Acórdão nº 3757/22.4T8VFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-05-10

Ano2023
Número Acordão3757/22.4T8VFR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 3757/22.4T8VFR.P1
1ª secção


Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto


I - RELATÓRIO
Nos autos de recurso de contraordenação que correm termos no Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira - Juiz 1, Comarca de Aveiro, com o nº 3757/22.4T8VFR, foi proferida decisão em 16.01.2023, que julgou improcedente o recurso interposto pela arguida AA, confirmando a decisão proferida pela autoridade administrativa.

Inconformada, a arguida interpôs o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. Quanto ao ponto 1.1 da sentença, a qual não numera pontos, nem especifica os factos dados como provados ou não provados, a arguida não se pode conformar com a conclusão de que ”improcede a questão invocada”.
2. Isto porque:
3. A arguida é empresária em nome individual e dedica-se à decoração de jardins e espaços verdes.
4. Não é uma empresa de transporte.
5. A arguida, como referido no recurso para a 1ª Instância, pediu ao seu pai para ir buscar uma carga, o qual desrespeitando as suas instruções, em vez de repartir o mesmo em 4 viagens, fez tudo numa.
6. O pai da arguida não é empregado sequer da arguida. É mero familiar, que, como estava disponível acedeu fazer este favor à sua filha.
7. Aliás, no auto de contraordenação, está identificado como o motorista do veículo que transportava a mercadoria.
8. Ora, o tribunal a quo, vem considerar que a argumentação da arguida sobre estas questões de facto estão “arrumadas” a partir do momento em que considera o pai da arguida o expedidor da mercadoria.
9. Ora, nada de mais inconsequente e desfasado da realidade.
10. O expedidor é a entidade que expede a mercadoria.
11. O motorista que roda o volante e acelera e trava o veículo faz parte “do lado” do transportador.
12. No presente caso o transportador é a arguida, e o expedidor é a empresa A..., LDA
13. O que se pretende salientar é o total desfasamento, por parte do tribunal a quo, em qualificar o motorista, pai da arguida como expedidor, e, COMO TAL, COMPARTICIPANTE da infração, e assim dar o assunto da matéria de facto como tratado, ignorando totalmente a argumentação fáctica da arguida.
14. O motorista da arguida, seu pai, não é expedidor e como tal, não pode ser comparticipante da infração.
15. A arguida negou a prática da infração.
16. A arguida apresentou como prova testemunhal o seu pai, motorista do transporte em causa sub judice.
17. E o tribunal considerou que, apesar da arguida apresentar estas provas, e alegar os factos que alegou, não o precisava de ouvir e que poderia decidir por mero despacho.
18. Para depois chegar indevidamente a estas conclusões desfasadas que chegou. a arguida não concordando com a condenação com base em dolo por parte do IMT, a qual, por si só tem as devidas consequências processuais e materiais óbvias que a arguida pretende afastar,
19. Veio da mesma interpor recurso, apresentando os argumentos no mesmo contidos, para os quais se remete, por uma questão de economia processual.
20. Por sua vez, o Tribunal A Quo, considerou o recurso totalmente improcedente, mantendo a decisão administrativa, o que a arguida não pode concordar.
21. Não pode a arguida concordar já que, a arguida não agiu com dolo.
22. Também não pode concordar a arguida com a referida sentença, relativamente à parte que considera que não ficaram por provar quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.
23. Aliás a sentença é totalmente omissa relativamente aos factos dados como provados na decisão relativamente ao elemento subjetivo do tipo.
24. A sentença não aceita os argumentos da arguida quanto à questão do elemento subjetivo do tipo, mas é omissa no seu probatório quanto a esta questão.
25. Não dá como provado a atuação da arguida como dolosa no probatório.
26. O que a sentença faz é rebater em sede de matéria de direito, o argumento da arguida em como não atuou dolosamente.
27. Devia o tribunal a quo ter feito o julgamento no presente processo, não podendo considerar que tinha elementos suficientes para condenar a arguida, sem ouvir a testemunha apresentada.
28. O motorista em causa, não é motorista profissional (nem tal está provado no processo).
29. Não tem experiência, nesta qualidade.
30. A arguida não tem como atividade económica o transporte de mercadorias (o que não está provado no processo).
31. Para que pudesse haver uma acusação por dolo, teria de haver no processo, no mínimo, provas indiciárias, pelas quais se pudesse aplicar as REGRAS DA EXPERIENCIA CUMUM, no aferimento de conclusões sobre o elemento subjetivo.
32. E não há.
33. Como tal, julgou mal o tribunal quando considerou: Ora, quem voluntariamente permite o carregamento de viatura e exerce a respetiva condução sem previamente se certificar da conformidade legal da carga, maxime em termos de peso, não pode deixar de representar a realização da infração contraordenacional como consequência necessária da sua conduta, integrando, consequentemente, essa prática o dolo necessário (art.º 14.º, 2, do Cód. Penal).
34. Deveria o Tribunal a quo ter considerado como não provado o elemento subjetivo do tipo, no qual o IMT fundamentou a medida da coima.
35. Também não pode concordar a arguida com a referida sentença, relativamente à parte que considera que não ficaram por provar quaisquer factos relevantes para a decisão da causa, na parte da sentença relativa aos factos não provados.
36. Deveria ter sido dado como não provado na sentença recorrida que a atuação da arguida fora dolosa.
37. Não há qualquer facto no processo que possa fundamentar uma atuação dolosa da arguida.
38. Considerando o exposto, não podendo o Tribunal a quo ter considerado o elemento subjetivo do tipo na forma de dolo provado, deveria a sentença ser revogada, e ser a mesma substituída por outra que considere nula a decisão administrativa por falta de fundamentação, e assim o processo arquivado, com as demais consequências legais.
39. Considerando que o IMT optou por fundamentar toda a sua decisão no dolo, e não estando o mesmo provado, e tendo o Tribunal a quo suportado a falta de fundamento da mesma (aplicando uma coima com base nesse critério de apuramento do grau de culpa) deverá o processo ser arquivado por falta de prova do elemento subjetivo do tipo.
40. Não é possível agora, acrescentar novos factos relativos ao elemento subjetivo, porquanto tal significaria alterar substancialmente os factos constantes daquela decisão.
41. Ora, face à insuficiência dos factos constantes da decisão administrativa, suscetíveis de integrar o elemento subjetivo, como elemento indispensável à natureza e integração de um ilícito contraordenacional, não resta senão concluir que a mesma é nula, por violação do disposto na al. a) do nº1 do art. 374º do CPP aplicável ex vi art. 41º do RGCO, e em consequência, deve a arguida/recorrente ser absolvida.
42. Caso assim não se entenda, e se considere que existe culpa da arguida por negligência,
43. Dever-se-á considerar que o processo está prescrito no seu procedimento, já que, não podendo ser a arguida condenada por dolo, por falta de prova no processo deste grau de culpa, dever-se-á reduzir o prazo de prescrição para metade nos termos dos art. 22º, nº 2 do DL 257/2007, 27º, 27º-A, e 28º do RGCO.

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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que o mesmo deve ser julgado improcedente.
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Neste Tribunal da Relação do Porto a Srª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença sob recurso é do seguinte teor: [transcrição]
«I. RELATÓRIO.
1. Por decisão do IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., foi AA, com os sinais dos autos, condenada na coima de € 3 220, por prática da infração p. e p. pelo art.º 31.º, 2, do Dec. Lei n.º 257/2007, de 16.07, alterado pelo Dec. Lei n.º 137/2008, de 21.07 e pelo Dec. Lei n.º 136/2009, de 05.06 (excesso de peso/carga).
2. Inconformada com esta decisão, interpôs a arguida recurso de impugnação, concluindo o seguinte:
“I. A arguida não praticou a infração de que vem acusada.
II. O motorista do veículo, pai da arguida, a quem a filha lhe pediu o favor de ir buscar a mercadoria, tinha instruções para carregar em 4 vezes o volume da mesma, mas o seu pai, unilateralmente, e sem o conhecimento da filha, considerou que devia carregar toda a mercadoria na mesma viagem.
III. A arguida não tinha consciência da ação do seu pai que não lhe comunicou esta alteração do plano de carga.
IV. Pelo que a arguida não tem qualquer culpa na produção dos factos, não podendo portanto, ser punida.
V. A decisão é omissa quanto à prova do elemento subjetivo do tipo, não bastando alegar expressões pré formatadas e de carácter genérico opinativas para que se considere provado um facto.
VI. Face à insuficiência dos factos constantes da decisão administrativa, suscetíveis de integrar o elemento subjetivo, como elemento indispensável à natureza e integração de um ilícito contraordenacional, não resta senão concluir que a mesma é nula, por violação do disposto na al. a) do nº1 do art. 374º do CPP aplicável ex vi art. 41º do RGCO, e em consequência, deve a arguida/recorrente ser absolvida.
VII. A arguida foi acusada indevidamente de dolo, quando não está provado nenhum facto concreto no processo de onde se possa inferir qualquer prova do dolo.
VIII. O procedimento está prescrito, já que, podendo apenas a acusação ser por negligência, reduz o prazo de prescrição para um ano.
Termos em que se deverá considerar a decisão condenatória nula e ilegal (POR VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DA LEGALIDADE) e o processo devidamente
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