Acórdão nº 3914/21.0T8LRS.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-05

Ano2024
Número Acordão3914/21.0T8LRS.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, residente na Avenida …, nº ..., 1º Dt.º, Casal de Cambra intentou contra B, residente na Rua …, nº .., 15ºD, Torres …, Santo António dos Cavaleiros a presente acção especial de divisão de coisa comum, formulando a seguinte pretensão:
a. Que seja reconhecido o direito de compropriedade da autora e do réu, na proporção de metade para cada um deles, da fracção autónoma designada pelas letras “CI”, correspondente ao … (com arrecadação nº 49 no piso técnico) do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nº …, Santo António dos Cavaleiros, antiga freguesia de Santo António dos Cavaleiros, actual União das Freguesias de Santo António dos Cavaleiros e Frielas, concelho de Loures, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº …, freguesia de Santo António dos Cavaleiros e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 8, da União das Freguesias de Santo António dos Cavaleiros e Frielas, devendo proceder-se à sua divisão que, atenta a indivisibilidade em substância, deve ser obtida por via da adjudicação ou venda do bem, com repartição do respectivo valor.
Alegou, em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 10855055):
=> A autora e o réu são comproprietários da fracção autónoma identificada, destinada a habitação, com o valor patrimonial, determinado no ano de 2019, de 71 750,82 €;
=> A aquisição da propriedade está registada a favor da autora e do réu, em compropriedade, através da AP. 11 de 2004/08/15;
=> Sobre a fracção em causa incide hipoteca voluntária constituída a favor de “Unión de … (Soc. Unipessoal)”, para garantia do empréstimo contraído para a sua aquisição;
=> A autora não pretende continuar na situação de compropriedade, que, atentas as suas características e natureza, não é susceptível de divisão em substância, pelo que deve ser determinado o seu valor actual, sendo adjudicada ou vendida, para o que requer seja a credora hipotecária notificada para, querendo, vir aos autos reclamar o seu crédito.
O réu contestou a acção argumentando que não se verifica a compropriedade em partes iguais, pois que é ele quem, desde há seis anos, pagos os créditos bancários atinentes ao empréstimo contraído para a sua aquisição, no valor aproximado de 22.320,00€, que deve ser descontado na quota a atribuir à autora e valores de condomínio, pelo que deduziu reconvenção pedindo que tais valores sejam reconhecidos para efeitos de determinação da quota de cada consorte (cf. Ref. Elect. 12834235).
A autora apresentou réplica pugnando pela inadmissibilidade do pedido reconvencional e sustentou que a fracção foi adquirida em comum e partes iguais, onde viveram até 2017, tendo o réu continuado a ali residir após a saída da autora, passando a assumir sozinho o pagamento das prestações e aquela a suportar um encargo com renda com uma outra habitação, impugnando os valores apresentados. Mais deduziu a ampliação do pedido para que seja atendido o valor que suportou com o pagamento de rendas (cf. Ref. Elect. 12968823).
Em 2 de Março de 2023 foi proferido o seguinte despacho (cf. Ref. Elect. 155159171):
“Analisados os autos verifica-se que sobre a fração autónoma cuja divisão é requerida incide uma hipoteca registada a favor do “BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A.”.
Decorre do artigo 689.º n.º 2 do Código Civil que a divisão de coisa ou direito comum, feita com o consentimento do credor, limita a hipoteca à parte que foi atribuída ao devedor.
Ou seja, existindo um ónus sobre o bem a dividir, não pode esta ocorrer sem a intervenção do credor hipotecário. Com efeito, como assinala José Alberto Gonzalez1, «se a realização da divisão não estivesse dependente de consentimento do credor hipotecário, aquela poderia dar-se em seu prejuízo; bastaria que o consorte autor da hipoteca não se defendesse ou não o fizesse devidamente. Daí a solução do n.°2: a falta de consentimento do credor hipotecário para a divisão, não a invalidando, toma-a ineficaz ante ele (tudo permanecendo tal qual ela inexistisse) (…)».
A este propósito veja-se ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.02.2017, que na sua fundamentação se pronuncia sobre a questão ora em análise, «No caso dos autos, a autora alegou a compropriedade com o réu de um determinado prédio, que identificou, invocando, desde logo, a existência de dois contratos de mútuo contraídos junto do BES e a constituição de duas hipotecas incidentes sobre o bem dividendo, juntando, para tanto, documentos demonstrativos do alegado. Em face desta alegação, a Exma. Juíza do Tribunal a quo, elaborou – e bem - um despacho de aperfeiçoamento, no qual convidou a autora a sanar a ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio passivo necessário natural, mediante a dedução do adequado incidente, por forma a fazer intervir na acção o credor hipotecário, convite que a autora acatou, suscitando o incidente de intervenção principal provocado do então Banco E., actual Banco, S.A.» (nosso sublinhado).
