Acórdão nº 396/14.7BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão396/14.7BESNT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO
F..... intentou ação administrativa especial contra o Diretor Nacional da PSP, peticionando a anulação do ato que, no âmbito do processo disciplinar instaurado em 17/12/2013, determinou a suspensão das suas funções de Agente Principal e a perda de 1/6 do vencimento base, nos termos dos artigos 38.º, n.º 1, e 74.º do RDPSP, e a condenação do demandado a restabelecer a situação que existia na esfera jurídica do autor se tal ato não tivesse sido praticado. Foi posteriormente corrigida a legitimidade passiva, passando a figurar o Ministério da Administração Interna como entidade demandada.
Por sentença proferida em 07/07/2017, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a ação procedente e em consequência anulou o ato impugnado e condenou a entidade demandada a observar o dever de reconstituir a situação que existiria se a decisão anulada não tivesse sido praticada.
Inconformada, a entidade demandada interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“a) Na douta sentença existe manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão, o que constitui, naturalmente, causa de nulidade, conforme o previsto na alínea c), do nº. 1, do art.º 615º, do CPC ex vi n.º 3 do art.º 140 do CPTA, quando: na fundamentação de direito refere: “Se por um lado, a medida do art.º 38.º, n.º 1 do RDPSP se justifica pela necessidade de preservar a dignidade a o prestigio dos serviços públicos, no caso, a PSP, que tem por função defender a segurança interna e dos cidadãos, sem ter natureza de uma pena, daí que a sua aplicação não pressuponha a instauração de procedimento disciplinar nem a prévia audição do arguido” (negrito e sublinhado nosso) [segundo § da pág.11] terminando por decidir anular o ato administrativo por ilegalidade, porque não devia ter sido aplicada a medida do n.º 1, do art.º 38.º do RD/PSP, sem que o A. fosse ouvido em sede disciplinar, sobre os fundamentos da medida e sem que fosse ponderada a sua situação em concreto no procedimento disciplinar;
b) A norma do art.º 38.º, n.º 1, do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, não padece de inconstitucionalidade, na parte em que determina a suspensão de funções por efeito do despacho de pronúncia em processo penal por infracção a que corresponda pena de prisão superior a três anos (Acórdão 194/2017 do TC);
c) A suspensão de funções consagrada no n.º 1, do art.º 38.º do RD/PSP, não tem carácter essencialmente disciplinar, pelo contrário, está diretamente relacionada com a defesa do prestígio do serviço público, ou seja, na confiança depositada pela comunidade nesse serviço;
d) A medida não tem natureza de uma pena, nem a sua aplicação pressupõem a instauração de procedimento disciplinar ou a prévia audição do arguido;
e) O ato de suspensão de funções está legalmente vinculado, isto é, não está na disponibilidade da Administração proceder a juízos de valor ou de ponderação;
f) Sendo o ato administrativo emitido em obediência estrita à legalidade em sentido estrito (ato vinculado), contrário aos fundamentos da decisão, ora recorrida, não há lugar à aplicação do princípio da proporcionalidade administrativa;
g) O Tribunal a quo errou ao aplicar art.º 5, n.º 2, do CPA, de 1991 (atual art.º 7.º do CPA);
h) Não tendo a medida carácter essencialmente disciplinar não pressupõe, sequer, a instauração de procedimento disciplinar ou a prévia audição do arguido, a decisão a quo, salvo douta opinião, violou, assim, o princípio da legalidade, na interpretação da norma prevista no art.º 38.º, n.º 1, do RD/PSP;
i) O sentido decisório da sentença ora recorrida denota, uma apreciação manifestamente errónea, não só da prova produzida, mas também da prova documental junta aos autos, no que concerne ao dever de fundamentação ou à sua ausência, dada a matéria de facto eminentemente provada;
j) O Tribunal a quo considerou provado - ponto O) da matéria assente - a notificação do despacho que fundamentou a suspensão de funções do A. (fls. 14 e 15 do r.i.);
k) A Recorrente, contrário ao decidido, deu integralmente cumprimento ao estabelecido nos arts.º 124.º e art.º 125.º do CPA de 1991 (atual 152.º e 153.º do CPA);
l) A decisão errou no julgamento ao considerar a ilegalidade do ato por falta de fundamentação nos termos art.º 124.º e art.º 125.º do CPA, conjugado com o disposto no art.º 74.º n.º 1, do RD/PSP;
m) O ato administrativo impugnado foi praticado em conformidade com a lei e o direito não padecendo dos vícios de legalidade que lhe foram assacados na douta Sentença”.
