Acórdão nº 395/23.8GDCBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 06-03-2024

Data de Julgamento06 Março 2024
Ano2024
Número Acordão395/23.8GDCBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 2))

Acórdão, deliberado em conferência, da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I.

RELATÓRIO


I. O Ministério Público veio interpor recurso da sentença proferida no processo sumário nº 395/23...., do Juízo Local Criminal de Coimbra – J..., Tribunal da Comarca ..., que julgou absolveu o arguido AA da prática de dois crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.ºs 1 e 2, do Dec.-Lei n.º 2/98, de 3.1.


*


I.1. Decisão recorrida (que se transcreve na parte com relevo).

“(…)FACTOS PROVADOS

Da instrução e discussão resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 10 de Outubro de 2023, pelas 18:35 horas, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Volkswagen, matrícula ..-ER-.., em via pública sita em ..., ..., tendo na sua posse documento com os dizeres “Carteira Nacional de Habilitação” com o nº ...74 emitida pela República Federativa do Brasil em que o arguido consta como respetivo titular e cuja validade caducara a 20/07/2023.

2. O documento supra identificado foi apreendido pelos militares da GNR às 18.35 horas do dia 10 de Outubro de 2023.

3. Nesse mesmo dia 10 de Outubro de 2023, pelas 19.45 horas, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca Volkswagen, matrícula ..-ER-.., na Avenida ... na cidade ....

4. O arguido, não obstante, saber que não podia conduzir aquele veículo em virtude de a carta de condução de que era titular se encontrar caducada, não se absteve de o fazer.

5. Agiu o arguido com o intuito de conduzir o referido veículo apesar de saber que não era titular de documento válido que o habilitasse a conduzir.

6. O arguido agiu de forma forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta, era proibida e punida por lei.

7. O arguido trabalha numa empresa gráfica de publicidade, auferindo o SMN.

8. Reside com a sua companheira, de nacionalidade brasileira, empregada fabril, a qual aufere o SMN.

9. O arguido e sua companheira residem em casa arrendada, pagando a renda mensal de € 410,00, que é suportada a meio por ambos.

10. O arguido não tem ninguém a seu cargo.

11. O arguido e sua companheira despendem mensalmente a quantia média em alimentação no montante de € 350,00.

12. O arguido paga mensalmente a quantia de € 30,00 em despesas de telemóvel.

13. O arguido não tem antecedentes criminais.

*

(…)

A questão a decidir prende-se com o enquadramento legal da conduta do arguido, ante a factualidade provada.

Como é sabido, a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa subscreveram a Convenção de Viena de 8 de Novembro de 1968, sobre circulação rodoviária.

No dia 01 de Agosto de 2022, entrou em vigor o Decreto-Lei nº 46/2022, de 12 de Julho.

A finalidade assumida da publicação do Decreto-Lei nº 46/2022, como expressamente se prevê no respetivo artigo 1º, foi a de alterar o Código da Estrada com vista a conceder habilitação à condução de veículos a motor em território nacional aos detentores de títulos de condução emitidos por Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Como se explicita no respetivo preâmbulo: “A liberdade de circulação é um elemento essencial para o exercício pleno da cidadania, para tal, Portugal tem procurado reforçar os direitos dos cidadãos estrangeiros que se deslocam para o nosso país, quer tratando-se de deslocações temporárias com finalidades turísticas quer tratando-se de deslocações para trabalhar ou investir no nosso país.

O XXIII Governo Constitucional reiterando o seu compromisso por uma integração dos migrantes, que passe pelas melhorias da sua qualidade de vida, entende ser essencial simplificar a habilitação para a condução de veículos a motor, elemento fundamental para uma garantia de mobilidade em todo o território nacional.

Face ao exposto e com vista a reforçar e a melhorar a mobilidade entre cidadãos de Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e de Estados-Membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, procede-se a uma alteração ao Código da Estrada. Em consequência promove-se a dispensa das trocas de cartas de condução, habilitando-se a condução no território nacional com títulos emitidos naqueles Estados, através do reconhecimento dos títulos de condução estrangeiros.”.

