4106/11.2TCLRS-B.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-01-13

Ano2022
Número Acordão4106/11.2TCLRS-B.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa



I.Relatório


J. A. S., residente em ….., tutor do seu filho J.M.S.S, veio requerer, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 1014º, do Código de Processo Civil, autorização judicial para aceitar herança e testar, invocando, para tanto, o disposto nos arts. 145º, 147º, nº 2 e art. 2189º, al. b), do Código Civil, e 26º, nºs 4, e 5, da Lei nº 49/2018 de 14/08.

Alega, em síntese:
- O requerente foi casado no regime de comunhão de adquiridos com Paulina….., falecida no dia ….., que deixou como seus únicos herdeiros, para além do primeiro, o filho de ambos, J.M.S.S.;
- J.M.S.S. sofre de paralisia cerebral espástica desde o nascimento, com incapacidade motora e atraso cognitivo severo, tendo uma incapacidade permanente global de 100%, estando totalmente dependente de terceiros;
- Não tem capacidade para o exercício direto de quaisquer direitos pessoais, tendo sido declarado interdito a 21 de março de 2013, fixando a sentença como início da sua incapacidade, o dia 17 de janeiro de 1988, data do seu nascimento, tendo então sido nomeado como seu tutor o seu pai e ora requerente;
- J.M.S.S. reside habitualmente em instituição onde lhe são prestados todos os cuidados de que necessita, mediante o pagamento da quantia mensal de € 651,23;
- Por morte da sua mãe, é herdeiro, conjuntamente com o seu pai e tutor, do património por ela deixado, composto por prédios;
- Deve o tutor (ora acompanhante) ser autorizado a praticar todos os atos reportados à herança, nomeadamente aceitá-la, registar na Conservatória do Registo Predial os imóveis em nome do acompanhado, assinar a escritura de partilha, e tudo o mais que se mostre necessário ao requerido fim;
- O requerente sente necessidade de deixar assegurado o futuro do filho, através de pessoas de confiança, pretendendo, por isso, deixar o seu património a quem sabe que vai tratar dele com dedicação;
- Para o efeito, pretende deixar testamento a favor dos sobrinhos M.T.S. (vogal do conselho de família) e V.M.S.L., da parte que lhe cabe do património deixado por sua mulher e que detém com o acompanhado em comum e sem determinação de parte ou direito, uma vez que a partilha não se mostra celebrada;
- O acompanhante pretende ver a sua vontade satisfeita, mas só pode testar no âmbito da quota disponível, uma vez que o acompanhado é seu herdeiro e não o pode deserdar (art. 2166º, nº 1, do Código Civil, a contrario);
- O acompanhado nunca casou e não teve filhos e nunca poderá gozar de tais direitos por falta de capacidade natural para o efeito;
- Da mesma forma que o acompanhante pretende celebrar um testamento, legando os seus bens aos dois sobrinhos, uma vez que estes são as pessoas de sua confiança, que vão amparar e tratar do acompanhado após a sua morte, faria todo o sentido que o acompanhado, seu herdeiro, detendo também parte do património por via da herança da mãe, na impossibilidade de exercer o seu direito, nos termos do artigo 147º do Código Civil, nomeadamente o direito pessoal a testar, deixasse em testamento aos mesmos legatários o seu património, impondo-se, por isso, que seja o seu tutor autorizado ao exercício desse direito em representação do seu filho;
- A legislação à época em que foi declarada a interdição estipulava que o interdito por anomalia psíquica era incapaz de testar (art. 2189º, al. b) do Código Civil na versão anterior à Lei nº 49/2018, de 14/08);
- Neste momento, os maiores acompanhados podem testar, exceto nos casos em que a sentença de acompanhamento assim o determine, assistindo assim ao requerente, acompanhante, o direito a pedir a autorização para a prática de direitos pessoais (art. 26º, nº 5, da Lei nº 49/2018), designadamente, autorização para a prática de testamento, em representação do maior acompanhado.
Termina, deste modo, pedindo que a ação seja considerada procedente por provada e que em consequência:
a)-Seja o acompanhante autorizado a aceitar em nome do acompanhado o seu quinhão na herança aberta por óbito de Paulina….., sua mãe, da qual fazem parte os imóveis identificados na petição, podendo assinar tudo o que se mostre necessário para o efeito;
b)-Seja o acompanhante autorizado a testar e a outorgar o testamento em nome do filho, maior acompanhado, aos mesmos legatários a quem vai deixar a sua quota disponível e com as seguintes condições:
- Que o testamento só terá efeito caso o testador faleça depois do seu progenitor;
- Que verificando-se tal situação, ainda assim ficaria dependente do facto dos legatários cuidarem do testador, prestando-lhe assistência médica e medicamentosa e alimentos, mantendo-o na instituição onde ora se encontra, tendo caráter resolutivo caso tais cuidados não lhe sejam prestados até à sua morte.

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Foram citados o Ministério Público, e o parente mais próximo do acompanhado, em cumprimento do disposto no art. 1041º, nº 2, do Código de Processo Civil, não tendo sido apresentada contestação.
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Realizada reunião do Conselho de Família em 21 de junho de 2021, foi dito, pelos vogais, que não se opunham ao requerido, porquanto a aceitação da herança e subsequente testamento eram do interesse do acompanhado, após o que o Ministério Público declarou concordar com a autorização judicial solicitada, tendo-se consignado que era esta a deliberação do conselho de família (cf. Ata de diligência – referência 48958092).

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Perante tal deliberação, e por se ter considerada desnecessária a produção de outras diligências probatórias, foi proferida a seguinte decisão:
Atento o exposto,
(i)- Concede-se autorização ao Acompanhante J..M…DOS S…S…, para, em representação de J… M…DOS S… S… praticar todos os actos necessários à aceitação da herança aberta por óbito de Paulina….., falecida em 06.12.2012;
(ii)- Não se autoriza, por inadmissibilidade legal, o pedido do Acompanhante J… M… DOS S… S…, para, em representação de J… M… DOS S… S… outorgar testamento ou disposição de última vontade.

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Custas a cargo do Acompanhado.
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Valor: € 30.000,01 (cfr. arts. 303.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC.).
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Registe e notifique.”
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Não se conformando com a decisão na parte que indeferiu o pedido de autorização para outorgar testamento em representação do filho, maior acompanhado, veio o requerente interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
a)-O Recorrente requereu autorização judicial para ser admitida a aceitação da herança na qualidade de Acompanhante de J… M… dos S… S…, praticando todos os atos necessários à aceitação da herança aberta por óbito de Paulina ….. e requereu ainda para, na qualidade de Acompanhante de J… M… dos S… S…, por este outorgar testamento ou disposição de última vontade, em benefício dos seus primos.
b)-Apenas a prática de todos os atos necessários à aceitação da herança foi admitida pelo Tribunal “a quo”.
c)-O atual regime criou significativas alterações ao regime anterior e o sucesso na prática deste novo modelo depende, em grande medida, dos tribunais, pela responsabilidade acrescida que o novo regime lhes atribui, quer na definição, quer na revisão das medidas adequadas a cada grau de deficiência.
d)-Entre as ações que o Acompanhado pode realizar, mesmo que com autorização
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