Acórdão nº 400/22.5GBPSR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-07-12

Ano2023
Número Acordão400/22.5GBPSR-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. No Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo de Competência Genérica de … - Juiz …, NUIPC 400/22.5GBPSR, foi proferido despacho, aos 28/04/2023, que determinou continuasse o arguido AA a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a internamento preventivo em hospital psiquiátrico, ao abrigo do estabelecido nos artigos 191º, 193º, 204º, nº 1, alínea c), 202º, nºs 1 e 2, 212º e 213º, do CPP.

2. Inconformado com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso o arguido, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição):

1. Está em causa, não obstante a inimputabilidade do arguido, 1 (um) crime de violência doméstica, p. e.g. pelo artigo 152.º n.º 1, al. d) e n.º 2 al a), e n.ºs 4 e 5 do Código Penal, tendo o tribunal mantido, pela terceira vez, a medida de coação de internamento preventivo em Estabelecimento Prisional;

2. Sempre de forma modesta entendemos que a medida imposta ao arguido é absolutamente desproporcionada, devendo ser revogada e substituída por outra que permita ao arguido regressar ao seu domicilio ainda que sujeito a obrigações suplementares e, para o efeito, teremos que analisar os factos e aplicar o direito à luz de 4 questões:

• A gravidade do ilicito alegadamente cometido pelo arguido;

• As circunstâncias mentais do arguido para o seu alegado cometimento;

• A possibilidade de repetição do alegado ato ilicito;

• A posição da queixosa;

3. O arguido padece de grave doença mental apenas diagnosticada na perícia médico-legal destes autos, a saber, patologia do espetro do autismo que, inclusivamente, tal a gravidade, determina a sua inimputabilidade e, apenas a partir deste conhecimento, o arguido passou a ser medicado corretamente para a doença que nunca soube que tinha;

4. No contexto dessa doença o arguido (não medicado), fazendo fé na douta acusação, em 31.10.2022, na residência da mãe, onde igualmente reside (desde sempre), "quando se apercebeu que uma das calças que pretendia vestir não estavam secas e começou a adoptar uma postura violenta para com a ofendida". Tendo-se dirigido à ofendida, sua mãe, e referido " eu odeio-te", "as calças deviam estar secas", e, após desferiu uma pancada no braço da ofendida. Ainda que, alegadamente, terá referido aos militares da GNR que quando saíssem iria matar a sua mãe. Também que obriga a ofendida a escrever as ordens que lhe dá e afixá-las na parede da cozinha;

5. Nestas circunstâncias que se referem, e não há nenhumas outras relevantes, o arguido está submetido há 6 meses a um regime idêntico ao da prisão preventiva mas, com respeito por opinião diversa, os factos, todavia, não são, notoriamente, suficientes, para que tal medida de coação se mantenha. Se por um lado o arguido é inimputável, por outro lado, a alegada vitima, mãe do arguido, nunca prestou qualquer depoimento perante o tribunal designadamente para corroborar o alegado crime que contra si foi cometido e assim o tribunal tem decidido com base em suposições e declarações do próprio inimputável;

6. Importava verificar, como resulta de forma indiscutível da pericia, que o arguido não estava medicado no momento da•alegada agressão nem nunca antes lhe tinha sido diagnosticada a doença, sendo ainda referido, sobre a possibilidade de repetição de uma agressão o seguinte:

"...Assim, temos que a perigosidade é directamente dependente do adequado cumprimento da terapêutica que pretende efectuar um controlo comportamental farmacológico.

Dito de outra forma, o risco de vir a praticar outros factos típicos graves ("perigosidade) encontra-se estreitamente associado á possibilidade a ocorrência de nova sintomatologia (ansiosa, depressiva, obsessiva ou psicótica) semelhante, os quais dependem em larga medida, da indispensável assistência psiquiátrica e da garantia que pode ser dada do estrito cumprimento das medidas terapêuticas que lhe sejam prescritas.

"...., nesta data o examinando está estabilizado do seu quadro clínico psiquiátrico, encontrando-se em cumprimento de medicação adequada com aparente boa adesão e resposta terapêutica. Desta forma, encontrado atingido o primeiro objetivos das medidas de segurança, i.e. a estabilização do quadro clinico e preparação do regime de tratamento passível de ser cumprido de forma adequada em ambulatório".

"O passo seguinte, habitualmente limitante no que à reinserção/reabilitação diz respeito refere-se á rede sócio-familiar e retorno à comunidade. De facto, a proximidade da familia é um factor de reabilitação, sendo desejável, nestes doentes, que seja estabelecida a inserção sócio-familiar assim que possível.

Será importante que seja contemplada uma adequada avaliação social, que permita um retorno à comunidade, porventura em contexto institucional, com a adequada supervisão institucional e com a obrigatoriedade de manter o acompanhamento psicoterapêutico e psiquiátrico e de efetuar prova de terapêutica".

Cif.– Perícia médico-legal e douto despacho sindicado (fls..).

7. O tribunal tentou, sem sucesso, que o Hospital de … acolhesse o arguido, ou seja, o Estado não conseguiu auxiliar este doente por falta de meios. Também a mãe do arguido, pessoa muito pobre, não conseguiu de forma clara encontrar uma instituição privada para colocar o filho tendo sido o arguido notificado (leia-se, a "mãe do arguido") pelo tribunal para dar nota desta possibilidade. Como alternativa as estas impossibilidades o tribunal veio a decretar algo muito mais grave do que um internamento hospitalar público (caminho tentado trilhar mas refutado pela impossibilidade do Estado em tratar um doente) ou num estabelecimento de saúde privado: manteve a medida de prisão em manifesta contradirão com a evolução positiva da doença do arguido e da necessidade da sua reiteração familiar, conforme resulta da perícia. Assim, face à falta de meios do próprio Estado e, naturalmente, do arguido, o tribunal opta novamente pela privação total da liberdade.

8. Resulta claramente que se o arguido tivesse meios económicos estaria agora numa clínica de reabilitação e tratamento. Não os tendo fica preso. Trata-se de uma tão evidente como injusta conclusão.

9. Não colhe ainda a indicação de que se vai notificar uma empresa privada para saber se tem condições para acolher o arguido, isto porque, na verdade, também há que curar se o arguido (inimputável e sem rendimentos ou capacidade de os gerar) pode suportar o internamento. Portanto parece-nos, pelo contrário, face ao alegado crime (sem indicação de quaisquer resultados graves), à sua situação clínica atual, à ausência de qualquer prova por parte da própria queixosa sobre a alegada agressão e, acima de tudo perante aquilo que a própria queixosa pretende, que o arguido deve ser submetido, no máximo, à obrigação de permanência em habitação com controlo através de meios técnicos à distância e prova da toma da medicação por declaração da sua mãe (art. 201.º do CPP).

10. O arguido desde que nasceu que sempre viveu com sua mãe que, naturalmente, terá tido, em 38 anos, muitos problemas em lidar com a doença mental desconhecida do filho. Acontece, todavia, que a doença está agora diagnosticada, sabe-se qual a medicação a adotar e, obviamente, há que submeter este doente a uma situação que lhe cause o menor stress possivel e a sua inserção no agregado familiar (assim refere a perícia, tal como exarado no próprio despacho que é aqui sindicado);

11. E assim referiu a própria queixosa, tal como o signatário, com autorização da mesma, indicou ao próprio tribunal (comunicações infra indicadas e anexas). Trata-se de uma mãe que anseia e está tremendamente preocupada por não poder cuidar do seu filho quando quer e pode fazê-lo. Filho que, por seu turno, vive num mundo de ansiedade por não poder estar com a sua mãe, única pessoa com quem privou com ao longo de toda a sua vida.

E esta ansiedade é clara ao ponto (documentado) de o arguido já ter sido agredido gravemente por um recluso (em contexto em que não teve qualquer intervenção) no Estabelecimento Prisional e, noutra ocasião, tentado o suicídio. Cd. tudo indicado na...

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