Acórdão nº 3958/20.0T9SXL.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-11

Ano2023
Número Acordão3958/20.0T9SXL.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
No processo 3958/20.0T9SXL do Juízo Local Criminal do Seixal – J1 (em 19/10/2022) foi proferida e depositada (em 20/10/2022) sentença a absolver o arguido, A, da prática do crime de ofensa a pessoa colectiva, previsto e punível pelo art. 187º, nº 1 e nº 2, al. a), agravado pelo artigo 183º, nº 1, do Código Penal e a absolver o mesmo do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente, B.
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Inconformada com esta sentença, a assistente, B, interpôs o presente recurso (em 22/11/2022), cujas conclusões da motivação recursiva e respectivo pedido aqui se transcrevem :
«1. Salvo melhor opinião, em erro de julgamento, o Tribunal a quo considerou provado que a Assistente não prestou as informações e os esclarecimentos necessários ao Arguido, no âmbito da prestação do seu serviço, e não se mostrou disponível para resolver os problemas existentes no veículo do Arguido.
2. Acontece que a Assistente e o Arguido mantinham uma relação profissional há cerca de quinze anos, que se caracterizava pela cordialidade e confiança, tendo Arguido inclusivamente declarado que sempre lhe havia sido prestado o melhor atendimento e serviço.
3. Na prestação dos serviços, o pessoal da Assistente obedece e cumpre todos os procedimentos internos, bem como os definidos pela BMW, adstrito e à implementação de um serviço e de técnicas com elevados padrões de qualidade e inovação, nunca tendo o Arguido efetuado qualquer queixa dos serviços prestados.
4. No âmbito dessa relação profissional, o Arguido encaminhou o seu veículo da marca BMW, modelo X6, com a matrícula ..., para o concessionário da Assistente, com vista a que fossem realizados os procedimentos oficinais necessários para aprovação do referido veículo na inspeção periódica obrigatória (IPO).
5. A preparação da viatura para a referida inspeção foi efetuada pela Testemunha BR que, no decurso do seu trabalho, detetou um problema de aquecimento no veículo.
6. Problema esse que foi comunicado ao Arguido, tendo-lhe sido prestadas as informações necessárias para tomar a decisão de autorizar ou não um diagnóstico mais aprofundado ao veículo, o que se veio a realizar na oficina da Assistente.
7. Todavia, o Arguido sempre demonstrou resistência em aceitar os problemas detetados e as reparações sugeridas, discordando dos esclarecimentos que lhe foram prestados acerca dos fundamentos para as referidas reparações e manifestando inclusivamente algum desprimor face aos conhecimentos dos técnicos que laboram na oficina da Assistente.
8. O que não só se revela infundado como incoerente, na medida em que o veículo do Arguido fazia as manutenções e reparações necessárias na oficina da Assistente há mais de uma década, sendo no mínimo estranho que só agora se tivesse deparado com uma dificuldade em verificar a temperatura do motor.
9. Pelo que, contrariamente ao que concluiu o douto Tribunal a quo na Sentença ora em crise, foi apresentada uma justificação pela Assistente para a reparação sugerida, não tendo, no entanto, o Arguido ficado agradado com a mesma.
10. Assim, efetuado o diagnóstico proposto pela Assistente, foi transmitido ao Arguido, no dia 21 de agosto de 2020, o resultado do mesmo que se traduziu na substituição da bomba de água e da junta do motor, e justificadas as reparações sugeridas a realizar na sua oficina, tendo o Arguido discordado do seu teor, por considerar que os referidos problemas não existiam, em virtude da “inspeção” que havia efetuado ao veículo em sua casa.
11. Nessa sequência, o Arguido, por sua exclusiva vontade, procedeu ao levantamento do seu veículo na oficina daquela para ser verificado noutra oficina, tendo sofrido uma avaria no percurso efetuado entre as instalações da Assistente e a sua residência.
12. Nesse mesmo dia, o representante legal da Assistente, juntamente com a Testemunha BR, reuniram com o Arguido e a sua esposa com vista a prestar os esclarecimentos solicitados, bem como auxílio na resolução do referido problema.
13. Sucede, porém, que o Arguido adotou uma postura desadequada e de desconfiança na referida reunião, não aceitando que o veículo fosse analisado pela Assistente, o que foi proposto, tendo pretendido a referida reunião unicamente para reclamar dos serviços prestados e imputar, de forma infundada, responsabilidades à Assistente pelo problema verificado.
14. Tendo o representante legal da Assistente informado o Arguido que poderia recorrer a outra oficina para averiguar se tinha existido alguma intervenção no óleo do motor uma vez que o Arguido já tinha manifestado essa intenção e não autorizou que a Assistente averiguasse o problema verificado.
15. Não obstante, o Arguido demonstrou, nas suas declarações, ter consciência de que o referido aviso que surgiu no veículo e que se traduz num alerta para o alegado “excesso de óleo no motor” poderia simplesmente tratar-se de uma mera avaria, até porque declarou ter efetuado uma viagem recentemente, não sendo resultado de um ato praticado pela Assistente.
