Acórdão nº 375/18.5T8OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08-02-2024

Data de Julgamento08 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão375/18.5T8OLH.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 375/18.5T8OLH.E1[1]
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo de Comércio de Olhão – Juiz 1


I. Relatório
No Juízo do Comércio de Olhão,
(…) apresentou-se à insolvência “com indicação de nomeação de administrador judicial, pedido de exoneração do passivo restante e pedido de diferimento do pagamento de custas”, tendo alegado para o que agora releva, que
“- Nos termos do artigo 248.º, n.º 1, do CIRE é concedido aos requerentes o benefício do diferimento do pagamento de custas até à decisão final do pedido de exoneração do passivo restante;
- Porquanto, nos termos do citado normativo legal, os devedores que apresentem um pedido de exoneração do passivo beneficiam do diferimento do pagamento de custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível durante o período de cessão sejam insuficientes para o respectivo pagamento integral;
- Benefício que afasta a concessão de qualquer outra forma de apoio judiciário ao devedor, salvo quanto à nomeação e pagamento de honorários ao patrono.”.

Tendo a petição dado entrada em juízo em Março de 2018, foi proferida sentença a declarar a insolvência, há muito já transitada em julgado, e, tendo sido admitido o incidente de exoneração do passivo restante, veio este a ser declarado encerrado por decisão proferida em 12/1/2023, também transitada, com a concessão ao insolvente do benefício da exoneração e consequente extinção de todos os créditos sobre a insolvência subsistentes à data, fazendo recair sobre aquele as custas respectivas. Mais foi então fixada a remuneração devida ao Sr. Fiduciário em exercício (cfr. Ref.ª 126552506].

Elaborada a conta, apurou-se encontrar-se em dívida o valor de € 3.465,99, proveniente de taxa de justiça e reembolsos devidos ao IGFEJ por adiantamentos (honorários ao AI).
Notificado o insolvente da conta e para pagar o montante apurado, sendo a data limite 2 de Outubro, fez prova nos autos de ter formulado em 14 de Setembro pedido de apoio judiciário “para auxílio no pagamento das custas”, o qual lhe foi deferido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

A D. Magistrada do MP pronunciou-se nos autos no sentido de o benefício do apoio judiciário concedido não poder ser considerado para efeitos de isenção do pagamento das custas contadas, uma vez que foi requerido após decurso do prazo respectivo.

Foi proferido despacho a declarar que “o Insolvente está dispensado do pagamento de custas e outros encargos do processo, em face do apoio judiciário concedido”.
Inconformada, veio recorrer a D. Magistrada do MP e, tendo desenvolvido na alegação que apresentou os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“1. Recorre-se do despacho judicial proferido em 25-10-2023 que considerou que o insolvente está dispensado do pagamento de custas e outros encargos do processo, em face do apoio judiciário concedido que lhe foi concedido após o transito em julgado da decisão final da exoneração do passivo restante e da notificação para pagar as custas.
2. Esta decisão viola claramente o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho e 248.º do CIRE.
3. Dispondo, expressamente, o artigo 18.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, em que momento deve ser requerido o apoio judiciário, em nosso entender, resulta claro que se for requerido após a prolação da decisão final do incidente de exoneração do passivo restante, não pode abranger as custas já devidas antes da concessão desse apoio.
4. O apoio judiciário não tem efeito retroactivo, aplicando-se apenas aos actos processuais praticados para o futuro e enquanto o litigio se mantiver, isto porque se destina a garantir o exercício dos direitos em juízo, não podendo ser visto como meio destinado a obter a dispensa do pagamento das custas e encargos a que a participação no processo deu causa.
5. Não está em causa o acesso ao direito ou à justiça, uma vez que tendo a decisão final do incidente transitado em julgado, o apoio judiciário apenas terá por finalidade o não pagamento das custas do processo.
6. Permitir que o responsável pelas custas fique desobrigado do pagamento das mesmas, depois do fim do processo seria criar uma isenção que o regime das custas não permite.
7. O pedido de apoio judiciário formulado pelo insolvente ao ISS em 14-09-2023, porque requerido já após o trânsito em julgado da decisão final é intempestivo, não podendo produzir qualquer efeito relativamente às custas já contadas.
8. Ao considerar válido o apoio judiciário concedido ao insolvente depois de transitada a decisão final do incidente de exoneração, dispensando-o do pagamento das custas contadas após tal decisão, o tribunal errou na interpretação do direito aplicável ao caso e objecto da decisão recorrida.
Conclui pela procedência do recurso, com a consequente “revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que determine que o apoio judiciário concedido ao insolvente em 2 de Outubro de 2023 não pode produzir efeito relativamente às custas contadas, não estando dispensado do pagamento das mesmas”.
Não foram oferecidas contra alegações.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão a decidir determinar se o benefício do apoio judiciário requerido pelo insolvente e concedido após notificação da conta elaborada em processo de insolvência, mostrando-se transitada em julgado a decisão que lhe concedeu a exoneração do passivo restante, deve ser atendido, dispensando-o do pagamento da quantia apurada.
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II. Fundamentação
Relevam para a decisão os factos ocorridos no processo e relatados em I., à luz dos quais cumpre fazer notar que, ao invés do fundamento invocado inicialmente pela D. recorrente, o pedido de apoio judiciário foi formulado pelo insolvente logo após a notificação ao mesmo da conta final elaborada nos autos, no decurso, portanto, do prazo de pagamento.
Feita tal prévia precisão, cumpre referir que a questão enunciada tem vindo a ser suscitada nos nossos tribunais, sem obter resposta uniforme (cfr., entre outros, no sentido de a concessão do apoio judiciário, mesmo após a notificação da conta, dever ser considerado, os acórdãos do TRP de 24/9/2020, no processo 1752/11.8T8STS.P1, e de 8/3/2022, no processo 2656/15.0T8STS; em sentido contrário, os acórdãos do TRP de 18/4/2023, no processo 1466/16.2T8STS.P1, do TRL de 28/11/2023, no processo 28014/15.9 T8SNT.L1-1, e deste TRE de 30/3/2023, no processo 988/18.5T8OLH.E1, subscrito pela ora relatora como 1.ª adjunta, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Não se discute que, tal como a D. recorrente alega e se sublinhou no aresto deste TRE vindo de identificar, o instituto do apoio judiciário visa dar cumprimento ao princípio constitucionalmente consagrado – artigo 20.º da nossa Constituição – de que a ninguém é vedado o acesso ao direito e aos tribunais por razões de insuficiência económica. Deste modo, e como vem sendo repetido pelo TC, “sem consagrar a gratuidade dos serviços de justiça, a Lei Fundamental é incompatível com tributação processual que, pela sua onerosidade, impeça ou dificulte de forma desproporcionada o acesso aos tribunais, ao mesmo tempo que impõe ao legislador a consagração de um sistema adequado de apoio judiciário, injunção a que
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