Acórdão nº 3741/21.5T8MTS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-02-16

Ano2023
Número Acordão3741/21.5T8MTS.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA e BB intentaram acção declarativa com processo comum contra “D...- Transportes Rodoviários e Mercadorias, Lda.
Pedem a condenação da Ré na reintegração dos AA em consequência da ilicitude da cessação dos contratos de trabalho que devem ser considerados sem termo, pedido esse que, por requerimento de 30-05-2022, foi substituído pela indemnização por antiguidade que cifraram em 8. 298, 00€ (4.149, 00 € a cada um dos Autores), tudo acrescido das retribuições intercalares que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (art. 390.º nº 1 do CT), quantia a apurar em sede de liquidação.
Causa de pedir - alegam, em síntese que: a ré dedica-se ao transporte rodoviário de mercadorias, quer nacional, quer internacional; os autores celebraram contrato de trabalho em 24 de Abril de 2019, com termo a 31 de Agosto 2019, para exercerem a função de motoristas de automóveis de mercadoria pesados, conduzindo ambos o mesmo camião, quer no território nacional, quer em território internacional como ..., ..., etc.; os contratos de trabalho não eram automaticamente renováveis e foram sujeitos a sucessivas prorrogações, a primeira operada em 01-09-2019 e com termo a 31-12-2019, a segunda com início a 01–01-2020 e com termo a 3-04-2020, a terceira com início 01-05-2020 e com termo a 31-08-2020 (doc.s 3, 4, 5, 6, 7 e 8.) ; as sucessivas justificações que foram apostas nos contratos e respetivas prorrogações nunca corresponderam à verdade porque os autores não só transportaram melão, tomate e pimentão, como transportaram outros produtos congelados e frescos de toda a espécie (por exemplo, maçãs, laranjas, ananás) ; as justificações apenas serviram para ludibriar a lei e justificar a contratação a termo; outros trabalhadores foram ocupar o posto dos AA.; no Direito, invocam que, ao abrigo do disposto no artigo 147.º 1 al. d), CT, considera-se sem termo o contrato de trabalho celebrado em violação do disposto no n.º 1 do art. 143.º, ambos do Código do Trabalho.
Contestação- sustenta-se que nos contratos de trabalho e respetivas prorrogações constam os factos que integram o motivo justificativo do termo estipulado; dos mesmos resulta a necessidade temporária da ré em efectuar serviços de transporte de certos produtos hortícolas e frutícolas (melão, tomate, pimentão, morango, uva e limão) em função dos respetivos ciclos e “picos” anuais de produção e da sua sazonalidade, períodos devidamente identificados, que redundam em acréscimo excepcional da actividade da ré da ré. Nos contratos de trabalhos escritos e suas prorrogações também consta a referência a que o quadro permanente da ré não consegue assegurar esse serviço. Os contratos/prorrogações em causa respeitaram, portanto, o disposto no artigo 140º, 1, e), CT “actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matérias-primas”. Os AA não concretizam factos que sustentem o por eles alegado quanto à demonstração de que a contratação a termo visava “ludibriar a lei. É igualmente falso que tivessem sido contratados outros trabalhadores para substituir os AA. Requereu a ré, ainda, que os AA juntem as declarações de IRS dos anos de 2019 a 2021, para dedução das importâncias auferidas após a cessação do contrato, nos termos do artigo, 390, 2, do CT, o que foi deferido por despacho transitado em julgado proferido em 16-05-2022.

Realizou-se julgamento e proferiu-se a seguinte sentença, ora alvo de recurso:
“ Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a presente ação porque não provada e absolvo a Ré do/s pedido/s contra si formulado/s.
Custas a cargo dos AA., sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.
Valor da ação: €8.298,00.”

