Acórdão nº 3705/19.9T8FNC.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-04-04

Ano2024
Número Acordão3705/19.9T8FNC.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

HERANÇA JACENTE ABERTA POR ÓBITO DE A., interpôs o presente recurso de apelação da decisão que declarou deserta a instância, proferida na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, o referido A. intentou contra B., S.A. e a C. - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A..
Os autos tiveram início em 17-07-2019, com a apresentação de Petição Inicial, em que, com fundamento em responsabilidade civil por acidente de viação, o referido Autor peticionou a condenação das Rés no pagamento da quantia indemnizatória de 39.359,44€, acrescida de juros de mora, bem como de sanção pecuniária compulsória.
Cada uma das Rés apresentou a sua Contestação.
Foi proferido despacho saneador que absolveu da instância a Ré B., S.A., por ser parte ilegítima, bem como despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Foi realizado exame médico-legal ao Autor (cf. ofício de 27-05-2022) e designado o dia 06-02-2023 para realização da audiência de julgamento (data que veio a ser dada sem efeito).
Em 23-01-2023, o mandatário do Autor apresentou requerimento em que informou que o Autor tinha falecido e juntou cópia do assento de óbito.
Em 13-02-2023, foi proferido despacho com o seguinte teor (sublinhado nosso):
“Ref.: 5068435
Encontra-se junta aos autos a certidão de assento de óbito do autor A., que faleceu em 05.12.2022, no estado de casado.
Assim sendo, declaro suspensa a instância, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 270.º do Código de Processo Civil, até à notificação da decisão que considere habilitados os sucessores do falecido, nos termos previstos na al. a) do n.º 1 do art.º 269.º do mesmo diploma legal.
*
Notifique as partes (incluindo o Ilustre Mandatário do autor) para os termos previstos no n.º 1 do art.º 351.º do Código de Processo Civil, com expressa advertência dos termos e efeitos previstos no n.º 1 do art.º 281.º do mesmo diploma legal.
Notifique.”
Foram notificados os mandatários das partes (notificação elaborada em 15-02-2023).
Em 03-10-2023, foi proferido o Despacho (recorrido) com o seguinte teor:
“Da deserção da instância
Na decorrência do despacho antecedente, sem que se tenha verificado qualquer impulso processual tendente à habilitação de herdeiros do autor falecido, declaro a instância deserta e, por conseguinte, extinta, nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 1 e 277.º, alínea c), ambos do Código de Processo Civil.
Custas a cargo da herança aberta por óbito do autor (artigo 527.º, n.º 1 do supracitado diploma legal).
Notifique.”
É com esta decisão que a Apelante não se conforma, tendo nas conclusões da sua alegação recursória formulado as seguintes conclusões:
I A herança jacente aberta por óbito de A. é representada pelos herdeiros seguintes: D., sua esposa, no estado de viúva e cinco filhos, a saber: E., solteiro, maior, F., casada, G., casada, H., divorciada, I., divorciado, todos naturais da freguesia do Monte, concelho do Funchal, onde residem na (…), conforme resulta de uma certidão de casamento e de cinco certidões de nascimento que se protestam juntar e que só agora podem ser juntas atento o falecimento do autor e por só presentemente representarem a herança jacente de seu marido e pai, respectivamente.
II Ora, o autor A. faleceu e como tal não poder-lhe-ia ser assacada qualquer negligência em impulsionar o presente processo, pelo que a decisão ora recorrida ao sancionar a pseudo negligência do autor falecido comete erro de julgamento que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
III Por outro lado, com o falecimento do autor A. extinguiram- se os poderes forenses que o falecido tinha confiado ao ora mandatário, pelo que o Tribunal recorrido poderia e deveria ter procurado diligenciar pela identificação dos respectivos herdeiros e pela subsequente notificação (para o que poderia ordenar notificar os herdeiros do autor falecido na morada do autor falecido e existente no presente processo judicial) para que pudessem, querendo, vir representar a herança jacente que ocupa a posição processual do respectivo autor falecido, pelo que não o tendo feito o Tribunal ad quo praticou nulidade que ora se argui e de que ora se reclama, tudo com todas as legais consequências, e que por poder influir no exame e na decisão da causa fere de nulidade a decisão ora recorrida, o que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
IV É inconstitucional e constitui uma compressão intolerável dos direitos de defesa da herança jacente aberta por óbito de A. a interpretação, com violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e do princípio da tutela jurisdicional efectiva, da norma do artigo 281.º, n.º 1 e da noma do artigo 277.º, alínea c), ambos do CPC, no sentido de sancionar a inexistente negligência do autor falecido em impulsionar o presente processo e em consequência declarar a instância deserta e extinta, inconstitucionalidade que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
V Por outro lado, a herança jacente aberta por óbito do autor A. não foi notificada para deduzir o incidente de habilitação de herdeiros, pelo que a decisão recorrida ao sancionar a não inexistente negligência da dita herança jacente comete erro de julgamento, que aqui se invoca, tudo com todas as legais consequências, pelo que a decisão ora recorrida constitui uma decisão surpresa e que não facultou a possibilidade do exercício de prévio contraditório por parte da dita herança jacente, razão pela qual a decisão recorrida é ferida de nulidade por decidir deserta e extinta a instância sem facultar o prévio exercício do contraditório à herança jacente do falecido autor o que configura a prática de acto que a lei não admite e que por influir no exame e na decisão da causa mostra-se ferida de nulidade que ora se argui e de que ora se reclama, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
VI É inconstitucional e constitui uma compressão intolerável dos direitos de defesa da herança jacente aberta por óbito de A. a interpretação, com violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e do princípio da tutela jurisdicional efectiva, da norma do artigo 281.º, n.º 1 e da noma do artigo 277.º, alínea c, ambos do CPC, no sentido de sancionar a inexistente negligência da herança jacente aberta por óbito do autor em impulsionar o presente processo judicial e em consequência declarar a instância deserta e extinta sem facultar previamente o exercício do contraditório à dita herança jacente, inconstitucionalidade que aqui se invoca, tudo para todos os efeitos legais, tudo com todas as legais consequências.
Terminou a Apelante requerendo que com a procedência do recurso sejam declaradas as nulidades, os erros de julgamento e as inconstitucionalidades invocadas, e revogada a decisão recorrida.
Não foi apresentada alegação de resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

