Acórdão nº 4010/21.6T8VNF-F.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-05-11

Data de Julgamento11 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão4010/21.6T8VNF-F.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte

ACÓRDÃO

I. Relatório:

No incidente de exoneração de passivo restante de AA e BB:
1. A 31.03.2022 foi proferido despacho de exoneração do passivo restante (no qual se fixou o rendimento a ceder ao fiduciário pelos insolventes).
2. A 19.04.2022 foi interposto recurso de apelação do despacho de I-1 supra.
3. A 25.05.2022 foi proferido o seguinte despacho em relação ao recurso de I-2 supra:
«Req de 19-4-2022: Notifique os insolventes para indicarem o valor do recurso interposto uma vez que o artigo 12º, nº2 do Regulamento das Custas Processuais dispõe que “nos recursos o valor é o sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção”».
4. A 09.06.2022 os insolventes declararam:
«notificados do despacho através da ref. ...17, para esse pronunciar sobre o valor do recurso apresentado em 19.04.2022, vem informar que deverá ser aplicado o disposto no art. 15º do CIRE – “Para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do activo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real.”.
No caso em apreço ainda não houve correção do valor, o que deverá acontecer e se requer, devendo o administrador ser notificado para indicar o valor do ativo dos devedores.».
5. Depois do despacho a pedir ao administrador a indicação do valor do ativo e do administrador o indicar, a 22.09.2022 foi proferido o seguinte despacho:
«Fixo o valor à causa e ao recurso em € 2.090,62, atenta a informação do AI que antecede.».
6. O despacho referido em I-5 foi notificado aos interessados, nomeadamente aos insolventes, por ato de 23.09.2022, e não sofreu qualquer impugnação.
7. Admitido o recurso no Tribunal de 1ª instância, este subiu a esta Relação.
8. Neste Tribunal da Relação, por despacho de 22.12.2022, foram convidadas as partes a cumprirem o contraditório sobre a rejeição do recurso, uma vez que o valor fixado à ação e ao recurso, por decisão transitada em julgado, é inferior quer ao valor da alçada do Tribunal da 1ª instância (€ 5 000, 00), quer ao valor da sucumbência de que depende a recorribilidade da decisão recorrida (€ 2 500, 00).
9. Os insolventes exerceram o contraditório, defendendo a recorribilidade do despacho, nos seguintes termos:
«1.
No âmbito dos presentes autos, foi apresentado recurso da decisão relativa à exoneração do passivo restante, no que respeita ao valor do rendimento disponível.
2.
Sucede que, a primeira instância veio admitir o recurso, considerando-o apresentado em tempo, e por quem tem legitimidade para o efeito.
3.
Levanta-se agora a questão do valor do recurso apresentado, por referência ao valor da ação e ao disposto nos arts. 15º do CIRE e 629º, nº 1 do CPC.
4.
Ora, de acordo com o estipulado no art. 15º do CIRE “Para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do activo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real.”.
5.
Ou seja, o valor do recurso não poderá ser outro que não o valor da causa, que por sua vez corresponde ao valor do ativo dos Insolventes.
6.
Tal critério é transversal e utilizado para todo e qualquer recurso apresentado no âmbito do processo de insolvência, o que pode gerar uma manifesta inadequação do critério utilizado para o efeito, como sucede in casu.
7.
No caso vertente, o recurso apresentado refere-se a uma questão do processo de insolvência, ao qual não poderá ser atribuído um valor de ação diferente do valor atribuído ao processo principal, motivo pelo qual a análise da recorribilidade das decisões proferidas terá de ir mais além da literalidade da norma, e aplicando princípios gerais, sob pena de violação de inúmeros princípios.
8.
Por exemplo, terá de se analisar a adequação da aplicação da regra geral ao caso concreto.
9.
Aliás, no que respeita à matéria da exoneração do passivo restante já foi proferido acórdão pelo Tribunal Constitucional sobre a recorribilidade das decisões, onde se decidiu que “(…) o fator para determinação do valor do incidente de exoneração do passivo restante, na sua relação com a alçada do Tribunal de 1.ª instância e a consequente recorribilidade das decisões nele proferidas, não pode deixar de considerar-se critério arbitrário ou ostensivamente inadmissível, por tratar desigualmente sujeitos em posição idêntica naquilo que pode justificar o acesso ao Tribunal superior. Embora do artigo 20.º da CRP não decorra o direito a um 2.º grau de jurisdição em processo civil e não seja constitucionalmente proibida a adoção do valor da causa como critério de determinação da admissibilidade do recurso, é contrário à proibição de arbítrio um critério de determinação do valor para efeitos de relação da causa com a alçada do Tribunal que conduza a que sujeitos afetados com a mesma intensidade por decisões judiciais sejam colocados em posição diversa quanto à admissibilidade de impugnação da respetiva decisão desfavorável. É certo que, no âmbito de cada processo de insolvência, os sujeitos são todos tratados por igual e a todos eles é vedado ou permitido em igualdade de condições interpor recurso em função da alçada. Mas a violação da igualdade que está em causa não atinge a dimensão de igualdade que integra o princípio do «processo equitativo» (a igualdade «interna» de poderes dos concretos sujeitos processuais), mas o tratamento desigual de pessoas em identidade substancial quanto à mesma pretensão de tutela jurisdicional. Tratamento desigual esse que resulta da consideração decisiva de um fator (o valor em função do ativo) sem relação material com a pretensão discutida e, por isso, imprestável para suportar a distinção entre devedores insolventes no acesso ao 2.º grau de jurisdição de decisões desfavoráveis quanto à exoneração do passivo restante. Consequentemente, procede a imputação de violação do princípio da igualdade à solução normativa que constitui objeto do recurso, ficando prejudicado o confronto com os demais parâmetros invocados, designadamente com os instrumentos de direito internacional” (negritos nossos).
10.
Ora, consubstanciaria uma violação do direito de defesa e de igualdade dos insolventes não poderem apresentar recursos sobre a matéria decidida no âmbito desta matéria, tendo por referência o art. 15º do CIRE.
11.
Tal decisão assenta no facto de existir uma manifesta inadequação, por violação do direito ao recurso de decisões judiciais que afetam direitos, liberdades e garantias, decorrente do princípio de acesso aos Tribunais, consagrado no art. 20º, nº 1 da CRP (Constituição da República Portuguesa) e do princípio da igualdade, previsto no art. 13º da CRP.
12.
Ou seja, não se poderá promover a aplicação do art. 15º do CIRE, conjugado com o art. 629º, nº 1 do CPC no sentido de se considerarem irrecorríveis as decisões promovidas no âmbito da concessão de exoneração de passivo restante e fixação de rendimento disponível, por violação dos princípios...

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