Acórdão nº 4097/22.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-02-15

Ano2024
Número Acordão4097/22.4T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Maria da Conceição Correia da Cruz Bucho
2ª Adjunta: Fernanda Proença Fernandes

Processo 4097/22.4T8GMR.G1
Juízo Local Cível ... – Juiz ... – Comarca ...

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado tendo por base o da sentença da 1.ª instância):

AA e BB intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, pedindo a condenação dos réus a:

a) reconhecer que os autores são os legítimos proprietários do caminho;
b) reconhecer que a esse caminho corresponde a área de 283 m2;
c) restituírem aos autores, completamente livre e devoluto, esse caminho;
d) absterem-se de praticar atos que lesem o direito de propriedade dos autores sobre o referido caminho;
e) pagar aos autores uma indemnização por danos não patrimoniais, em valor não inferior a € 5.000,00.

Para tanto alegam, em síntese, que as partes são proprietárias de uns prédios que fizeram parte de uma Quinta partilhada em 2017, tendo na altura os herdeiros decidido que o caminho que se encontrava entre os prédios permaneceria como caminho que serviria os dois, para acesso a ambos os prédios, como já acontecia na altura dos avós e pais dos herdeiros.
O prédio foi comprado pelos réus em 2021, sabendo previamente dos termos da utilização do caminho, no entanto, foi alterado o registo e inscrição matricial, incorporando o trato de caminho na área do seu prédio e depois colocaram pedras num portão de acesso existente para o prédio dos autores e erigiram um muro, impedindo o acesso ao caminho e a todos os campos do prédio dos autores com maquinaria, tratores e camiões.
Foram citados os réus, excecionando a ineptidão da petição inicial e a inexistência de factos demonstrativos da aquisição do caminho, nomeadamente por usucapião.
Impugnam a existência de um acordo vinculativo, e a evidência de utilização do caminho, tendo, por generosidade cedido uma parte junto à entrada, que permite o acesso aos campos.
Concluem pela improcedência da ação e pela condenação dos autores como litigantes de má fé.
Os autores responderam concluindo pela improcedência das exceções.
Notificados para esclarecerem em que circunstâncias é que o caminho foi por eles adquirido (sic, nos termos do despacho de 06/10/2022), os autores alegaram que usam o caminho como os anteriores proprietários, cabendo agora a propriedade aos artigos 63 e atual ...51 (antiga ...1) e que o mesmo mede cerca de 75 metros de comprimento e ...24 de largura, juntando foto aérea.
Atendendo à factualidade alegada, e a impulso do Tribunal, os autores ampliaram o pedido, com inclusão de pedido subsidiário de constituição de servidão (identificando-a primeiro como sendo “legal” e eliminando de seguida tal menção, novamente após interpelação do Tribunal).

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença nos seguintes termos:
face ao exposto, julgo a presente parcialmente procedente, e, em consequência, reconheço o direito de compropriedade dos Autores AA e BB sobre a parcela de terreno com uma área de 226,80 m2 (cerca de 3x75 metros de comprimento, nos termos dos levantamentos juntos) que configurava o caminho de acesso à Rua ... a poente do seu prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...01 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...3/....
Condeno os Réus CC e DD a reconhecerem tal direito e à restituição do caminho ao estado em que se encontrava, retirando os obstáculos existentes, muro e pedras, e a absterem-se de impedir o seu acesso e passagem pelos Autores.
Condeno ainda os Réus a indemnizarem os Autores pelos danos sofridos na quantia de € 3.500 (três mil e quinhentos euros), acrescida dos juros legais, contados da citação e até efetivo e integral pagamento.
Custas pelos Réus, que deram causa à ação (artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil)”.
**
Inconformados, vieram os réus apresentar recurso de apelação, concluindo:

1ª- Vem o presente recurso interposto da Sentença de fls… dos autos que julgando parcialmente procedente a ação, condenou os Réus a reconhecerem o direito de compropriedade dos Autores sobre a parcela de terreno com área de 226,80 m2 (cerca de 3x75 metros de comprimento, nos termos dos levantamentos juntos), que configura o caminho de acesso à Rua ... a poente dos seu prédio rústico e à restituição do caminho ao estado em que se encontrava, retirando os obstáculos existentes, muro e pedras, e a absterem-se de impedir o seu acesso e passagem pelos Autores. Mais condena o Tribunal a quo os Réus a indemnizarem os Autores pelos danos sofridos na quantia de € 3.500,00, acrescida de juros legais, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, bem como no pagamento de custas judiciais, por terem dado causa à ação, porquanto, com esta não se conformam os Recorrentes, por padecer de erro quer quanto à matéria de facto dada como provada, quer quanto à aplicação do Direito.
2ª- Sucintamente, a Sentença recorrida fundamentou a decisão da seguinte forma: “O caminho foi autonomizado pelos herdeiros, para continuar a servir os três prédios, sendo claramente excluído dos prédios desanexados, de acordo com levantamento topográfico realizado antes das partilhas. Tanto assim que os Autores atualizaram a descrição para ter como limite o caminho e o prédio dos Réus foi vendido sem o mesmo; já o terceiro prédio – prédio mãe- que poderia ter ficado com o restante terreno, foi vendido e deixou de ter ligação ao caminho. A situação consolidou-se assim, na posse dos referidos herdeiros como direito único da herança, pelo menos desde 1997 e depois nos herdeiros e adquirentes dos prédios de Autores e Réus e respetivos ante possuidores, que vêm exercendo atos materiais sobre a referida parcela, como verdadeiros comproprietários, de forma pública e pacífica.”
3ª- Sucede, porém, como se demonstrará, que tal decisão merece censura face à matéria de facto dada como provada, bem como, à aplicação do Direito.
Vejamos, 4ª- São várias as críticas que os Recorrentes apontam à sentença prolatada, mormente no que concerne à matéria de facto assente que, sob a perspetiva dos Réus, ora Recorrentes, extravasou o âmbito da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, sendo certo que dos elementos de prova existentes (documentais e testemunhais) não podiam ter sido retiradas todas as conclusões a que chegou o Tribunal recorrido. Antes pelo contrário, outras se impunham, como se passará a expor.
5ª- A factualidade dada como provada nos pontos 4, 5, 6, 7, 14, 22 e 23 da sentença, ora em crise, não encontra suporte na prova produzida em audiência de discussão e julgamento, nem nos documentos juntos aos autos.
Vejamos: 6ª- Resulta como provado no Ponto 4: O acesso aos campos da quinta, instalações agrícolas, casa dos caseiros e feitor, num comprimento de cerca de 75 metros, sempre foi feito por um caminho de terra batida desde a Rua ..., no sentido sul-norte e com cerca de 3 metros de largura, por entre os prédios supra identificados.
7ª- Tal como resulta dos Doc. ... e ..., juntos aos autos pelos Autores, aqui Recorridos, o prédio rústico dos Aurores e o prédio urbano dos Réus, foram desanexados da descrição nº ...31, em 2013-05-209, dando origem respetivamente às descrições ...01 e ...01. Até essa data, ambos os prédios e o caminho eram parte integrante do nº 631 (Quinta), tal como resulta do ponto 3 dado como provado pelo Tribunal a quo, pelo que, não passava o caminho por entre os prédios supra identificados, simplesmente porque estes não existiam até 2013. Foram desanexados em 2013 e registada a favor da herança em 2015.
8ª- Assim sendo, com o devido respeito por opinião diversa, não pode o Tribunal a quo, dar como provado que o acesso sempre foi feito por um caminho, com comprimento de 75 metros e largura de 3 metros, por entre os prédios dos Autores e Réus.
9ª- O Tribunal a quo, define o acesso aos campos da quinta, instalações agrícolas, casa dos caseiros e feitor, numa clara referência ao tempo em que todos os terrenos faziam parte da descrição predial única nº 631 e depois termina fazendo referência aos prédios dos Autores e Réus, que só existem, por desanexação da descrição nº ...31 em 2013.
10ª- Pelo exposto, deve o ponto 4 dos factos provados ser revogado e substituído por outro onde se dê como provado que: Ponto 4: O acesso aos campos da quinta, instalações agrícolas, casa dos caseiros e feitor, num comprimento de cerca de 75 metros, sempre foi feito por um caminho de terra batida desde a Rua ..., no sentido sul-norte e com cerca de 3 metros de largura.
11ª- Resulta como provado no Ponto 5: Os herdeiros, na sequência de avaliação efetuada em 2001, desanexaram os dois referidos prédios de descrição ...29 e averbaram o registo em seu nome, em comum e sem determinação de parte, ficando o prédio referido em 2) com a seguinte descrição – casa de dois pisos e logradouro, com área coberta de 110 m2 e descoberta de 3046 m2.
12ª- Tribunal a quo, dá como provado que a desanexação dos prédios ocorrida em 2013, foi feita pelos herdeiros, na sequência da avaliação efetuada em 2001. Não compreendem os recorrentes, qual o raciocínio lógico-dedutivo que permitiu ao Tribunal a quo chegar a tal conclusão.
13º- A única herdeira que prestou depoimento foi a Autora mulher, nas declarações de parte que se transcreveram na íntegra: (gravação áudio 10:30:59 AA).
14ª-Do depoimento de parte da Autora mulher, nada é dito/provado, quanto ao que esteve na base na desanexação dos prédios feita em 2013. Sendo que, tal facto é de conhecimento pessoal, pois só os herdeiros podem testemunhar o que esteve na base da desanexação de prédios efetuada em 2013, mais concretamente, se esta foi feita na sequência da avaliação feita em 2001 ou não, nada foi dito quanto a este facto, pelo que, não pode ser dado como...

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