***

II - FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se a decisão recorrida é nula;
2.ª) Se não devia ter sido declarada a deserção da instância, por não se verificarem os respetivos pressupostos.

Da nulidade da decisão

Defende a Apelante que a decisão recorrida está ferida de nulidade: por julgar deserta a extinta a instância sem facultar o prévio exercício do contraditório à herança jacente do falecido Autor; e uma vez que o Tribunal recorrido deveria ter procurado diligenciar pela identificação dos respetivos herdeiros e pela sua subsequente notificação (na morada do falecido Autor).
Vejamos.
É sabido que a deserção da instância decorre, nos termos do art.º 281.º, n.º 1, do CPC, da falta de impulso processual, por negligência das partes, decorridos mais de 6 meses. Trata-se de uma causa de extinção da instância [cf. art.º 277.º, al. c), do CPC] cuja razão de ser se prende com os princípios da celeridade processual, do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes.
Conforme se retira da definição legal, a deserção da instância depende da verificação dos seguintes pressupostos: (i) uma omissão de ato da parte, que é causal da paragem objetiva do processo; (ii) a negligência da parte onerada com o impulso processual; (iii) e o decurso do tempo (contado desde o momento em que a parte devia ter praticado o ato omitido). Neste sentido, exemplificativamente, veja-se o acórdão do STJ de 12-07-2018, proferido no proc. n.º 411/15.7T8FNC-B.L1.S1,
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