Entende-se, assim, que no caso dos autos se está perante um caso de litisconsórcio necessário natural.
Todavia, a presente ação apenas foi proposta contra o comproprietário.
Face ao exposto, convida-se a Autora querendo, suprir a exceção de ilegitimidade passiva, por litisconsórcio necessário natural, ao abrigo do disposto nos artigos 33.º, 278.º, n.º 3, 311.º e 590.º n.º 2 alínea a), todos do Código Processo Civil.
Prazo: 10 dias.”
Por requerimento de 20 de Março de 2023, a autora veio requerer o prosseguimento dos autos por, no seu entender, não se verificar, no caso, preterição de litisconsórcio necessário natural, não tendo o credor hipotecário interesse igual ou paralelo ao da autora e do réu, únicos comproprietários da fracção, sendo estes quem deve intervir na fase declarativa da acção de divisão de coisa comum; aquele credor apenas deverá reclamar o seu crédito, na fase executiva, se se proceder à venda (cf. Ref. Elect. 1354675).
Em 20 de Abril de 2023 foi proferido despacho a ordenar a notificação do requerido sobre a eventual verificação de preterição de litisconsórcio necessário natural e sua consequente absolvição da instância, que, notificado, nada disse (cf. Ref. Elect. 156299401).
Em 27 de Junho de 2023 foi proferido despacho que determinou que os autos seguissem a forma simplificada, nos termos do art.º 926.º n.º 2 do Código de Processo Civil[1], indeferiu o pedido reconvencional e julgou verificada a excepção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário natural e, em consequência, determinou a absolvição do réu da instância (cf. Ref. Elect. 157171663).
Inconformada com esta decisão, a autora veio interpor o presente recurso, cuja motivação concluiu do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 14233297):
A) Em 05/05/2021, a ora recorrente interpôs contra B, junto do Juízo Local Cível de Loures, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Acção declarativa especial de divisão de coisa comum, à qual, após distribuição ao Juiz 2, foi atribuído o nº de processo 3914/21.0T8LRS, peticionando a divisão da fracção autónoma destinada a habitação designada pelas letras “CI”, correspondente ao …. (com arrecadação nº …. no piso técnico) do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nº …., Santo António dos Cavaleiros, antiga freguesia de Santo António dos Cavaleiros, actual União das Freguesias de Santo António dos Cavaleiros e Frielas, concelho de Loures, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº 94, freguesia de Santo António dos Cavaleiros e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo 8, da União das Freguesias de Santo António dos Cavaleiros e Frielas, com o valor patrimonial actual (CIMI), determinado no ano de 2019, de €71.750,82 (cfr. Petição Inicial refª 10855055);
B) A propriedade da sobredita fracção encontra-se registada a favor da A. e do R, em compropriedade e em partes iguais, através da AP. 11 de 2004/08/15, por compra a JM (cfr. certidão permanente de registo predial);
C) Sobre a mesma fracção incide hipoteca voluntária constituída a favor de “Unión de Créditos … (Soc. Unipessoal)”, com sede na Avª Engenheiro …, Torre …, 12º, em Lisboa, para garantia do empréstimo contraído para aquisição do imóvel, ónus que se encontra registado pela AP. 12 de 2004/08/25 (cfr. certidão permanente de registo predial);
D) Por despacho de 02/03/2023 (cfr. refª 155159171), foi a ora recorrente convidada a suprir a excepção de ilegitimidade passiva, por litisconsórcio necessário natural, ao abrigo do disposto nos artigos 33º, 278º, nº 3, 311º e 590º, nº 2 alínea a), todos do Código Processo Civil, deduzindo o competente incidente de intervenção contra o identificado credor hipotecário;
E) Ao convite formulado, respondeu a ora recorrente, por requerimento de 20/03/2023 (cfr. refª 13546745), requerendo o prosseguimento dos autos, pugnando, em síntese, pela não verificação da suscitada excepção, porquanto na fase declarativa do processo de divisão de coisa comum, apenas os comproprietários extraem utilidade da procedência ou improcedência do pedido, só eles tendo legitimidade para demandar ou ser demandados nos termos do artigo 30º do CPC, sendo que, nessa fase declarativa e face ao objecto da acção, o credor hipotecário não detém um interesse igual (ou sequer paralelo) ao de A. e R., não sendo sujeito da relação material controvertida, pelo que não poderá ser parte nos presentes autos, cingindo-se a sua intervenção enquanto credor hipotecário, na fase declarativa do processo de divisão de coisa comum, à quantificação do seu crédito e à respectiva reclamação, na fase executiva, se houver lugar à venda da coisa, nos termos do preceituado nos artigos 549º, nº2, 786º e 788º, nº 1, todos do CPC;
F) Na sequência, é prolatado, em 27 de Junho de 2023 (refª 157171663), o Despacho Saneador-Sentença
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