Acórdão nº 399/21.5YHLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-11-09

Data de Julgamento09 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão399/21.5YHLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. RELATÓRIO
BENE FARMACÊUTICA, L.DA e BENEARZNEIMITTEL GMBH, ambas com os sinais identificativos constantes do autos, interpuseram recurso da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que concedeu o registo da marca nacional n.º 655664 «BRUFENON», requerido por MYLAN HEALTCARE GMBH, neles também melhor identificada.
O Tribunal «a quo» descreveu os contornos da acção e as suas principais ocorrências processuais até à sentença nos seguintes termos [imagens não reproduzidas]:
Bene Farmacêutica, Lda., pessoa colectiva nº 508735696 com sede na Avenida D. João II, 44 C – 1º, 1990-095 Lisboa (adiante também designada ‘1ª recorrente’) e BeneArzneimittel GmbH, com sede em Herterichstr. 1, 81479 München, Alemanha (adiante também designada ‘2ª recorrente’ e ambas colectivamente designadas ‘recorrentes’), vieram nos termos do artigo 38º e seguintes do Código da Propriedade Industrial (CPI) interpor o presente recurso da decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que concedeu o registo da marca nacional n.º 655664 BRUFENON, requerido por Mylan Healtcare GmbH, com sede em Lütticher Strasse 5, 53842 Troisdorf, Alemanha (adiante também designada ‘recorrida’).
Alegam, em síntese, que a referida marca constitui imitação das suas marcas nacionais nº 582253, nº 582255, nº 593026, nº 626601, e internacional com designação de Portugal e da União Europeia (UE) nº 479688 BEN-U-RON, e que o registo possibilita a prática de actos de concorrência desleal.
Cumprido o disposto no artigo 42º do CPI, o INPI remeteu o processo administrativo.
Citada a recorrida, respondeu pugnando pela manutenção do despacho recorrido.

Foi proferida sentença que decretou:
Pelo exposto, e nos termos das disposições citadas, concede-se provimento ao recurso interposto por Bene Farmacêutica, Lda. e Bene-Arzneimittel GmbH e, em consequência, revoga-se a decisão do INPI de 8.09.2021, publicada no BPI de 15.09.2021, que concedeu o registo da marca nº 655664 BRUFENON.
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto por MYLAN HEALTHCARE GMBH, que alegou e apresentou as seguintes conclusões e pedido [imagens não reproduzidas]:
1. O recurso de apelação é interposto da sentença do TPI, proferida em 15 de março de 2022, que julgou procedente o recurso interposto Bene do despacho do INPI que concedeu o registo da marca nacional n.º 655664 BRUFENON a favor da Mylan.
2. A sentença ora recorrida recusou o registo da marca BRUFENON com fundamento na suposta imitação das marcas nacionais n.º 582253, n.º 582255, n.º 593026 e n.º 626601, bem como da marca de registo internacional n.º 479688 BEN-U-RON, e no risco da prática de atos de concorrência desleal.
3. A sentença recorrida é ilegal e deve ser revogada, pois: (i) não levou em consideração a sentença do TPI de 30.03.2021 que considerou que BRUFENON não imita as marcas BEN-U-RON, estando por isso em clara contradição com aquela decisão; (ii) não atendeu a factos alegados pela Mylan com extrema relevância para a decisão da causa, designadamente que a Mylan é titular da marca registada BRUFEN e que esta é uma marca notória em Portugal, bem como que a marca registanda BRUFENON mais não é do que a marca BRUFEN acrescida de “ON”; (iii) incorreu em erro de julgamento quanto à imitação das marcas, o que parece resultar de alguma desatenção no juízo comparativo levado a cabo.
4. DA AUTORIDADE DE CASO JULGADO MATERIAL: Pouco tempo antes da sentença recorrida ter sido proferida, quer o TPI, quer o TRL já se tinham pronunciado sobre a mesmíssima questão em análise nos presentes autos: a marca BRUFENON da Mylan imita ou não as marcas BEN-U-RON da Bene em sede do procedimento cautelar iniciado pela Bene contra a BGP Products, Unipessoal, Lda. com vista à proibição daquela empresa de usar BRUFENON.
5. Ambos os arestos foram claríssimos em concluir enfaticamente que não existe qualquer risco de confusão entre aquelas marcas, razão pela qual à marca registanda deve ser atribuído o registo. O juízo comparativo entre aquelas marcas levado a cabo na sentença recorrida encontra-se em manifesta contradição com aquelas duas decisões judiciais já transitadas em julgado!
6. Nas duas decisões proferidas no processo n.º 588/20.0YHLSB, tanto o TPI como o TRL: (i) consideraram que BRUFENON não imita nenhuma das marcas BEN-U-RON invocadas pela Bene na reclamação e no recurso de propriedade industrial; (ii) consideraram que a forma como a marca BRUFENON se encontra a ser utilizada e promovida no mercado português não configura uma prática de concorrência desleal; (iii) rejeitaram que a embalagem do medicamento BRUFENON infrinja o tradedress das embalagens de BEN-U-RON.
