Acórdão nº 377/22.7T8MGR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-02-20

Data de Julgamento20 Fevereiro 2024
Número Acordão377/22.7T8MGR.C1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA)
Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Cristina Neves

Fernando Marques da Silva


Autora: G... Lda

Ré: AA

*

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Autora intentou a presente ação declarativa de condenação, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €22.629,54, acrescida de juros de mora vencidos desde 21/12/2021 e vincendos até integral pagamento, que atualmente se computam no valor de € 411,67.
Para fundamentar a sua pretensão alegou a prestação de serviços à Ré, como resultado do orçamento por si elaborado e por solicitação desta, que se traduziram na incorporação de materiais na obra que identifica, não tendo a Ré pago uma fatura, com vencimento em 21.12.2021, no valor de € 22.629,54.

A Ré na sua contestação, além do mais, invocou a ineptidão da p. inicial, alegando:
21º. Verifica-se, pois, apenas e só a enunciação de uma factura, todavia a. não invoca os factos essenciais que servem de fundamento à sua pretensão: sejam as cláusulas contratuais pertinentes à demonstração das obrigações constituídas e seus efeitos (ou consequências), sejam as condutas da demandada que esta tenha efetuado.
22º. Ou seja, como a A. não concretiza as obrigações que do alegado orçamento invocado decorrem para a R. (essa é que seria a causa de pedir), não é possível saber se o montante inscrito na factura é, ou não, devido.
23º. A omissão de tais factos essenciais constitui, indubitavelmente, falta (total) de causa de pedir.

Em 22.11.2022 foi proferido o seguinte despacho que não foi objeto de recurso:
I - DA INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO INICIAL
Em contestação a Ré AA deduziu oposição por excepção dilatória, invocando a nulidade do processo por ineptidão da petição inicial, tendo invocado, em apertada síntese, a ausência de causa de pedir.
Em contraditório, a Autora pugnou pela improcedência da excepção arguida.
*
Prescreve o artigo 186.º, n.º 1, al. a) do CPC que diz-se inepta a petição em que “falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”.
A este propósito Alberto dos Reis define a causa de pedir como “o facto real que concretamente se alega para justificar o pedido”, razão pela qual se “hão-de expor os factos concretos em que se funda esse direito, os factos materiais que sejam suficientes para caracterizar e especificar a causa de pedir”. Em sentido semelhante, Lebre de Freitas identifica a causa de pedir como os “factos constitutivos da situação jurídica que quer fazer valer ou negar, ou integrantes do facto cuja existência ou inexistência afirma”, correspondendo esta “ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido” (Lebre de Freitas, “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, Coimbra Editora, 2013, p. 41).
Constatamos pela leitura da petição inicial que a Autora invoca como causa de pedir a prestação de serviços de empreitada, com a incorporação de materiais discriminados em facturas, encontrando-se uma das facturas por pagar.
Por outro lado, a Ré não só impugna o pedido apresentado, como também deduz reconvenção, alegando má execução dos trabalhos realizados pela Autora e cujo pagamento peticiona, revelando dessa forma ter interpretado correctamente a petição apresentada.
Improcede, assim, a excepção dilatória de ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir.
*
II - DO CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO:
A - Nos termos do artigo 552.º, n.º 1, al. d) do CPC, o autor, com a Petição Inicial, deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção.
Prevê o artigo 5.º, n.º 1 do CPC que compete às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir.
Constituem factos essenciais todos os factos sem os quais a acção ou excepção improcede. Com efeito, escreve Lebre de Freitas/Isabel Alexandre “o Juiz não pode considerar, na decisão, factos principais diversos dos alegados pelas partes” (in “Código Processual Civil Anotado”, Vol. 1.º, Coimbra Editora, p. 15).
Constata-se que apesar da Autora referir ter prestado serviços no âmbito de um contrato de empreitada, não especifica que materiais foram incorporados, nem que obras realizou na obra da Ré, com relevância para a procedência da acção aos trabalhos discriminados na última factura, cujo pagamento peticiona.
Nesses termos, ao abrigo do artigo 590.º, n.º 4 do CPC, convida-se a Autora:
1 - A identificar o momento em que apresentou orçamento e respectivo valor;
2 – A descrever que obras foram contratadas com a Ré;
3 - A descrever – no que respeita à factura cujo pagamento peticiona – que materiais foram incorporados em obra e que trabalhos foram realizados por conta dessa factura;
Adverte-se que a remissão de factos essenciais para documentos corresponde à não alegação desses factos.
Prazo: dez dias.
Notifique.
*
Após, tem o Réu a possibilidade de exercer o contraditório, tendo para o efeito o prazo de 10 dias, cfr. artigo 590.º, n.º 5 do CPC.

A Autora, na sequência do convite que lhe foi dirigido, apresentou articulado, esclarecendo a que respeita a fatura cujo pagamento reclama.
A Ré, no exercício do contraditório, impugnou a factualidade alegada pela Autora.

Foi proferido despacho que não admitiu o pedido reconvencional, fixou o valor da causa e em face deste, julgando o tribunal incompetente determinou a sua remessa à distribuição junto da Instância Central.

Após distribuição no juízo central, depois de dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido saneador-sentença que decidiu:
- Julga-se verificada a invocada exceção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, com consequente absolvição da Ré da instância.

*

A Autora interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1- Decisão surpresa é aquela que comporta uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo.
2- O conhecimento oficioso, pelo juiz, da nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial, após a pronuncia do tribunal sobre tal matéria de direito -decisiva para a sorte do pleito -, constituiu uma decisão surpresa, que ofende o princípio consignado no Art° 3°, n° 3 do Código de Processo Civil.
3- A decisão a quo é um caso flagrante de violação do princípio do máximo aproveitamento dos atos processuais que conforma o nosso processo civil - apesar de tal princípio não constar expressamente de nenhum artigo do Código de Processo Civil, são vários os seus afloramentos, por exemplo:
Arts.º 6º, nº 2, 195º, nº 2, 595º, nºs 2, 3 e 4, 614º, e 615º, todos do Código de Processo Civil.
4- Nos presentes autos veio a Ré invocar a excepção de ineptidão da petição inicial. A tal propósito, em 22/11/2022, Ref.ª Citius 101966259, pronunciou-se o tribunal no sentido da improcedência de tal alegação atenta a impugnação e a dedução de reconvenção por parte da Ré, revelando ter correctamente interpretado a petição apresentada.
5- Deste modo, o referido despacho aplicou o estatuído no n.º 3 do Artigo 186 do CPC.
6- O referido despacho não foi sujeito a qualquer reclamação ou recurso, cristalizando-se na Ordem Jurídica, formando caso julgado.
7- Acontece, porém, que veio o tribunal em decisão final entender que procede a excepção dilatória invocada pela Ré. Deste modo, a decisão agora em crise declarou verificar-se a ineptidão da petição inicial, declarando nulo todo o processado e absolvendo da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT