Acórdão nº 3870/20.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-02-15

Ano2024
Número Acordão3870/20.2T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Maria da Conceição Bucho
2ª Adjunta: Sandra Melo
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Notificadas do acórdão proferido nos autos, vieram ambas as recorrentes - “EMP01..., SA”, e “EMP02...” -, nos termos do artigo 616º nº 1 do CPC (ex vi do art.º 666º do mesmo diploma legal), requerer a Reforma do mesmo quanto a Custas, nos termos e com os seguintes fundamentos (que reproduzimos na íntegra):

“Nos autos supra referenciados, em que é Recorrida EMP02..., vem a recorrente EMP01..., SA, requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, nos termos do art. 6º n.º 1 do RCP, como segue:

1º Estabelece o artigo 6º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais (doravante R.C.P.) que «nas causas de valor superior a (euro) 275.000,00€ o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
2º Sucede que o artigo vindo de referir não define a «complexidade da causa», nem concretiza quais as causas que devam ser consideradas complexas.
3º No entanto, o artigo 530.º, n.º 7 do CPC, enumera, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, as ações e procedimentos cautelares que o legislador considerou de especial complexidade: a) aqueles que «contenham articulados ou alegações prolixas»; b) aqueles que «digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso»; e c) aqueles que «impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».
4º Será, então, através a enumeração do artigo 530º n.º 7 do CPC que o julgador poderá determinar se a causa é ou não complexa.
5º Nesse sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de novembro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 342/09, disponível in www.dgsi.pt: «O critério da complexidade da causa pode ser retirado interpretativamente do disposto no art. 530º, nº 7, suas alíneas, a) a c), do NCPC, onde se refere a que: contenha articulados ou alegações prolixas; diga respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou implique a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.»
6º Ora, transpondo tais critérios para a presente instância recursiva, verifica-se que não foram apresentados pela Recorrente ou pela Recorrida quaisquer articulados ou alegações prolixas.
7º Por outro lado, as questões discutidas no presente autos de recurso não é de elevada especialização ou especificidade técnica, tão pouco tendo importado a análise combinada de temáticas jurídicas de âmbito diverso, designadamente por suscitarem a aplicação de normas jurídicas de institutos diferenciados.
8º Em vista do exposto, forçoso é concluir que a imputação de qualquer remanescente de taxa de justiça à Recorrente e à Recorrida corresponderá a uma flagrante desproporcionalidade entre o serviço prestado às partes e o custo cobrado por esse serviço.
9º Dito de outro modo, estar-se-ia perante solução atentatória do princípio basilar – ínsito no RCP – da proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça a pagar por cada interveniente no processo e a contraprestação inerente aos custos para o sistema de justiça. 10º Isto porquanto resulta do aludido princípio que tem de existir uma proporção adequada e justa, suscetível de ser entendida pela parte processual, entre o montante liquidado e o valor do serviço público prestado pelos tribunais.
11º Com efeito, é hoje dado assente que o valor da ação, e neste caso em concreto, o valor do recurso, não constitui critério único de determinação da taxa de justiça.
12º Neste sentido, vejam-se os ensinamentos de SALVADOR DA COSTA: «O valor da acção deixou assim de ser o único elemento a considerar para efeitos de fixação da taxa de justiça, estabelecendo se um sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite, e, por outro, na sua correcção em casos de processos especialmente complexos».
13º O sistema misto adotado pelo legislador português constitui manifestação e afloramento do princípio do acesso ao direito e aos tribunais, representando, concomitantemente, emanação da garantia de tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrada no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
14º Fixar, assim, a taxa de justiça recurso atendendo unicamente ao valor da causa, ou ao valor atribuído ao recurso configuraria grave violação do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva.
15º Dir-se-á até que a interpretação das normas dos artigos 6.º, nos 1, 2 e 7 e 7.º, n.º 2, do RCP no sentido de fazer depender o montante da taxa de justiça do valor da ação (numa progressão infinita) se afigura manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e aos tribunais e da garantia da tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.° da CRP, do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18°, n.° 2 da CRP, e da igualdade, previsto no artigo 13.° da CRP, na medida em que não existe contrapartida ou correspetividade entre o valor da taxa de justiça devida, nos termos daquelas normas, e o serviço prestado pelo tribunal,
16º Inconstitucionalidade que aqui se deixa arguida, para todos os efeitos legais: É inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e aos tribunais e da garantia de tutela jurisdicional efetiva, consagrados no artigo 20.° da CRP, do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.°, n.° 2 da CRP, e do princípio da igualdade, consignado no artigo 13.º da Lei Fundamental, a interpretação das normas contidas nos artigos 6.º, n.º 1, 2 e 7 e 7.º, n.º 2, do RCP, no sentido de fazer depender o montante da taxa de justiça do valor da ação, em progressão infinita.
17º O Tribunal Constitucional tem perfilhado o entendimento segundo o qual, gozando o legislador de ampla margem na definição do cálculo do montante de taxa de justiça devida pela utilização do sistema de justiça, tais montantes devem, em todo o caso, situar-se dentro dos parâmetros constitucionais da garantia de acesso aos tribunais e da proibição do excesso (proporcionalidade), sob pena de inconstitucionalidade (cfr., por todos, o acórdão nº 471/2007, de 25SET2007 - DR, II, 31OUT2007).
18º Acresce que essa exigência de proporcionalidade, de não arbitrariedade das custas judiciais, sob pena de violação do direito de propriedade, tem vindo a ser também reconhecida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [cfr. acórdão de 16 de novembro 2010, proferido no caso Perdigão vs. Portugal (...68/06)].
19º Finalmente, no que respeita à respetiva conduta processual, também não se poderá apontar às partes quaisquer comportamentos dilatórios ou que obstassem ao decurso normal da instância recursiva.
20º A este respeito, a jurisprudência tem entendido que, na conduta processual das partes, deverá ter-se por luz orientadora o disposto nos artigos 7.º, 8.º e 9.º do CPC, dos quais se retiram os deveres das partes de agir de boa-fé, com recíproca correção e de cooperar mutuamente e com o tribunal para com brevidade e eficácia se alcançar a justa composição do litígio.
21º O montante do remanescente da taxa de justiça devido nesta instância recursiva, não encontra respaldo no princípio da equivalência, nem no princípio da cobertura de custos (não se verifica a necessária correspetividade), sendo exorbitante e desproporcionado face (i) às alegações das partes, (ii) às questões em discussão e, bem assim, (iii) à conduta das partes.
22º Uma vez que a tramitação do presente recurso se revelou ordinária e não comportou custos consideráveis ou dispendiosos para o sistema judicial e não obstante o recurso ter um valor elevado, o julgamento do mesmo não envolveu complexidade distinta dos demais recursos cujo valor é inferior e a sua tramitação foi, tanto o quanto possível, simplificada através da conduta cooperante e colaborante das partes.
23º Decorre do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, datado de 13-03-2014 (in www.dgsi.pt) que: «a decisão judicial de dispensa, com características excecionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes redunda na constatação de uma menor complexidade ou da simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.» e
24º Por sua vez, dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 21-05-2013 (in www-dgsi.pt) que: «O direito de acesso aos tribunais não compreende um direito à gratuitidade do serviço de justiça, sendo, pois, legítima a exigência do pagamento do serviço de justiça; Todos os processos, salvo se beneficiarem de isenção legal, estão sujeitos a custas (que em rigor são a única fonte de financiamento do sistema judicial que se encontra...

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