Acórdão nº 393/22.9T8ABT.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 19-03-2024

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão393/22.9T8ABT.E2
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora


ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo de Recurso de Contra-Ordenação, que com o nº 393/22.9T8ABT, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Abrantes, a arguida “A”, pessoa coletiva nº (…..), com sede nos lotes 43 e 44, do Parque Industrial de Abrantes, em Alferrarede, Abrantes, interpôs recurso de impugnação judicial, da decisão administrativa proferida no processo de CO/001143/17, pela “Inspecção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território - (IGAMAOT)”, que lhe aplicou coima no valor de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática, a título de negligência de uma contraordenação ambiental muito grave prevista e punida pelos artigos 3º, nº 1, alínea b) e 9º do Regulamento (CE) nº 1013/2006, de 14-06 e artigo 9º, nº 1, alínea b), do Dec. Lei nº 45/2008, de 11-03, sancionável a título de negligência nos termos previstos no artigo 22º, nº 4, alínea b), da Lei nº 250/2006, de 29-08, alterada e republicada pela Lei nº 114/2015, de 28-08.

Enviados os autos ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Abrantes, remeteu-os a juízo, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1, do artigo 62º, do Regime Geral das Contra-Ordenações.
Pela juiz titular do Juízo Local de Criminal de Abrantes, após consulta dos autos foi proferido despacho nos termos do disposto no artigo 63º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, que negou provimento ao recurso de impugnação e, manteve a decisão administrativa nos seus exactos termos.

Inconformada com esta decisão, a arguida “A”, dela interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
I. Pelo presente recurso a Recorrente a revogação da sentença recorrida, tendo por dois fundamentos, que na sua perspetiva, concorrerão para motivar a revogação da sentença por este venerando Tribunal.
II. Em primeiro lugar, a sentença recorrida enferma de um erro de julgamento por não considerar a inexistência de ilícito contraordenacional.
III. Tal vício resulta da errada interpretação e aplicação das disposições conjugadas do artigo 3º/1, b) e 9º/6 do Regulamento (CE) nº 1013/2006 no que toca às datas de realização de movimentos transfronteiriços de resíduos.
IV. Das disposições supra mencionadas resulta que o início da transferência de resíduos tem de ocorrer durante o prazo de validade do processo de notificação.
V. Destarte, a sentença recorrida preconiza uma interpretação, de acordo com a qual a transferência de resíduos, tem de estar concluída, dentro do prazo de validade do processo de notificação.
VI. Esta interpretação desconsidera, o elemento literal da lei, assim como o próprio elemento histórico.
VII. Fruto desta incorreta interpretação, a sentença recorrida, viola, de forma gravíssima, o princípio da legalidade (consagrado no texto constitucional, mais especificamente, no artigo 29º, assim como no artigo 3º, nº 1 da LQCA), na sua exigência de lei escrita, por considerar que a Recorrente praticou um ilícito contraordenacional, tendo por base uma interpretação das normas do Regulamento (CE) nº 1013/2006.
VIII. Em segundo lugar, o Tribunal a quo cometeu outro erro de julgamento por não considerar a verificação de erro sobre a ilicitude, não censurável, que exclui a culpa.
IX. Este vício advém de a sentença recorrida, dispor, a este respeito, o seguinte: “Se cumpriu prazo em 9 movimentos e não cumpriu em 7, não se pode dizer que a arguida estava a atuar em erro que não lhe era censurável.”
X. O profundo e gravíssimo erro, reside no facto de a douta sentença, não verificar que se encontram preenchidos os requisitos que permitem afirmar a existência de uma conduta jurídica reta por parte da Recorrente, que é o critério utilizado para averiguar a existência de erro sobre a ilicitude não censurável.
XI. Mesmo que proceda a interpretação preconizada pelo Tribunal a quo, o que apenas por mera cautela se admite, verifica-se que Recorrente, efetivamente, desconhecia a proibição: ou seja, a Recorrente desconhecia que o resíduo deveria chegar à instalação de eliminação/valorização dentro do período de validade do processo de notificação. E este desconhecimento não lhe é minimamente censurável.
XII. Mais grave ainda, é que não só não verifica que os requisitos estão preenchidos, como nem sequer faz menção alguma ao critério da conduta jurídica reta.
XIII. Adicionalmente, incorre no equívoco ao utilizar o critério do “homem médio” para argumentar no sentido da não existência de erro sobre a ilicitude não censurável. É que só se pode falar em censurabilidade da falta de consciência do ilícito em casos muito específicos, (e.g., quando a conduta do agente revela uma insensibilidade).
XIV. Aliás verifique-se até que a intenção da Recorrente nunca foi a de atuar em violação de qualquer disposição legal (ou sequer percecionado por esta como uma possibilidade), pelo facto de, até à data da inspeção que desencadeou o processo de contraordenação sub judice nunca as autoridades competentes com quem a Recorrente estabelece relações tinham procedido à interpretação restritiva efetuada pelo Tribunal a quo.
XV. Por fim, é ainda necessário considerar o facto de que nenhuma das autorizações emitidas pela respetiva entidade competente, menciona, em local algum, a obrigação de que a data de receção do movimento tem de ocorrer dentro do período de validade do processo de notificação. Tão-pouco foi transmitido ou imposto à Recorrente que a data de receção do movimento tem de ocorrer dentro do período de validade concedido no processo de notificação.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a sentença de condenação proferida e absolver-se a Recorrente, assim se fazendo Justiça.