16. Ainda que sem fundamento lógico e evidente, e sem qualquer diagnóstico que sustentasse a sua suspeita, o Arguido elaborou uma reclamação no Livro de Reclamações da Assistente e redigiu um email que endereçou à marca BMW, em 20 de agosto de 2020, junto aos autos a fls. 75 e 16, no qual se referiu à Assistente com recurso às seguintes expressões graves e incompreensíveis: “comportamento absolutamente reprovável, a roçar o criminoso”; “considero que a minha viatura foi sabotada pela oficina deste concessionário”; “considero, assim, que tendo eu decidido não aceitar os argumentos do concessionário de que o motor tinha um problema, foram deliberadamente criadas, por aquela oficina, as condições para que viesse, efetivamente, a ter um problema com o motor da minha viatura”; “considero que o comportamento incompetente e laxista da chefia deste concessionário e criminoso da sua oficina”; e ainda, “assemelhando-se mais ao de uma oficina mafiosa de beco”.
17. Não se entende a interpretação sui generis do Tribunal a quo do referido email, ao considerar que o Arguido se limitou a escrever o que na altura julgava ter ocorrido, em virtude da falta de prestação de informações, quando consta expressamente do mesmo a intenção única do Arguido de sancionamento da Assistente: “peço, assim, para que sejam tomadas as devidas diligências para averiguar esta situação e se promova o sancionamento deste concessionário. Peço ainda que me seja dado conhecimento das diligências tomadas em relação a esta denúncia”.
18. O Arguido levou a cabo a sua intenção de submeter o seu veículo a diagnóstico noutra oficina, tendo-se concluído do diagnóstico efetuado, tal como consta do email datado de 15 de dezembro de 2020, junto aos autos a fls. 73v, 74 e 74v, que “a. a quantidade de óleo do motor não era excessiva; b. o óleo estava em perfeitas condições; c. depois de reposto o óleo no motor, o indicador continuava a indicar um nível excessivo de óleo no motor”. Pelo que (…) o problema de indicação de excesso de óleo de motor se devia à avaria do respetivo sensor e não a um excesso de óleo”.
19. Rematando, no email melhor identificado em 19. Que “após a avaliação efetuada no outro concessionário BMW, verifiquei que, efetivamente, não tinha sido efetuado nenhum atesto de óleo, como acima referi”.
20. Sendo que em resposta ao seu email, em 11 de janeiro de 2021 (a fls. 73 e 73v), e contrariamente ao que o Arguido quis fazer crer ao longo do seu depoimento em audiência de julgamento, a marca BMW referiu que a reparação sugerida pela Assistente não seria necessariamente infundada: “também não se poderá descartar a necessidade futura de efetuar a reparação indicada pela AMGCar, sendo que, a Caetano Baviera Lisboa, se mostrou disponível para efetuar um diagnóstico mais aprofundado ao seu BMW”.
21. Em face do resultado do diagnóstico efetuado ao veículo noutro concessionário e do teor dos emails trocados com a BMW, o Arguido confessou ter utilizado expressões desadequadas que em nada refletem a atuação da Assistente, alegando ter-se excedido nas palavras utilizadas.
22. Assim como confessou que em momento algum, o representante legal da Assistente ou qualquer um dos seus trabalhadores lhe comunicou que efetuaram uma intervenção no óleo do motor.
23. Pelo que da prova produzida em audiência de julgamento, cremos, salvo melhor opinião, que a Assistente prestou o seu serviço ao Arguido de acordo com os procedimentos definidos pela BMW Portugal, tendo informado o mesmo de todos os problemas detetados e justificado as reparações propostas.
24. Não se podendo infirmar das declarações do Arguido que a Assistente não prestou todos os esclarecimentos necessários e solicitados, bem como que se mostrou indisponível para resolver os problemas que o referido veículo apresentasse.
25. Atendendo a que a Assistente não efetuou no veículo do Arguido qualquer intervenção que não tivesse sido solicitada, e muito menos sabotou o referido veículo, não atuou, em algum momento, de modo a justificar as expressões empregues no email que o Arguido dirigiu à BMW.
26. Cremos, por isso, igualmente, que andou mal o Tribunal a quo quando, em consequência do supra referido, concluiu que “tendo o arguido um carro BMW e tendo ido a um concessionário da BMW para reparar o seu veículo automóvel, é natural que, tendo ficado descontente com o serviço prestado se queixe junte da BMW. Donde concluímos que a intenção do arguido quanto enviou o email foi no sentido da BMW resolver o problema do seu veículo automóvel e alertar para o que tinha corrido mal com a assistente, não obstante as palavras que utilizou”.
27. Desde logo porque tinha conhecimento da falsidade dos factos invocados, sendo a finalidade principal e única do referido email o sancionamento da Assistente, como, aliás, se
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