Acórdão nº 4066/22.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-06-07

Data de Julgamento07 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão4066/22.4T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

I – Relatório

Recorrente(s): AA;

- Recorrido/a(s): BB.
*
A Recorrente propôs a presente acção declarativa, sob a forma comum, contra BB, pedindo a condenação do Réu a:

1) Ver declarado prescrito o direito à liquidação da indemnização atribuída por sentença referente ao processo nº...99; em alternativa
2) Ver considerado ilegítimo o direito à liquidação da indemnização referida no ponto anterior;
3) Ver reconhecido o direito de a Autora cancelar a hipoteca judicial que se encontra a onerar o seu prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...13 da freguesia ..., concelho ....

Alegou, em síntese, que, juntamente com o seu marido, CC, foi condenada, por sentença de 20 de Outubro de 2001, proferida na acção que correu termos pelo ... Juízo Cível do extinto Tribunal Judicial da Comarca ..., a pagar ao Réu uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pela violação do direito de propriedade deste sobre um imóvel.
Na sequência, para garantia de cumprimento, o Réu fez registar hipoteca judicial sobre o prédio urbano descrito na CRP ... sob o n.º ...21.
De então para cá, o Réu não requereu a liquidação dessa indemnização e afirmou mesmo, perante a Autora, que prescindia dela.
Assim sendo, tendo decorrido já vinte anos, prescreveu o direito de crédito do Réu.
Em qualquer caso, deve entender-se que a exigência de tal crédito, depois de o Réu se ter mantido inactivo durante um largo período de tempo, afirmando mesmo não pretender exercer o seu direito, constituiria um abuso do direito, na modalidade da supressio.
A consequência, em qualquer uma das alternativas, deve ser o levantamento da hipoteca judicial que onera a casa de morada da família da Autora.
Na contestação, o Réu disse, para além do mais, que a Autora foi condenada juntamente com o seu marido, CC, sendo, assim, este também devedor. A hipoteca cuja extinção é pedida recai sobre a casa de morada da família do casal, pelo que o marido da Autora deveria figurar também do lado activo da acção, em litisconsórcio necessário com ela.
A Autora respondeu dizendo que o que se pretende é a desoneração da casa de morada de família de uma hipoteca, pelo que, “não só não há possibilidade de perda ou oneração de bens, como, a ser procedente o presente processo [rectius, acção], não se coloca em causa que a decisão tenha efeito útil.”
Por despacho de 15 de Dezembro de 2022, a Autora foi convidada a demonstrar o consentimento do seu cônjuge para a propositura da acção ou, em alternativa, requerer a sua supressão judicial.
Na sequência veio apresentar requerimento em que, mantendo a posição na resposta que apresentou, pediu que o referido despacho seja dado sem efeito.

Após, foi proferido despacho que conheceu da arguida excepção de ilegitimidade activa, julgou verificada essa excepção por violação de litisconsórcio necessário e absolveu o Réu da instância, com custas a cargo da Autora.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs a Autora o presente recurso de apelação, em cujas alegações formula as seguintes
conclusões:

1) A A. propôs uma acção declarativa, sob a forma comum, pedindo a condenação do R. a:
a) Ver declarado prescrito o direito à liquidação da indemnização atribuída por sentença referente ao processo nº...99, em alternativa;
b) Ver considerado ilegítimo o direito à liquidação da indemnização referida no ponto anterior;
c) Ver reconhecido o direito da A. cancelar a hipoteca judicial que se encontra a onerar o seu prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº...13 da freguesia ..., concelho ....
2) O juiz a quo proferiu o despacho ora recorrido no sentido de julgar verificada a excepção dilatória da ilegitimidade activa por falta de consentimento ou prova da supressão do consentimento do cônjuge da A.;
3) O pedido principal da A. – declarar prescrição do direito à indemnização -, a ser deferido, traz-lhe efectivamente um benefício directo.
4) Mas ainda que assim não fosse, o valor a indemnizar sempre afectaria directamente a A., caso houvesse lugar ao pagamento da indemnização.
5) A preterição do litisconsórcio necessário tem origem na lei, no negócio jurídico ou da própria natureza da relação controvertida.
6) Entendeu o juiz a quo, quanto a nós indevidamente, porque não há disposição legal que sustente tal posição, que a questão se situava no âmbito do artigo 34º, nº1 do C.P.C. e do 1682º-A do Código Civil.
7) No entendimento da recorrente a sustentação do tribunal a quo não tem cabimento nas normas insertas nos artigos 34º, nº do C.P.C., e 1882º-A do Código Civil;
8) O espírito do legislador, nas disposições referidas, foi de conferir protecção à casa de morada de família;
9) Nenhuma disposição legal impõe a intervenção de ambos os cônjuges em acção para declarar prescrito o direito à indemnização atribuída por sentença;
10) As disposições legais sustentadas pelo tribunal a quo – arts. 34º, nº1 do C.P.C. e 1682º-A do C.Civ., na sua interpretação que há litisconsórcio necessário entre cônjuges para intentar acção para declarar prescrito o direito à indemnização por parte do R., desonerando, dessa forma, a casa de morada de família de uma hipoteca judicial, é inconstitucional, e como tal deve ser declarada.
11) Inconstitucionalidade essa por violação dos princípios da legalidade, da segurança e da protecção da confiança, insertos no artigo 2º da C.R.P.;
12) Não há na acção intentada pela A. qualquer alienação ou oneração de qualquer bem ou direito que implique a necessidade de litisconsórcio.
13) Aliás, e como sempre defendido e agora reiterado, o que está em causa é a desoneração da casa de morada de família do casal;
14) Violaram-se, desta forma, entre outras, as seguintes normas jurídicas: os artigos 34º, nº1 do Código de Processo Civil.; artigo 1682º-A do Código Civil.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido, e ordenando o prosseguimento dos autos, …

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso e questões prévias a apreciar:

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[i] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[ii] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[iii]

As questões enunciadas pela recorrente podem ser sintetizadas da seguinte forma:

· O pedido principal da A. – declarar prescrição do direito à indemnização -, a ser deferido, traz-lhe efectivamente um benefício directo?
· A sustentação do tribunal a quo não tem cabimento nas normas insertas nos artigos 34º, nº do C.P.C., e 1882º-A do Código Civil?
· As disposições dos arts. 34º, nº1 do C.P.C. e 1682º-A do C. Civ., na interpretação do Tribunal a quo, são inconstitucionais?

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos

1. Factos (cf. art. 662º, do Código de Processo Civil)

São os que emergem do processo, nomeadamente do...

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