O Ministério Público, apresentou resposta ao recurso interposto, concluindo por seu turno (transcrição):

1. O art. 9º, nº 6, do Regulamento (CE) nº 1013/2006, de 14 de Junho determina que a transferência de resíduos apenas pode ter lugar “(…) durante o prazo de validade das autorizações tácitas ou escritas de todas as autoridades competentes”.
2. Tal terá de ser interpretado, em análise da letra da lei, de acordo com o entendimento vertido na douta sentença recorrida de que a operação de transferência terá de ser iniciada e concluída dentro do prazo da autorização concedida.
3. A não ser esse o entendimento, não se percebe o motivo pelo qual se estabelece um prazo e não se concede uma autorização específica para o acto, que cinja os seus efeitos ao acto de início da operação e transferência.
4. A finalidade da sujeição destas operações a autorização, tal como prevista no considerando nº 14 do Regulamento (CE) nº 1013/2006, de 14 de Junho, consiste na possibilidade de acompanhamento e tomada das medidas necessárias por parte das autoridades competentes em prol da defesa do ambiente e, por via dela, da saúde humana.
5. Ora, por via das autorizações concedidas, as autoridades competentes apenas estarão informadas e acompanharam, podendo tomar as medidas consideradas necessárias, durante o período de validade dessas autorizações.
6. Pelo que permitir que as operações de transferência de resíduos continuem a decorrer mesmo após o terminus daquele prazo, faria com que tais operações caíssem fora do acompanhamento e controlo daquelas autoridades, assim se comprometendo o fim da norma de defesa do ambiente e da saúde.
7. O facto de as normas de preenchimento dos documentos de acompanhamento dos resíduos se referirem ao momento inicial do transporte não põe em causa as conclusões até aqui alcançadas, seja porque não se trata de normas gerais e abstractas com força de lei, seja porque delas consta que o início deve ocorrer dentro do período de validade da autorização, não refere a possibilidade de terminar após o final desse prazo.
8. Por outro lado, não se nos afigura que possa colher a alegada existência de causa de exclusão da culpa por falta de consciência da ilicitude baseada em erro não censurável sobre a ilicitude.
9. Efectivamente, trata-se de uma empresa que labora nesta área desde 2006, tendo, no ano de 2015, realizado várias operações de transferência transfronteiriça de resíduos.
10. É uma área de negócio com normatividade muito técnica e específica cuja finalidade última é a protecção do ambiente e da saúde humana considerada de forma genérica.
11. Em consequência, tem esta empresa um especial dever de cuidado na aquisição de conhecimentos técnicos e legais relativamente à sua actividade.
12. Pelo que, não o fazendo, actuará com culpa.
*
Nestes termos, deve o recurso interposto improceder, confirmando-se antes a douta sentença proferida nos autos, pois que assim se fará, com o douto suprimento de Vossas Excelências,
Justiça.

Nesta Tribunal da Relação de Évora, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto, conforme melhor resulta dos autos.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo a arguida apresentada qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, foi realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.


B -
Na sentença recorrida consta o seguinte:
No processo de contraordenação nº CO/001143/17, a arguida (A), pessoa coletiva nº (…..), com sede nos lotes 43 e 44, do Parque Industrial de Abrantes, em Alferrarede, Abrantes, apresentou recurso de impugnação judicial, ao abrigo do disposto nos arts. 59º e ss. do D.L. nº 433/82, de 27-10, da decisão da IGAMAOT que o condenou na coima de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática, a título de negligência de uma contraordenação ambiental muito grave p. e p. pelos artigos 3º, nº 1, al. b) e 9º do Regulamento (CE)
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