Acórdão nº 3701/22.9T8OER.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-12-21

Ano2023
Número Acordão3701/22.9T8OER.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
E… - AGÊNCIA FUNERARIA LDA, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra … actualmente com a denominação A…– COMPANHIA DE SEGUROS, SA, peticionando a condenação da Ré, a título de indeminização, no pagamento da quantia de €25.338,00 (vinte e cinco mil trezentos e trinta e oito euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal de juro comercial, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alega, em suma, que no dia 27.04.2019, cerca das 17h00, na Rua dos Bombeiros Voluntários (rua de sentido único), em Barcarena, durante o exercício da sua actividade profissional e enquanto seguia a marcha, sem que nada o fizesse prever, o vidro da lateral esquerda do veículo especial funerário da sua propriedade, de matrícula …, abriu inadvertidamente, acabando por embater num poste de madeira existente do lado esquerdo na via. Atentas as circunstâncias, à condutora do veículo da Autora não era exigível outra conduta, em nada tendo contribuído para a ocorrência do sinistro.
Consequentemente, devido ao embate o vidro traseiro da lateral esquerda partiu e a estrutura do mesmo ficou completamente danificada. A Ré, no âmbito do seguro celebrado, assumiu a reparação do veículo a qual se computou em €7.316,32. Como consequência directa e necessária do acidente supra descrito, o veículo da Autora ficou imobilizado, tendo sofrido múltiplos danos materiais, principalmente no vidro da lateral esquerda traseira e respectiva estrutura que dá acesso ao interior da viatura. Uma vez que o veículo … deixou de circular em virtude do acidente, a Autora teve de solicitar imediatamente um veículo de substituição, não só para terminar o serviço fúnebre que estava em curso, como para assegurar que tinha um veículo disponível caso surgisse algum serviço durante o tempo em que o veículo estivesse parado para ser reparado, o que poderia suceder 24h00 por dia, a qualquer hora do dia. Ainda no mesmo dia do acidente o legal representante da Autora, contratou o aluguer de um veículo especial funerário equivalente ao seu …, pelo preço diário de €200,00 acrescidos de IVA. Na sequência da participação do sinistro à Ré, formalizou o pedido de veículo de substituição. Apesar de tal solicitação, a verdade é que a Ré nunca providenciou outro veículo de substituição à Autora, nem recusou que a Autora alugasse o veículo …, cujas condições de aluguer eram do conhecimento da Ré. Acabando a Autora por alugar o veículo … durante todo o período em que o seu veículo … esteve imobilizado por causa do acidente (de 27/04/2019 a 07/08/2019).
Mais alegou que o tempo de imobilização se verificou por exclusiva culpa da Ré que não só não assumiu imediatamente a sua responsabilidade, como ainda enquadrou o sinistro numa cobertura errada, tendo havido inclusivamente necessidade de marcação de duas peritagens, tendo dado ordem de reparação apenas em 18/07/2019. Durante todo esse período de 103 dias a Autora teve de usufruir do veículo de substituição, que determinou o pagamento de €20.600,00 (103 dias x €200,00/por dia), acrescido de IVA.
Fundamentou o seu pedido no facto de à data do sinistro o veículo … se encontrava seguro pelo contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil da companhia de seguros aqui Ré, com cobertura de danos próprios.
Citada a Ré a mesma impugnou os factos, dizendo que a cobertura em causa se reporta a um contrato de seguro por danos próprios sendo a indemnização pela privação do uso ou veículo de substituição limitada nos termos do contrato. Pugnou pela improcedência do pedido.
Foi proferido despacho a dispensar a audiência prévia, tendo sido elaborado despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e de seguida foi proferida sentença que julgou a acção procedente por provada e, em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de 20.400,00€ (vinte mil e quatrocentos Euros), acrescida de IVA à taxa em vigor à data de 07.08.2019, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva civil desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Inconformada veio a ré recorrer, formulando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso vem interposto, pondo em crise apenas a matéria de direito constante da decisão proferida, uma vez que, salvo o devido respeito (que é muito), a aqui Recorrente insurge-se contra o período de paralisação fixado pelo Tribunal a quo e correspondente indemnização arbitrada à A., assente numa interpretação manifestamente errónea e em arrepio ao contrato celebrado entre as partes, encontrando-se, nessa medida, incorrectamente interpretadas e/ou aplicadas as normas legais previstas nos artigos 762.º, n.º 1 e 2 do Código Civil e os artigos 1.º, 51.º, 52.º, 102.º, 128.º, 130.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como o n.º 1 da Condição Especial 110 das Condições Gerais da Apólice.
