Acórdão nº 3991/20.1T8OER-B.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-16

Ano2023
Número Acordão3991/20.1T8OER-B.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
B , R. na ação declarativa sob a forma comum que, com o valor de € 30.00,01, contra si e outros foi instaurada por A , veio, em 25.1.2022, arguir a falta de citação ou a nulidade da citação edital, invocando, no essencial, que não funcionou como devia o sistema de retenção de correspondência de que o R. dispunha na Estação de Correios para efeitos de notificação, e que não foi tida em conta a situação de pandemia então vigente, com suspensão de prazos processuais e procedimentais, circunstância que não foi, por sua vez, refletida na citação edital levada a cabo. Mais refere que a citação edital não foi também precedida das necessárias diligências com vista à averiguação do paradeiro do R..
O A. respondeu, concluindo pela intempestividade da pretensão e pela inexistência da nulidade.
Em 28.10.2022, foi sobre aquele requerimento proferido despacho nos seguintes termos: “Por requerimento datado de 25/01/2022, veio o R. B arguir a falta de citação ou a nulidade da citação edital, alegando, para tanto e em síntese, que, em virtude de não se encontrar permanentemente na morada sita na Rua … LISBOA, possui um sistema de retenção de correspondência na Estação de Correios para o efeito de qualquer notificação.
E, analisando o percurso da primeira carta de citação, Registo RE674168818PT, verifica-se que em 7 de Dezembro foi dirigida ao Apartado para efeitos de notificação, em vez de ser retida pelo referido sistema de retenção, cfr. documento 2 junto.
Por outro lado, apesar de constar que o destinatário foi notificado para levantar um objecto, a verdade é que não o foi. Além disso, estávamos em pleno Estado de Emergência, tendo sido apresentada reclamação em 7/5/2021 aos CTT da prática de irregularidades na prestação do serviço, cfr. documento 3 junto.
Deste modo, não foi por culpa imputável ao R. que a carta não lhe chegou ao seu conhecimento.
Ainda, em razão da pandemia, o R. foi residir predominantemente com a sua companheira, desde 1/3/2020, para a Rua … em Lisboa, conforme atestado de residência que se junta como documento número 4.
Acresce que, a citação edital é afixada no dia 4/3/2021, quando todos os actos e prazos estavam suspensos pela Lei n.° 4-B/2021 de 1 de fevereiro, E da citação edital não consta qualquer alusão a esta suspensão pelo que a mesma é nula, quer pela data que é afixada, quer por omissão da menção à suspensão dos prazos em virtude da mencionada Lei n.° 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
Por fim, a citação é nula porquanto nem no momento da citação por carta registada, nem o Ministério Público para poder contestar a acção, se realizaram diligências para obter informações junto das autoridades policiais.
No exercício do seu contraditório, o A. defende que o requerimento do R. é manifestamente intempestivo.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 188.°, n.° 1 do Código de Processo Civil que
1 - Há falta de citação:
a) Quando o ato tenha sido completamente omitido;
b) Quando tenha havido erro de identidade do citado;
c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital;
d) Quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade;
e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
2 - Quando a carta para citação haja sido enviada para o domicílio convencionado, a prova da falta de conhecimento do ato deve ser acompanhada da prova da mudança de domicílio em data posterior àquela em que o destinatário alegue terem-se extinto as relações emergentes do contrato; a nulidade da citação decretada fica sem efeito se, no final, não se provar o facto extintivo invocado.
A citação é, pois, o acto através do qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender - artigo 219.° do Código de Processo Civil.
Porém, nos termos do artigo 189.° do Código de Processo Civil, se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade.
No presente caso, por requerimento datado de 10/12/2021, veio o R. B juntar aos autos comprovativo de pedido de concessão de apoio judiciário, o que, aliás, fundamentou a cessação da intervenção do Ministério Público em sua representação por despacho datado de 6/01/2022. A arguição da nulidade de citação ocorreu no dia 25/01/2022.
Deste modo, não tendo o R. arguido na primeira intervenção processual a nulidade da citação, a mesma sanou-se.
Isto porque A função primordial da citação é de carácter informativo, visando dar a conhecer ao Réu a pendência da causa e proporcionar-lhe a oportunidade de defesa - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 228. Com efeito, se, não obstante o vício, quem deveria ter sido citado está no processo, o intuito informativo típico da citação está, afinal, assegurado - idem, ibidem.
Assim sendo, face ao exposto, julgo improcedente a arguida nulidade de citação.
Custas pelo R., que se fixam no mínimo legal.
Registe e notifique.
(…).”
Inconformado, interpôs recurso o R. B, apresentando as respetivas alegações que culmina com as seguintes conclusões que se transcrevem:

1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que decidiu indeferir a arguição da falta de citação ou a nulidade da citação, debruçando-se o mesmo somente pela nulidade da citação julgando-a improcedente.
2. Apenas se tendo debruçado sobre a nulidade e não sobre a falta de citação, tal configura uma situação de omissão de pronúncia, que também se argui para todos os efeitos legais.
3. O douto despacho recorrido densificou-se na sanação da nulidade, porque “Deste modo, não tendo o R. arguido na primeira intervenção processual a nulidade da citação, a mesma sanou-se.”
4. Factualmente diz-nos o douto despacho recorrido: “No presente caso, por requerimento datado de 10/12/2021, veio o R. B juntar aos autos comprovativo de pedido de concessão de apoio judiciário, o que, aliás, fundamentou a cessação da intervenção do Ministério Público em sua representação por despacho datado de 6/01/2022. A arguição da nulidade de citação ocorreu no dia 25/01/2022.”
5. Parece existir um claro erro quanto à data descrita, porquanto foi em 27/12/2022 (férias judiciais), que deu entrada no processo a comunicação, devidamente documentada, do pedido de apoio judiciário feito pelo R. junto da Segurança Social.
6. O recorrente juntou pedido de apoio judiciário em 27/12/2021, na modalidade de nomeação de defensor oficioso e dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e com essa comunicação interromperam-se imediatamente a contagem de todos os prazos.
7. A jurisprudência maioritária entende através de uma interpretação actualista que “...no sentido de que a intervenção relevante da parte na causa, para os efeitos previstos no art. 189° do Cód. Proc. Civil, pressupõe um acesso ao processo electrónico que a mera junção de procuração forense a mandatário judicial hoje não garante.”
8. Mas o caso dos autos respeita à comunicação devidamente documentada somente por parte do R., sem qualquer representação, de que havia pedido apoio judiciário, o que, salvo melhor opinião, nunca poderá configurar uma primeira intervenção no processo.
Mas mais, mesmo que nada mais houvesse,
9. Por despacho de 6/1/2022, o Ministério Público cessou a sua intervenção, despacho que foi notificado ao R. em 19/1/2022, deixando de ser considerado o R. como revel a partir dessa data, pelo que a arguição da falta de citação e nulidade da citação tendo entrado nos autos em 25/1/2022, foi tempestiva.
10. Mas reitera-se, o R. não possui conhecimentos especiais pelo que nunca deveria ter sido considerado como acto próprio com efeitos de curso de prazo a mera junção aos autos do pedido de apoio judiciário que fez.”
Pede a procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se a mesma por outra que reconheça a tempestividade da arguição da falta de citação ou nulidade de citação do ora apelante.
Em contra-alegações, sustentou o A./apelado o acerto do julgado, concluindo:

1- Não assiste qualquer razão ao Apelante para interpor o presente Recurso, uma vez que o despacho recorrido não merece qualquer censura.
2- A primeira intervenção do Apelante nos Autos depois de consumada a citação edital ocorreu efetivamente a 27/12/2021.
3- Nessa sua primeira intervenção não arguiu qualquer nulidade da mesma citação.
4- Pese embora a intervenção tenha ocorrido sem a intervenção de mandatário, ela ocorreu de facto.
5- Porque pelo facto de essa intervenção se ter consumado com a apresentação de cópia de pedido de apoio judiciário, não fica prejudicada a intervenção processual.
6- Porque o artigo 189° do CPC é perentório em considerar como termo do prazo para arguir a nulidade da citação edital à primeira intervenção do R. nos autos.
7- Porque nem essa nem outra disposição legal condiciona a intervenção a uma determinada forma ou característica.
8- Teremos de concluir que a junção do comprovativo do pedido de apoio judiciário, não tem qualquer efeito suspensivo quanto ao prazo para arguir a nulidade da citação edital.
9- Tal como teremos de concluir que andou bem a Meritíssima Juiz a quo ao ter decidido considerar extemporâneo o pedido de nulidade da referida citação.”
O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II- Fundamentos de Facto:
Com interesse para a apreciação do presente recurso, e para além
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