Acórdão nº 3982/22.8T8PRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 15-09-2022

Data de Julgamento15 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão3982/22.8T8PRT-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc.º 3982/22.8T8PRT-A.P1

Sumário.
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1). Relatório.
AA, residente na Rua ..., ..., ..., na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de BB,
propôs contra
E..., Lda., com sede no Edifício ..., Avenida ..., ..., Lisboa,
Procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova, pedindo que seja decretada a ratificação do embargo extrajudicial efetivada, com efeitos retroativos à data e hora enunciadas no artigo 27.º da petição inicial.
Em síntese, alega que:
. é cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, seu cônjuge;
. adquiriu, com seu marido, em 07/11/1979, o 2.º andar, águas furtadas e um arrumo designado pela letra C, no r/c, com entrada pelo n.º ......, destinado a habitação, sito na Rua ..., onde residiram durante mais de 30 anos;
. a requerente necessita de apoio de terceiros para as tarefas do dia a dia, motivo pelo qual já não reside nesta habitação, encontrando-se a mesma arrendada;
. o imóvel foi construído de forma contígua ao prédio n.º ......, sendo que desde sempre que tem uma janela cujas vistas deitavam para o telhado deste último, o qual possuía uma altura inferior à do prédio da requerente;
. a requerente e atual inquilino sempre usaram a referida janela, que permite a entrada de luz e o arejamento da habitação;
. as obras realizadas pela Ré no edifício com o n.º de entrada ...... provocaram a tapagem completa da referida janela;
. a requerente é detentora de servidão de vistas;
. a tapagem impede a entrada de luz e o arejamento da fração;
. a construção está a provocar fissuras nas paredes e claraboia do prédio;
. no dia 24/02/2022, pelas 14:30h, a filha da requerente deslocou-se ao imóvel onde as obras estão em curso e, na presença de duas testemunhas, foram dadas indicações que a obra estava a violar o direito de propriedade dos proprietários e que tinha de ser suspensa, pelo que embargava a obra.
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Em 03/03/2022 foi proferido despacho a ordenar a citação da requerida nos seguintes termos: «Cite a Requerida para, querendo, deduzir oposição, nos termos do artigo 366º, nº 2 do Código de Processo Civil, com a advertência de que a falta de oposição determinará a confissão dos factos articulados pela Requerente, nos termos do artigo 567º, nº 1 do mencionado diploma, aplicável por força do disposto no nº 5 do citado artigo 366º.».
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Foi enviada carta registada com a/r para a morada da empresa/requerida indicada na petição inicial, tendo a carta sido devolvida com a indicação de «objeto não reclamado».
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Consultou-se a base de dados da Segurança Social, sem indicação de número de pessoa coletiva, não tendo sido obtidos resultados, e a base do registo de pessoas coletivas onde se obteve a mesma morada constante da petição inicial.
Foi enviada nova carta registada com a/r para citação, tendo os serviços de correio assinalado que, na impossibilidade de entrega da carta, foi depositada no recetáculo postal domiciliário.
Em 22/04/2022 é proferida decisão, com remissão integral para a fundamentação de facto e de direito constante do requerimento inicial, procedendo na totalidade o pedido, mencionando-se que «Atento o disposto no artigo 567º, nº 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigos 293º, nº 3 e 366º, nº 5 do mesmo diploma legal, consideram-se confessados os factos articulados no requerimento inicial.».
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A ratificação judicial do embargo foi efetuada em 19/05/2022.
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Em 26/05/2022, a requerida apresenta requerimento, pedindo a nulidade da citação e a anulação do posterior processado, com o seguinte teor:
. só soube da existência da ação no dia 19/05/2022;
. tendo sido questionada uma sua funcionária (CC) a mesma informou que, junto aos recetáculos do correio dos restantes escritórios da requerida, no meio de diversas outras cartas, encontrava-se lá um envelope do tribunal, respeitante à presente ação;
. tal é de estranhar porque normalmente os envelopes são colocados dentro das caixas do correio e não ao lado;
. antes daquela data não recebeu nenhuma carta de citação;
. o envelope que serviu de base à citação refere: “CITAÇÃO VIA POSTAL 2.ª Tentativa” mas antes terá sido enviada uma primeira carta com aviso de receção nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 246.º do CPC, que refere que a carta de citação é enviada para a sede da sociedade;
. como a requerida sabe que não recebeu essa carta, presume que este segundo envelope tenha sido enviado ao abrigo do disposto no n.º 4, do artigo 246.º, do C. P. C., pelo que havia três passos a seguir:
. repetir a citação por carta registada com aviso de receção;
. advertir a citanda da cominação do n.º 2 do artigo 230.º, que neste caso seria que a “citação considera-se efetuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal”;
. respeitar as formalidades previstas no n.º 5 do artigo 229.º, que além da advertência já referida acima e da obrigação de transmitir os elementos previstos no art.º 227.º, seria que o “distribuidor do erviço postal certifica[sse] a data e o local exato em que depositou o expediente e remete[sse] de imediato a certidão ao tribunal”;
. porém, o envelope está literalmente em branco, não se sabendo o motivo de impossibilidade de entrega da carta;
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A requerente, em 13/06/2022, opôs-se a tal pedido alegando que:
. a nulidade só podia ser apreciada em sede de recurso da decisão final;
. a segunda citação foi recebida através de depósito na caixa de correio;
. há incúria da requerida em não verificar o seu correio.