7. No âmbito do procedimento cautelar, o TPI e o TRL procederam à comparação das marcas sob cotejo nos exatos mesmos termos que relevam nestes autos, tendo concluído que não existe imitação ou infração das marcas da Bene. A conclusão refletida na Decisão Singular do TRL é clara: “Sendo, pois, idêntico o número de sílabas entre “Ben-u-ron” e “Brufenon” e a terminação “on”, ficam por aí as semelhanças. Tudo o mais são diferenças gráficas, fonéticas e até figurativas que afastam a suscetibilidade de gerar o risco de confusão ou de associação. Tanto mais que, conforme resulta dos factos provados, os medicamentos “Ben-u-ron” e “Brufen” são bem conhecidos do consumidor, que os distingue claramente, sendo que o nome deste último se encontra incluído no nome do medicamento em discussão (“Brufenon”). Não existe também qualquer semelhança conceptual, já que tratando-se de designações de fantasia, apenas “Brufenon” traduz alguma alusão a uma das substâncias ativas que o compõem, o ibuprofeno – diversamente do que sucede com o “Ben-u-ron”. (….) “Perante tudo o que acaba de expor-se importa concluir, como na primeira instância, pela inverificação de imitação suscetível de induzir o consumidor em confusão, ou de consubstanciar concorrência parasitária” – cf. página 84 da Decisão Singular.
8. Apesar de os dois processos não coincidirem totalmente quanto ao objeto, a questão jurídica subjacente aos dois processos é precisamente a mesma: a alegada imitação das marcas da Bene por BRUFENON e a possibilidade da ocorrência de atos de concorrência desleal decorrente do uso de BRUFENON. Considerando que a Bene é parte nos dois processos, não será desprovido de sentido invocar a autoridade de caso julgado material da Decisão Singular de 06.03.2022 sobre a decisão a proferir neste recurso.
9. O instituto do caso julgado visa evitar a prolação de decisões contraditórias sobre a mesma questão controvertida, em prol do princípio basilar da certeza e da segurança jurídica com vista a evitar a instabilidade das relações jurídicas e a preservar o prestígio dos tribunais e do sistema judicial (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.01.2019, tirado no processo n.º 5992/13.7TBMAI.P2.S17).
10. Tanto a doutrina como a jurisprudência reconhecem que a dispensa da verificação da tríplice identidade de sujeitos, de pedidos e de causa de pedir implica que se possa verificar autoridade de caso julgado material entre processos com partes diferentes. De todo o modo, visto que as decisões judiciais proferidas no processo n.º 588/20.0YHLSB produzem efeitos e são oponíveis à Bene que foi parte naquele processo, a invocação da autoridade de caso julgado daquelas decisões nos presentes autos tem pleno cabimento.
11. De todo o modo, a desconsideração da decisão transitada em julgado no processo n.º 588/20.0YHLSB resultaria na prolação de uma decisão contraditória sobre a mesma exata relação jurídica material: a alegada imitação das marcas da Bene por BRUFENON. Tal contradição gera uma grave incerteza jurídica que é repudiada pelo Direito e deve por isso ser sanada no acórdão a proferir nestes autos.
12. IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO: Na sua resposta ao recurso da Bene, a Mylan alegou vários factos relativos ao contexto do aparecimento da marca BRUFENON que têm particular interesse e relevância para a decisão a proferir nos autos, os quais resultam provados por documentos e/ou por não terem sido impugnados pela Bene e que devem por isso ser considerados provados pelo Tribunal ad quem, ao abrigo do artigo 662.º, n.º 1 do CPC.
13. No artigo 44.º da sua resposta ao recurso judicial da Bene, a Mylan alegou que “A BGP é a titular das Autorizações de Introdução no Mercado (AIM) do medicamento BRUFEN”. Para prova deste facto a Mylan juntou impressão da informação constante na base de dados Infomed sobre as AIMs das várias apresentações do medicamento BRUFEN – cf. Doc. n.º 6 junto com a resposta ao recurso.
14. No artigo 47.º da resposta ao recurso judicial da Bene, a Mylan alegou o seguinte: 47. A marca BRUFEN encontra-se registada a favor da Mylan Healthcare GmbH, aqui Recorrida, através dos seguintes registos:
• Marca nacional n.º 153527 BRUFEN, registada em 18.05.1970 para assinalar substâncias farmacêuticas, veterinárias e de higiene na classe 5;
• Marca da União Europeia n.º 003409786 BRUFEN, registada em 21.07.2005 para assinalar produtos farmacêuticos na classe 5.
15. A titularidade dos registos de marca BRUFEN não foi nunca posta em causa pela Bene, e resultou provada nos autos de providência cautelar iniciados pela Bene contra a BGP sob o número de processo 588/20.0YHLSB – cf. pontos 17 e 18 da matéria dada como provada na sentença do TPI de 30.03.2021, reproduzidos a págs. 36 da Decisão Singular do TRL.
16. Nos artigos 48.º, 49.º e 50.º da sua resposta ao recurso judicial da Bene, a Mylan alegou os seguintes factos quanto à notoriedade e ao reconhecimento da marca BRUFEN pelos consumidores portugueses:
48. A marca BRUFEN é usada em Portugal há mais de 45 anos, sendo uma marca bem conhecida dos consumidores
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