O citado Decreto-Lei nº 46/2022, procedeu à alteração do art. 125º do Código da Estrada, passando o mesmo a ter a seguinte redação:

1–Além da carta de condução são títulos habilitantes para a condução de veículos a motor os seguintes:

a)-Títulos de condução emitidos pelos serviços competentes pela administração portuguesa do território de Macau;

b)-Títulos de condução emitidas por outros Estados membros da União Europeia ou do espaço económico europeu;

c)-Títulos de condução emitidos por outros Estados-Membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) ou da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), desde que verificadas as seguintes condições cumulativas:

i)-O Estado emissor seja subscritor de uma das convenções referidas na alínea seguinte ou de um acordo bilateral com o Estado Português;

ii)-Não tenham decorrido mais de 15 anos desde a emissão ou última renovação do título;
iii)-O titular tenha menos de 60 anos de idade;

d)-Títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro em conformidade com o anexo n.º 9 da Convenção Internacional de Genebra, de 19 de setembro de 1949, sobre circulação rodoviária, ou com o anexo n.º 6 da Convenção Internacional de Viena, de 8 de novembro de 1968, sobre circulação rodoviária;

e)-Títulos de condução emitidos por Estado estrangeiro, desde que em condições de reciprocidade;

f)-[Revogada.]
g)-Licenças internacionais de condução, desde que apresentadas com o título nacional que as suporta;

h)-Licenças especiais de condução;

i)-Autorizações especiais de condução;

j)-Licença de aprendizagem.

2–A emissão das licenças e das autorizações especiais de condução bem como as condições em que os títulos estrangeiros habilitam a conduzir em território nacional são fixadas no RHLC.

3–Os titulares das licenças referidas nas alíneas d), e) e g) do n.º 1 estão autorizados a conduzir veículos a motor em Portugal durante os primeiros 185 dias subsequentes à sua entrada no País, desde que não sejam residentes.

4–Após fixação da residência em Portugal, o titular das licenças referidas no número anterior deve proceder à troca do título de condução, no prazo de 90 dias.
5–Os títulos referidos no n.º 1 só permitem conduzir em território nacional se os seus titulares tiverem a idade mínima exigida pela lei portuguesa para a respetiva habilitação, encontrando-se válidos e não apreendidos, suspensos, caducados ou cassados por força de disposição legal, decisão administrativa ou sentença judicial aplicadas ao seu titular em Portugal ou no Estado emissor.

6–[Revogado.]

7–[Revogado.]
8–Quem infringir o disposto nos n.ºs 3 a 5, sendo titular de licença válida, é sancionado com coima de (euro) 300 a (euro) 1500.
”.

Em face da nova redação do artigo 125º do Código da Estrada, condutas como a do arguido, deixaram de poder subsumir-se na previsão do artigo 3º, nºs. 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, subsumindo-se antes na contraordenação prevista no nº 8 do artigo 125º do Código da Estrada.

Este entendimento foi sufragado nos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 15 de novembro de 2022, e no do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07 de Fevereiro de 2023, ambos in www.dgsi.pt.

No citado acórdão do TR de Évora, depois de se referir a existência de prévias decisões em sentidos divergentes, argumentou-se que: “(…) com a entrada em vigor do DL n.º 46/2022, de 12/07 que alterou a redação do artº 125º do Cód. da Estrada condutas que, segundo uma corrente jurisprudencial, antes eram punidas criminalmente (como crime de condução de veículo sem habilitação legal), configuram agora uma mera contraordenação sancionada com coima de (euro) 300 a (euro)1500,assim, acreditamos nós, solucionando a referida divergência jurisprudencial”.

E, como se refere no acórdão do TR de Lisboa de 07.02.2023, que sufragou a posição do referido acórdão do TR de Évora, diz-se, propósito do citado DL nº 46/2022, «Na construção legislativa do regime aplicável aos títulos de condução estrangeiros, o Legislador optou pelo acolhimento da possibilidade de se reconhecer a revalidação de títulos cuja data de caducidade tenha sido já atingida, tal como sucede com os títulos de condução emitidos pelo Estado português.

E essa possibilidade constitui fundamento para se diferenciar o tratamento das infrações criminais e contraordenacionais.

Como se decidiu no Acórdão desta Relação de Lisboa de 22 de março de 2022:
“Não obstante, muito embora a lei tenha deixado de se referir ao «cancelamento» dos títulos de condução, designando todas as situações previstas quanto à perda de validade desses títulos como «caducidade», a verdade é que não deixou de prever dois momentos distintos: quando é atingido o limite da validade previsto no título – designadamente, no que agora importa, por ter o respetivo titular completado 50 anos de idade – este caduca, nos termos previstos no artigo 130º, nº 1, alínea a) do Código da Estrada.

Porém, a partir dessa data e durante os 10 anos subsequentes, é ainda possível a respetiva revalidação, nos termos do disposto no artigo 130º, nº 2, alínea a) do Código da Estrada. Tal revalidação deixa, no entanto, de ser possível decorridos 10 anos sobre aquela caducidade inicial – ficando então o título de condução caducado definitivamente (é o que decorre do já citado nº 3 do artigo 130º) – efeito que se produz apenas pelo decurso do tempo (conjugado com a inação do titular da carta de condução).

Esta modelação legal tem reflexos na responsabilidade penal/contraordenacional do titular...

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