O autor apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“1- O A./Rdo. tem legitimidade para requerer efeito meramente devolutivo ao presente recurso, sob pena de, entendimento contrário, violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
2- A aplicação automática da norma contida no nº 1 do artigo 143º do CPTA cede perante os factos invocados pelo recorrido, enquanto parte vencedora na acção, por este vivenciar prejuízos de difícil reparação, que não constituem e/ou repercutem danos superiores àqueles que resultam da sua não atribuição.
3- É o caso do A./Rdo., vencedor na acção, que não pode ver reparado os seus prejuízos em função da decisão proferida nestes autos, a 12-9-2016 e a 07-07-2017, que decidiram anular o despacho do Director Nacional da PSP, datado de 17.12.2013, que determinou a suspensão de funções do autos, ao abrigo do disposto no artº 38º, nº1 do RS/PSP, bem como o respetivo desarmamento, bem como condena a Administração a observar o dever de reconstituir a situação que existiria se a decisão impugnada e aqui anulada não tivesse sido praticada.
4- Com o que se vê prejudicado, por se manter suspenso do exercício de funções da PSP com a categoria de “agente principal”, deixando de receber o vencimento real de 2.2024,77 € para receber apenas a quantia de 856,65 € enquanto estiver suspenso do exercício das suas funções – o que constitui um prejuízo irreparável e de difícil reparação, a par de outros prejuízos que sofre em função da angustia e tristeza decorrente do facto de estar impedido de exercer as suas funções por tempo indeterminado e de não se encontrar actualizado o registo de tempo de serviços para efeitos de antiguidade.
5- Vencimento esse que é pago enquanto estiver suspenso do exercício das funções na PSP e que é de todo insuficiente para custear as despesas do seu agregado familiar, constituído por mulher desempregada, doente e portadora de incapacidade permanente para o trabalho de 61%, e de dois filhos de menor idade.
6- Para além disso, não é legítimo ter de aguardar pela decisão judicial com trânsito em julgado que vier a ser proferida nos autos criminais e que podem perdurar em recurso muitos anos, sem que, até lá, os interesses privados do A./Rdo. estejam acautelados, podendo-o ser através do processo disciplinar que a Administração mantém suspenso (também por tempo indeterminado) e sem que seja concedido ao A./Rdo. o direito de exercer as funções da sua categoria na PSP.
7- E perante o facto do A./Rdo. ter prestado serviços para a PSP, entre 19-9-2016 e 30-5-2017, ou seja, durante mais de 8 meses, depois de ter sido pronunciado e proferida a sentença pelo Tribunal Criminal de 1ª Instancia, leva-nos a ter o entendimento de que a atribuição do efeito devolutivo ao recurso não põe em causa a confiança, nem a dignidade e/ou prestígio dos serviços públicos da PSP, nem sequer causará danos superiores àqueles que podem resultar da sua não atribuição.
8- Termos em que deverá ser revogado o despacho do Tribunal “a quo” que admitiu o presente recurso com efeito suspensivo, devendo ser substituído por outro que lhe atribua o efeito devolutivo.
9- No mais, por não ocorrer contradição entre os fundamentos e a decisão, deverão ser julgadas improcedentes todas as conclusões de recurso, mantendo-se a douta decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, com todas as consequências legais”.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso cujo efeito suspensivo fixado é de manter, porquanto, em síntese:
- o ato de suspensão de funções está legalmente vinculado, não havendo lugar à aplicação do princípio da proporcionalidade administrativa, nem violação de qualquer preceito legal ou constitucional;
- as considerações tecidas quanto ao artigo 74.º do ED/PSP representam intervenção indevida do Tribunal no domínio da fiscalização do dever-ser de mérito do agir na atuação pública segundo critérios de oportunidade e conveniência, padecendo a sentença recorrida de erro de julgamento.
*

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir se é de manter o efeito suspensivo do recurso e, por referência à sentença recorrida se ocorre:
- nulidade por manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão;
- erro de julgamento ao aplicar o princípio da proporcionalidade administrativa, em violação do princípio da legalidade, na interpretação da norma prevista no artigo 38.º, n.º 1, do RD/PSP;
- erro de julgamento ao considerar o ato ilegal por falta de fundamentação.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
A) O autor é Agente da Polícia de Segurança Pública (PSP), desde 23.7.1990 – ver docs juntos aos autos.
B) Atualmente tem a categoria de Agente Principal da PSP e está adstrito à Esquadra de Investigação Criminal da Divisão de Cascais – ver doc nº 1 junto com o requerimento inicial dos autos cautelares apensos com o nº 61/14.5BESNT.
C) A 13.5.2011 foi instaurado inquérito...

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