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Após produção de prova, com audição de testemunhas, foi indeferida a requerida nulidade de citação por despacho de 04/07/2022 (ora sob recurso).
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Em 06/06/2022, a requerida apresenta requerimento onde pede a continuação da obra, nos termos do artigo 401.º, do C. P. C., alegando em síntese que:
. como é alegado pela própria requerente, a janela já está tapada;
. o embargo de obra visa a suspensão da obra ainda não concluída e não da obra já terminada;
. a futura demolição do que a mais se construir restitui o embargante ao estado anterior à continuação, ou seja, o estado anterior à continuação é o estado em que a janela já estava tapada;
. caso se continue a obra, o direito do embargante em ver o estado anterior à continuação restituído, será sempre assegurado porque, lá está, a janela já estava tapada.
. disponibiliza-se a prestar caução.
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Em 20/06/2022, a requerente opõe-se a tal pedido, por não ter sido concretizado o montante da caução a prestar e a continuidade da obra permitir o incremento de danos no imóvel da requerente que ainda não são possíveis de clarificar.
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Na mesma data de 04/07/2022, o tribunal profere despacho a indeferir o pedido de continuação da obra, também este despacho sob recurso.
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Inconformada com aquelas duas decisões, a requerida interpõe recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) O presente recurso vem interposto da decisão proferida no processo à margem referenciado, que decidiu julgar improcedentes a invocada nulidade por falta de citação e o pedido de continuação da obra.
B) Mal andou o tribunal recorrido ao não ter cumprido a obrigação de especificação dos factos não provados, em violação do disposto no n.º 4 do art.º 607.º do CPC, por se ter limitado decidir nos seguintes termos: “Todos os restantes factos descritos no requerimento de 26MAI2022, distintos dos considerados provados, resultaram não provados.”;
C) A falta de especificação dos factos não provados torna a decisão obscura e insindicável, logo nula, por violação do disposto nas als. b) e c) do art.º 615.º do CPC;
D) Caso não se entenda que a sentença deva ser declarada nula, então crê a Recorrente que os factos não provados seriam os seguintes: 1. A testemunha CC encontrou o envelope da carta enviada ao abrigo do disposto no art.º 246.º, n.º 4 do CPC ao lado dos recetáculos do correio, no meio de diversas outras cartas;
2. A carta acima referida não foi depositada no recetáculo de correio da Requerida;
3. O distribuidor do serviço postal não certificou a data e o local exato em que depositou o expediente acima referido em cumprimento do disposto no art.º 229.º, n.º 5 do CPC;
4. O envelope da carta acima referida não tinha as menções obrigatórias requeridas pelo disposto no art.º 229.º, n.º 5 do CPC;
5. A Requerida não tomou conhecimento da citação por facto não lhe imputável.
E) Mal andou o tribunal recorrido ao ter dado como provado o ponto 3.º da matéria de facto dada como provada e que é: “3. Subsequentemente, foi cumprido o disposto no artigo 246º, nº 4 do Código de Processo Civil, tendo sido enviada carta registada com aviso de receção para citação da Requerida na mesma morada.”;
F) O facto 3.º nunca poderia ter sido dado como provado porque o tribunal recorrido não fundamentou tal decisão, tendo-se limitado a dizer o seguinte: “Para assim decidir, o Tribunal atendeu ao histórico dos autos, disponível no sistema Citius [pontos 1) a 4) dos factos provados]”.
G) Pela falta de fundamentação deve a decisão ser declarada nula em cumprimento do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC;
H) Além da falta de fundamentação, também nunca poderia o facto 3.º ser dado como provado, porque as normas processuais da citação não foram cumpridas;
I) Com efeito, da análise do envelope da citação junto como Doc. 1 com o requerimento submetido aos autos em 26/05/2022, verifica-se sem margem para dúvidas que o mesmo está completamente em branco, não tendo número de processo, juízo, data de registo, nome do oficial de justiça, motivo da impossibilidade de entregar, motivo e data da devolução, se houve ou não depósito, data e assinatura do distribuidor postal;
J) Logo deveria o tribunal ter interpretado e aplicado corretamente o artigo 229.º, n.º 5 e retirado a óbvia conclusão de que a citação não cumpriu com os requisitos previstos nessa norma, o que não fez logo deve esta decisão ser revogada;
K) Além disso, o depoimento da
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