2. Entendeu, o douto Tribunal a quo condenar a ora Recorrente, “(…) pagar à Autora a quantia de 20.400,00€ (vinte mil e quatrocentos Euros), acrescida de IVA à taxa em vigor à data de 07.08.2019, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva civil desde a citação até efectivo e integral pagamento.”.
3. Tal condenação teve por base o período de paralisação decorrente entre a data do acidente (27.04.2019) e a data de entrega à A. do veículo reparado (07.08.2019), num total de 102 dias, tendo a A. procedido ao aluguer de uma viatura à razão diária de € 200,00 (acrescido de IVA).
4. Como é bom de ver, através de toda a documentação junta aos autos pelas partes, bem como da factualidade dada como provada (designadamente os factos 20, 21 e 22) a relação entre a A. e a Recorrente, trata-se uma relação exclusivamente contratual, isto porque, foi celebrado um contrato de seguro do ramo automóvel sobre o veículo de matrícula ..., de que a A. é proprietária.
5. A A. havia contratado junto da Recorrente, um contrato de seguro do ramo automóvel que cobria não só os riscos inerentes à circulação do veículo perante terceiros, como também previa a cobertura facultativa de “veículo de substituição”.
6. Nos termos do n.º 1 da Condição Especial 110, denominada “veículo de substituição”, a referida cobertura “garante ao Segurado, em caso de privação forçada do uso do veículo seguro em consequência de sinistro cujos danos sejam garantidos pelas coberturas efectivamente contratadas, de responsabilidade civil ou de danos próprios do veículo seguro, a utilização de um veículo de aluguer ligeiro de passageiros, de classe equivalente à do veículo seguro e até ao limite de 2000 c.c. de cilindrada, por um período máximo de 30 dias por sinistro e por anuidade.”
7. Termos em que, resulta manifesto que a decisão recorrida, ao ter condenado a aqui Recorrente ao montante indemnizatório pelo período de 102 dias, extravasou o clausulado pelas partes à luz do contrato de seguro celebrado que define um período máximo de 30 dias, o que não se poderá, de todo, conceder.
8. Acresce que, a A. não contratou qualquer cobertura passível de a ressarcir de danos alegadamente verificados na sua esfera jurídica a decorrentes da paralisação do veículo, junto da Recorrente, para tal não contratou qualquer cobertura de privação do uso!
9. Motivo pelo qual, a obrigação da aqui Recorrente resume-se apenas à cedência de veículo de substituição pelo período contratualizado (30 dias).
10. Neste sentido, não poderá a Recorrente absolutamente concordar com o teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo, porquanto, salvo o devido respeito que lhe é muito, extravasa as condições acordadas entre as partes, condenando a Recorrente numa quantia que simplesmente não se encontra garantida pelo contrato de seguro em apreço.
11. As partes devem pautar a sua conduta pelo princípio da boa-fé, o qual deve estar presente, no decorrer de todas as fases negociais – ou seja, na fase pré-contratual, durante a vigência do contrato e mesmo depois do termo desse vínculo -, como resulta da leitura conjugada dos artigos 227.º e 762.º do Código Civil.
12. Dentro da liberdade contratual das partes e dos limites que a lei prescreve, Tomadora de Seguro e Seguradora podem, livremente, contratar a existência de coberturas facultativas, como a que está em causa nos presentes autos (veículo de substituição).
13. No caso em concreto, estamos perante uma cobertura facultativa, pelo que, todas as vicissitudes contratuais que nasçam entre a Autora e a Recorrente terão de ser supridas à luz do princípio da liberdade contratual, maxime pela interpretação das cláusulas do presente contrato de seguro.
14. Com efeito, não estando em discussão nos presentes autos, um direito emergente da responsabilidade civil extracontratual, o qual, admite-se, poderia eventualmente comportar o ressarcimento do dano decorrente da paralisação do veículo, haverá sempre que se atender ao conteúdo do contrato celebrado entre as partes, e bem assim aos correspondentes direitos e deveres emergentes desse contrato.
15. Ressalvando naturalmente o devido respeito por melhor opinião, existindo no contrato celebrado entre as partes, uma específica cobertura de “privação de uso”, a qual visa precisamente garantir ao tomador, os prejuízos decorrentes da paralisação do veículo seguro, no âmbito das coberturas facultativas de danos próprios, e não tendo a A., por mero acto de sua vontade, contratado tal cobertura, nunca poderá a agora Recorrente ser condenada a pagar à A. os alegados prejuízos decorrentes daquela privação, para além do que decorre expressamente convencionado na cobertura de veículo de substituição, ou seja, para além do período de 30 dias.
16. Assim, estando em causa, nos presentes autos, o apuramento da responsabilidade da Ré pelo ressarcimento dos danos ocorridos no veículo da A., única
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