FOI INTERPOSTO RECURSO PELOS AA -CONCLUSÕES:
I - O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito vertida na sentença (ref....03) proferida pelo Tribunal a quo.
II - Os Autores/Apelantes lograram, nos itens 8.º e 9.º da Petição Inicial, alegar que “(…) as sucessivas justificações que foram apostas nos contratos e respetivas prorrogações, nunca corresponderam à verdade: nomeadamente, os autores não só transportaram melão, tomate e pimentão, tendo, ao invés, transportado outros produtos congelados e frescos, de toda a espécie (por exemplo, maçãs, laranjas, ananás, […]); As justificações apenas serviram para ludibriar a lei (…).”
III - O Tribunal recorrido deu como provado no ponto 8.º da matéria de facto que “[o]s Autores transportaram não só melão, tomate e pimentão como transportaram outros produtos congelados e frescos.”; em nenhum momento da seleção da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo aferiu que as justificações correspondiam à verdade;
IV - Note-se que nos pontos 9, 10 e 11 dos factos dados como demonstrados, o Tribunal a quo apenas dá como provado o inserto nas contratos de trabalho (fls…) e nas sucessivas prorrogações (fls…); mas, em momento algum, menciona, pois não se demonstrou, a veracidade das estipulações (apenas diz que elas se encontram nos documentos).
V - Fica, assim, pelos fundamentos exarados supra, sanada qualquer dúvida quanto à validade das cláusulas justificativas em questão, ou seja, não contemplando a cláusula justificativa a que a al. e) do n.º 1 do art. 141.º do CT todos os factos que fundamentam a contratação a termo, a relação laboral estabelecida entre as partes deverá ser considerada sem termo, por força do disposto nas als. a) e c) do n.º 1 do art. 147.º do CT.
VI - O Tribunal a quo, conforme se retira do ponto 11 dos factos provados, deu como demonstrado que a relação laboral findou no dia 31/08/2020 (data do termo da última prorrogação).
VII - Ora, configurando a relação laboral estabelecida entre Apelantes e Apelada um contrato de trabalho sem termo, a menção expressa e inequívoca da entidade patronal de que o contrato de trabalho cessaria em 31/08/2020 (fls…), consubstancia um despedimento ilícito, na medida em que não foi, tal como se impunha, precedido de um procedimento disciplinar.
VIII - Destarte, ao improceder a ação intentada pelos Apelantes, o Tribunal a quo subsumiu erroneamente os factos dados como provados ao direito, o que o fez incorrer num verdadeiro erro de julgamento (violando os arts. 140.º n.º 1; 141.º n.º 1 al. e); e 147.º n.º 1 als a) e c), todos do CT).
IX - Vislumbramos que os Autores lograram, nos itens 8.º e 9.º da Petição Inicial, alegar que “(…) as sucessivas justificações que foram apostas nos contratos e respetivas prorrogações, nunca corresponderam à verdade: nomeadamente, os autores não só transportaram melão, tomate e pimentão, tendo, ao invés, transportado outros produtos congelados e frescos, de toda a espécie (por exemplo, maçãs, laranjas, ananás, […]); As justificações apenas serviram para ludibriar a lei (…).”
X - Sendo assim, a veracidade (ou não) das várias justificações apostas nos contratos e suas prorrogações assumia-se, indubitavelmente, como facto principal e, por isso, deveria - de forma discriminada e expressa - de constar do elenco factual da sentença recorrida.
XI - Ao não fazê-lo a sentença ora posta em crise enferma da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art. 645.º do CPC.
XII - Na esteira do que temos vindo a referir, o Tribunal recorrido encontrava-se adstrito à obrigação de julgar se as justificação apostas nos contratos de trabalho (fls…), bem como nas respetivas prorrogações (fls…) correspondiam à verdade.
XIII - Com todo o respeito, sempre, o que a primeira instância logrou fazer foi dar como provado a existência de determinados documentos, não se pronunciando, no segmento em questão, sobre a veracidade no neles inserto.
XIV - Destarte, não se tendo pronunciando o Tribunal a quo sobre a veracidade das aludidas justificações, encontra-se tal decisão enfermada pela nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
XV - Por força do depoimento da testemunha CC (Grav. 20220516100448_5993485_2870524, min: 09:40 até 14:00, ata com a ref....95) funcionário da D... (comum aos Autores e Réus), prestado em julgamento no dia 16/05/2022, o ponto b) da matéria de facto dada como não provada, deverá ser aditado no segmento da matéria de facto dada como provada (pois existiu um manifesto erro na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo).
XVI - Não se descure que a Apelada em nenhum momento trouxe para os autos qualquer contrato celebrado com fornecedores, através do qual se pudesse, eventualmente, atestar o cariz sazonal da atividade e, por conseguinte, que justificasse a contratação a termo.
XVII - Diga-se, também, que os produtos que foram dados como provados que os Autores, ora Apelantes, transportavam, existem todos os anos; ou seja, a Apelada sempre poderia lançar mão da figura da suspensão do contrato de trabalho (arts. 294.º e ss do CT), suspendendo o contrato nos meses em que tal produto não careceria de ser transportado.
XVIII - Deverá, ainda, ser aposto ao segmento da sentença “factos provados”, um item no qual se encontre escrito o seguinte: “[o]s trabalhadores, para além dos artigos identificados nas várias justificações, transportavam sapatos e outros produtos que não fossem frios ou congelados, nomeadamente, e para além do que já se dissera, eletrodomésticos…”: depoimento da testemunha CC: Grav. 20220516100448_5993485_2870524, na qual a mesma refere que os trabalhadores transportavam de tudo, ou seja, produtos que não sejam alimentos, vejamos: Min. 32:49 a 33:45: “No retorno (das viagens) o que trazem? Testemunha: O que pode imaginar. Mandatária Ré: O quê?Testemunha: Tudo. Desde sapatos…a tudo…”
XIX - Deverá ser aditado um ponto no segmento “mais se provou”, nos termos do disposto no n.º1 do art. 5.º do CPC, porquanto se trata de um facto instrumental e de um complemento ou concretização do alegado pelos autores (que as...

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