Acórdão nº 3934/21.5T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-01-26

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão3934/21.5T8AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2023:3934.21.5T8AVR.P1
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
AA, contribuinte fiscal n.º ..., residente em Aveiro, e BB, contribuinte fiscal n.º ..., residente em Espinho, instauraram acção judicial contra CC, contribuinte fiscal n.º ..., e mulher DD, contribuinte fiscal n.º ..., residentes em Espinho, EE, titular do cartão de cidadão n.º ... e marido FF, contribuinte fiscal n.º ..., residentes em Espinho, e o MUNICÍPIO DE ESPINHO, representado pela Câmara Municipal de Espinho, sito Espinho.
Terminaram a petição inicial formulando os seguintes pedidos:
«ser reconhecido que: 1- a alteração ao loteamento promovida pela Câmara Municipal e pelos primeiros réus, consubstancia … um acto que não produz qualquer efeito na ordem jurídica, nem entre os proprietários dos lotes confinantes, aqui primeiros e segundos réus;
2- reconhecer que os lotes 3 e 4, pertença dos autores, nas exactas medidas, áreas e configurações, são aqueles que constam do alvará de loteamento inicial, das certidões das Conservatórias dos Registos Prediais e cadernetas prediais dos lotes 3 e 4, bem como das escrituras públicas de aquisição, sendo consequentemente declarado … que a alteração ao alvará promovida pelos primeiros réus e mal confirmada pela terceira ré, em nada pode afectar o legitimo direito de propriedade dos autores, devendo todos os réus, por via da presente acção ser obrigados a reconhece-los, nos exactos termos da aquisição originária por parte dos autores;
3- devem ainda os primeiros e terceira réus ser condenados … a pagar aos autores, de forma solidaria, a título de compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por estes sofridos, a quantia de 83.000 euros, quantia esta que em sede de execução de sentença deverá ser devidamente actualizada.»
Para fundamentar o seu pedido alegaram, em súmula, que por os terem comprado à anterior titular, são proprietários e têm inscritos no registo predial a seu favor dois prédios urbanos correspondentes aos lotes 3 e 4 do loteamento n.º 04/00, de 09/06/2000, aprovado pela Câmara Municipal de Espinho, sendo que a configuração, delimitação do loteamento e a divisão e respectiva configuração dos lotes proposta e autorizada pelos serviços competentes da Câmara Municipal de Espinho deu origem ao Alvará objecto de registo na Conservatória do Registo Predial, é a consignada na Guia n.º ….. Os casais réus são, por sua vez, proprietários dos restantes lotes do mesmo loteamento. Por requerimento datado de 22.05.2020, os réus CC e DD deram entrada na Câmara Municipal de Espinho de pedido de alteração ao alvará de loteamento, sobre o qual veio a ser proferido em 11.12.2020 pela Vereadora competente despacho de deferimento nas condições da informação dos serviços técnicos subjacente, na sequência do que foi emitido o aditamento n.º 1/21 ao Alvará n.º ... e remetido ofício à Conservatória do Registo Predial, com cópia do aditamento e fotocópia do alvará de loteamento inicialmente emitido n.º 4/2000, para efeitos do averbamento previsto no n.º 7 do artigo 27.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE). Tais actos administrativos praticados pela 3.ª ré alteram de forma ilegal o loteamento original violando os direitos de propriedade dos autores e são por isso actos nulos, por violação do disposto no art.º 68.º do RJEU. Tais comportamentos dos réus CC e DD e Município de Espinho causaram vários prejuízos aos autores cujo ressarcimento estes pretendem.
Os réus foram citados e apresentaram contestação defendendo a improcedência da acção.
Na sua contestação o réu Município de Espinho arguiu a excepção da incompetência em razão da matéria, defendendo que a competência para julgar a acção é dos Tribunais Administrativos.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, declarando a incompetência material do tribunal judicial e absolvendo os réus da instância.
Do assim decidido, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1 - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Mmo. Juiz do tribunal a quo, que, nos termos dela constantes, julgou-se materialmente incompetente para decidir a causa, por julgar verificada a incompetência absoluta do tribunal, e pela mesma constituir uma excepção dilatória que conduz à absolvição da instância, nos termos do disposto dos artºs 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2 e 577º, al. a), todos do Código de Processo Civil.
2 - Independentemente dos pedidos formulados, e como tem sido jurisprudência unanime dos nossos tribunais, independentemente dos pedidos formulados a final, o tribunal deve atender ao todo que constitui a petição inicial, e como tal enquadrar os pedidos efectuados como uma decorrência do que vem peticionado em sede do articulado petição inicial.
3 - Julgamos que, e sem prescindir do que infra se irá concluir, que o Mmo. Juiz do tribunal a quo, não só profere sentença a considerar-se incompetente em razão da matéria, olhando tão somente para os pedidos formulados a final, não tendo em conta, como devia, a todo o articulado.
4 - Refere-se ainda, e igualmente, sem prescindir do que infra se irá concluir, e apenas por mero dever de patrocínio, que o Mmo. Juiz do tribunal a quo, caso considerasse que os pedidos formulados eram “obscuros”, devia por força legal, ter obrigado os autores a aperfeiçoar o articulado apresentado, o que igualmente não se verificou.
5 - Os autores, conforme supra se referiu intentaram contra os réus acção para reivindicação e defesa da propriedade, sendo que desde logo, este tipo de acção, não existe no ordenamento administrativo, sendo uma espécie de acção destinada tão somente à apreciação por parte dos tribunais cíveis, mais ainda porque os réus são pessoas singulares, ainda que da petição inicial se peça que a entidade pública também chamada como ré seja condenada a reconhecer, o que civilmente, viesse a ser decidido nessa sede.
6 - Acrescente-se que é a o próprio Município de Espinho, que nas diversas comunicações enviadas aos autores, e que se encontram juntas com a petição inicial, o refere – são assuntos de natureza particular entre os proprietários dos lotes e como tal, devem ser os mesmos, particularmente, a “resolver” as questões em que estão em desacordo, sendo que igualmente os próprios proprietários, réus, dos lotes, igualmente não alegam sequer a Incompetência em razão da matéria em sede de contestação apresentada.
7 – Os actos de gestão urbanística não definem a situação jurídica de terceiros, que não podem ver a sua esfera jurídica por eles afectada, designadamente os direitos que decorrem de normas jurídico-privadas, pelo que do exposto decorre que existe uma independência essencial entre os actos de gestão urbanística e as regras de direito privado, em consequência do que os actos de gestão urbanística não são susceptíveis de modificar, de qualquer modo, direitos ou obrigações que existam nas relações entre os particulares, não podendo, por isso, valer como título de propriedade.
8 - É assim porque, reitera-se, não é o acto de licenciamento que eventualmente viola o direito de propriedade de terceiros, uma vez que a legalidade do acto de licenciamento apenas depende da respectiva conformidade com as normas de direito público – as regras de gestão urbanística, e já não com as regras reguladoras das relações jurídico-privadas, como é o caso do direito de propriedade.
9 - Uma vez assente que um acto de licenciamento
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