Acórdão nº 38/20.1T8CBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-07-10

Ano2023
Número Acordão38/20.1T8CBC.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte
ACÓRDÃO

I. Relatório:

Na presente ação declarativa comum, movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação dos BALDIOS DE ... E ..., contra AA, BB, CC:

1. O autor:
1.1. Pediu
a) A condenação dos réus «a reconhecer que o prédio rústico objecto de compra e venda entre os mesmos é parte integrante do Baldio de ... e ...;».
b) A declaração de nulidade da «escritura pública de compra e venda celebrada entre os Réus;».
c) A condenação dos réus «a não mais praticarem quaisquer actos sobre a parcela de terreno em causa, respeitando a sua administração pelos órgãos próprios do Baldio de ... e ....»
d) O «cancelamento da descrição n.º ...31 da Conservatória do Registo Predial ... e respectiva inutilização.»
1.2. Alegou, como fundamento:
1.2.1. Da sua legitimidade: que o Ministério Público tem legitimidade para instaurar a presente ação, nos termos dos arts.219º da CRP, do art.4º/1-r) e 9º/1-g do EMP e art.6º/3, 4, 9-b) da Lei nº75/2017, de 17 de agosto.
1.2.2. Dos pedidos, os seguintes factos:
a) Que existe em ... e ... um baldio de centenas de hectares de terreno sem cultivo, onde se integra a parcela inscrita no art....60º da matriz predial rústica do lugar ..., freguesia ... e concelho ..., que sempre esteve em benefício da sua população desde tempos imemoriais (para cortar lenha e mato/tojo, plantio de árvores), de forma consensual, ininterrupta, à vista de todos, na convicção do prédio se destinar ao uso comum.
b) Que a1ª ré vendeu aos 2º e 3º réus a 07.10.2009 um prédio, que havia registado em seu nome a 31.01.2006, por sucessão hereditária, prédio essa que abrange a parcela de baldio “...” identificada em a) (remetendo para documento nº... junto com a petição inicial, a fls.94, denominado «Implantação de área em Ortofotomapa de 2015», do concelho diretivo dos Baldios de ... e ..., que assinala duas parcelas A e B numa área mais ampla, com uma legenda que refere que A corresponde a «Área de baldio com intervenção de particular» e que B corresponde a «Área de baldio sem intervenção de particular»).
c) Que, após a compra, o 2º e 3º réus procederam à limpeza florestal de parte do prédio, que pertence ao Baldio e não a si (arts.29º e 30º), comportamento que lhes causa prejuízo aos compartes do baldio, que se vêem impedidos de em tal parcela de terreno apascentarem os seus animais, cortarem lenhas, madeiras e tojo (arts. 32º e 33º).
2. A 1.ª ré, citada, não contestou nem constituiu mandatário.
3. Os 2.º e 3.ª ré contestaram por impugnação direta e motivada, na qual, nomeadamente, para além de negarem os factos alegados da petição inicial, afirmaram: que são proprietários do prédio comprado, por aquisição derivada, presunção do registo e aquisição por usucapião; que este prédio (com limites e composição que descreveram parcialmente) integra as parcelas A e B identificadas no ortofotomapa junto com a petição inicial (com indicação de fls.94), na qual, os próprios e antepossuidores, cortaram e limparam e mandaram cortar e limpar mato, construíram uma corte e abriram para as parcelas duas portas, nos termos de atos de posse determinantes da usucapião; que essas parcelas A e B, por isso, não integram nem os baldios de ..., nem a parcela do art....60º (cujos elementos descritos não coincidem com aquelas parcelas, referindo-se este artigo a outro local ou tendo sido criado com factos falsos); que quando realizaram a limpeza do terreno após a compra, esta não foi objeto de reclamação e foi até realizada por equipa do Conselho Diretivo dos Baldios, contratada pelo 2º réu,
4. Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho a convidar o Ministério Público a apresentar articulado aperfeiçoado, a suprir as imprecisões (sem identificação das mesmas).
5. Na sequência do despacho de I-4 supra:
5.1. O Ministério Público declarou juntar petição aperfeiçoada, na qual:
5.1.1. Corrigiu os pedidos, pedindo os seguintes termos clarificados quanto à parcela baldia:
a) A condenação dos réus no reconhecimento que «a parcela rústica denominada ..., sita no lugar ..., na freguesia ..., concelho ..., composta por mato, pinhal e pastagem, com a área de 0,567000 hectares, inscrita na respetiva matriz predial sob o artigo matricial ...60.º – Rústico, integra o Baldio de ... e ...».
b) A declaração de nulidade da «escritura pública de compra e venda celebrada entre os réus».
c) A condenação dos réus a absterem-se de praticar «quaisquer atos sobre a parcela de terreno referida em a), respeitando a sua administração pelos órgãos próprios do Baldio de ... e ...».
d) O «cancelamento da descrição n.º ...31 da Conservatória do Registo Predial ... e respetiva inutilização».
5.1.2. Reproduziu parcialmente a alegação da petição inicial, sem a indicação da legitimidade do Ministério Público e de consequências alegadas como subsequentes ou consequentes à venda e limpeza do terreno pelos 2º e 3º réus (prejuízo e impedimento de uso pelos compartes) e com a correção da indicação do baldio reivindicado (não indicado como prédio mas como parcela).
5.2. Os 2º e 3º réus cumpriram o contraditório quanto à mesma, por impugnação.
6. Foi proferido despacho de saneamento, no qual:
a) Foi fixado o valor de € 30 000, 01 à presente ação.
b) Foi saneado tabelarmente o processo.
c) Foi definido o objeto do litígio e foram fixados os temas de prova (da utilização alegada da parcela do art.4º da petição inicial, inscrita na matriz sob o art....60º e da aquisição pelos réus dessa mesma parcela).
d) Foram admitidos os requerimentos de prova e foi designada data para a realização da audiência.
7. Realizou-se a audiência final com observância do formalismo legal.
8. A 20.01.2023 foi proferida sentença, que decidiu:
«Pelo exposto, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
A. Condena os réus AA, BB e CC a reconhecerem que a parcela de terreno denominada «...», sita no lugar ..., na freguesia ..., concelho ..., composta por mato, pinhal e pastagem, com a área de 0,567 hectares, inscrita sob o artigo matricial ...60, e a confrontar do Norte com DD, do Sul com EE, do Nascente com FF e do Poente com GG, é baldia e integra os BALDIOS DE ... E ....
B. Condena os réus AA, BB e CC a absterem-se de praticar qualquer acto como proprietários sobre a parcela de terreno identificada supra em A.
C. No mais absolve os réus AA, BB e CC do peticionado.
Custas por autor e réus, na proporção de 10% da responsabilidade do Ministério Público, sem prejuízo da isenção objectiva que beneficia, e 90% da responsabilidade dos réus.
Notifique e registe.».
9. Os réus BB e mulher CC apresentaram as seguintes conclusões:
«A) DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
1- Dispõe o artigo 1311.º, n.º 1 do Código Civil que “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”, sendo que “havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei” (acrescenta o n.º 2).
2- Porque o fundamento da pretensão do Autor assenta na sua qualidade de proprietário da coisa reivindicada (Cfr. Artigo 498.º, n.º 4 2ª parte do Código de Processo Civil, onde encontra consagração expressa o princípio da substanciação), cabe-lhe o ónus de provar os factos por virtude dos quais a adquiriu.
3- Dispõe o artigo 1305.º do Código Civil que “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.”
4- Encontra-se aqui plasmado a noção de direito de propriedade como direito real de gozo máximo ou pleno, no sentido de “reconhecer ao seu titular a generalidade das faculdades atribuíveis a um particular, em vista do aproveitamento pleno da utilidade de uma coisa, dirigido à satisfação de necessidades legítimas, «dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas».” (Cfr. Carvalho Fernandes, in “Lições de Direitos Reais”, Quid Iuris, 6.ª edição actualizada e revista, página 332).
5- Por conseguinte, assiste ao Autor o direito de exigir de terceiros, entre os quais os Réus, que respeitem o seu direito de propriedade do prédio identificado, nomeadamente abstendo-se de praticar qualquer acto que impeça ou diminua o referido direito de propriedade;
6- Com efeito, a pretensão do Autor, mais do que o reconhecimento e respeito pelo direito de propriedade do prédio que identifica era que tal reconhecimento incidisse sobre as parcelas de terrenos A e B, conforme documento nº ... junto com a pi..
7- Sucede, porém, como se demonstrará, o Autor não logrou provar que aquelas faixas de terreno identificadas sob as letras ... e ..., pertencia ou era parte integrante do Baldio.
8- O prédio reivindicado pelo Ministério Público, como pertença dos Baldios de ... e ..., como resulta da caderneta predial junta como doc. nº ... da p.i, tem a área de 0,567 hectares e foi inscrito nas Finanças em 1996.
9- Não se encontra registado na Conservatória do Registo Predial.
10- Como resulta da p.i., a parcela de terreno reivindicada com a área de 0,567 hectares, é composta por duas parcelas de terreno “A” e “B”, conforme Ortofoto mapa junto como documento nº..., na petição inicial.
11- Mas como se pode constatar, no decorrer do processo, o Ministério Público requereu a realização de um levantamento top0gráfico da área onde se encontrava implantado o Baldio de ... e ....
12- Conforme resulta do relatório junto aos autos (em que os RR. não participaram, como à data se mencionou na pronuncia à sua junção), os limites do artigo nº ...60 rústico, foram indicados pelo atual Sr. Presidente do Conselho Diretivo HH (sem a presença dos Réus), resultando que a área pertencente aos Baldios é...

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