Acórdão nº 393/20.3T8ABF-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19-03-2024

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão393/20.3T8ABF-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Proc. n.º 393/20.3T8ABF-A.E1


Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. (…), Comercial, Lda. instaurou contra (…) e outros, ação declarativa com processo comum, a que foi atribuído o valor de € 4.300.000,00.
A ação improcedeu em 1ª instância e a Autora, sem êxito, apelou da sentença; foi condenada em custas em 1ª e 2ª instância.
Alcançada a fase da conta e notificada para pagar a quantia de € 147.849,00, a título de taxas de justiça, a Autora reclamou da conta.
Alegou, no essencial: a “conta de custas notificada viola o direito de Acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como a Tutela Efectiva, colocando em crise a realização plena do Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado”; “a utilidade da própria ação (…) não equivale sequer ao valor total do contrato-promessa (€ 4.300.000,00), mas apenas a uma parte residual desse imóvel, ficando desde logo demonstrada a desproporcionalidade do valor atribuído à causa (…) que não ascenderia, e de forma generosa a uma valor superior a um milhão de euros (…)”; a resolução da causa não assumiu complexidade (…) a petição inicial contava com 44 artigos (…) o julgamento realizou-se com um único tema de prova (…) em duas sessões e de simplicidade notória (…)”; “a absoluta desadequação e desproporcionalidade da conta de custas final em função dos factos e do direito (…) violações estas que sempre determinarão a nulidade da própria conta, o que se invoca igualmente para todos os efeitos legais”.
Pediu: “a) Seja fixado o valor justo e proporcional à simplicidade da causa, como se alegou, e à consequente reduzida atividade jurisdicional do tribunal no julgamento de um único facto, que se provou, em cerca de quatro horas e que se traduziu numa sentença simples e curta e, subsequentemente, num acórdão reduzido e simples, o que não pode implicar custas superiores a € 15.000,00; b) Subsidiariamente, sempre se dirá que não poderiam as custas ser superiores ao montante equivalente àquele que seria fixado em caso de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, como é de Lei e de Justiça ou, no limite, fixado pelo valor económico correspondente a um milhão de euros (valor dos locados ocupados e cuja desocupação se pretendia através da presente ação), em cumprimento do disposto no artigo 529.º, n.º 2, do C.P.C. e, bem assim, dos artigos 3.º e 6.º do RCP.
Em vista do processo, o Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer pugnando pelo indeferimento do requerimento da reclamação considerando “não existirem fundamentos legais para o mesmo.”

2. Sobre o requerimento recaiu o seguinte despacho:
Reclamação da conta de custas – fls. 547
Considerando:
- O fundamento apresentado para a reclamação da conta de custas, isto é, a fixação de um valor justo e proporcional à simplicidade da causa, acrescentando ainda a autora reclamante que não poderiam as custas ser superiores ao montante equivalente àquele que seria fixado em caso de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça;
- O valor da causa de € 4.300.000 fixado no despacho de 2 de dezembro de 2020, ainda no Juízo Local de Albufeira, o qual transitou em julgado;
- A intervenção obrigatória de advogado nesta ação, estando as partes acompanhadas dos respetivos mandatários, os quais conhecem as normas vigentes, designadamente as relativas ao valor das taxas de justiça, tendo com certeza a autora ponderado esse e outros dados antes de propor a ação;
- O conteúdo do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais: nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento, sendo que o Tribunal não ponderou a aplicação da segunda parte da norma em vista da tramitação normal dos autos – com duas sessões de audiência e sentença –, nos quais ainda houve recurso;
- O facto de as partes não terem requerido sequer a dispensa do pagamento do remanescente atempadamente;
- O teor da promoção que antecede,
Indefiro.
Custas do incidente pelo mínimo.”

3. A Autora recorre deste despacho, motiva o recurso e conclui:
“1. Vem o presente recurso interposto do despacho que indeferiu (julgou improcedente) a reclamação de contas de custas apresentada pela Autora aqui Recorrente.
2. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o facto de a conta de custas notificada à Autora violar o direito ao Acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como a Tutela Efetiva, colocando em crise a realização plena do Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado, na medida em que, em conformidade com os artigos 2.º, 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa, não é admissível obstaculizar ou, pelo menos, dificultar objetiva e desproporcionalmente o direito ao acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva.
3. Não cuidou igualmente o Tribunal a quo de analisar a invocação da Autora segundo a qual a interpretação efetuada pelo Tribunal quanto ao teor do artigo 529.º, n.º 2, do CPC e, bem assim, quanto aos artigos 3.º e 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), ser contrária à Constituição da República Portuguesa, sendo o exemplo notório da violação do Estado de Direito Democrático, do direito ao acesso aos Tribunais e à Justiça.
4. O Tribunal a quo omitindo assim pronúncia expressa sobre a fundamentação de direito aduzida pela Recorrente, o que gera a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C. aplicável à decisão em crise por força do disposto no artigo 613.º, n.º 3, do mesmo diploma legal e que se invoca para todos os efeitos legais.
5. O Tribunal a quo, aparentemente, apoiado na promoção do Digno Magistrado do Ministério Público, considerou a reclamação apresentada pela Autora à conta de custas como um pedido encapotado de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que não é correto, tendo aplicado cegamente, e sem mais, o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do RCP, o que é ilegal e não se pode aceitar.
6. A conta de custas notificada à Recorrente viola o direito ao Acesso ao Direito e aos Tribunais, bem como a Tutela Efetiva, colocando em crise a realização plena do Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado, na medida em que, em conformidade com os artigos 2.º, 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3 e 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa, não é admissível obstaculizar ou, pelo menos, dificultar objetiva e desproporcionalmente o direito ao acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva.
7. O Tribunal a quo fixou o valor da ação em função do disposto no artigo 301.º do C.P.C., o que foi objeto de reclamação, tendo em consideração a injusta material de tal fixação, isto porque, e em primeira linha, a verdadeira utilidade dos presentes autos era a do cumprimento contratual da entrega do imóvel livre de ónus e encargos, ou seja, despojado dos lojistas que no imóvel ainda se encontram, não se discutindo nem peticionado a execução específica desse contrato.
8. O que estava em causa nos presentes autos não era o bem objeto desse contrato (este sim no valor de 4 milhões e trezentos mil euros), mas sim a condenação dos Réus a diligenciar no sentido da desoneração do imóvel (retirar do mesmo os ditos lojistas) objeto daquele contrato, o que representava uma parte
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