Acórdão nº 3688/20.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-04-27

Ano2023
Número Acordão3688/20.2T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Apelante: AA
Apelada: E..., Ldª

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra E..., Ldª, também nos autos melhor identificada, pedindo:

- Que o tribunal condene a ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho com a categoria e a antiguidade que vinha mantendo ou, em alternativa, a pagar-lhe a indemnização no valor de € 1.905,00 e créditos no valor de € 4.010,50 (a título de salário de Junho de 2020, férias vencidas no início de 2020 e respectivo subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal e diferenças salariais) que, após dedução da quantia de € 1.485,66, entretanto paga pela ré, perfaz o valor total de € 4.429,84, bem como os juros de mora que se vencerem até integral pagamento.

Alega para tanto, e em síntese, ter sido despedida pela ré, no dia 24/6/2020, sem prévio procedimento, tendo deixado de trabalhar para ré nesse dia, contra a sua vontade e sem que esta lhe tivesse pago tais créditos, sendo que só posteriormente a ré lhe pagou, por conta dos mesmos, a aludida quantia.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação entre elas.

Notificada para o efeito, a ré apresentou contestação alegando, em suma, que o contrato de trabalho cessou em virtude do encerramento total e definitivo da ré e que, após essa cessação, houve uma remissão abdicativa através de documento que, após levar para analisar, a autora aceitou e assinou e recebeu da ré a respectiva compensação pecuniária global nele constante. No mais, alegou que esta demanda configura um abuso de direito por parte da autora e impugnou quer a causa de cessação contratual quer os créditos peticionados pela autora.

A autora apresentou resposta em que, no fundamental, invoca a anulabilidade do aludido documento por ter sido assinado sob coação e ameaça da ré e que tal quitação não configura uma remissão abdicativa por não refletir uma vontade expressa de a autora renunciar a créditos laborais. Mais alega que, tal renúncia sempre seria nula e sem qualquer efeito quanto à peticionada impugnação de despedimento, dada a natureza imperativa das respectivas normas legais.

A ré veio apresentar articulado superveniente, pedindo que sejam atendidos factos supervenientes e que importam a extinção do alegado direito da autora por, em resumo, ter havido uma acção de insolvência, em que a aqui autora figurou como co-autora e a aqui demandada figurou também na qualidade de ré, com sentença já transitada em julgado, e na qual foram dados como provados e como não provados factos idênticos aos dos presentes autos e cuja decisão acolheu a fundamentação idêntica à da ré nos presentes autos, com a inerente autoridade de caso julgado.

A autora veio pronunciar-se no sentido de que tal decisão não tem, nem pode ter qualquer influência na presente acção por a causa de pedir e pedido serem diferentes.

Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo procedente a invocada exceção dilatória (inominada) da autoridade do caso julgado, abstendo-me de conhecer do mérito da presente lide e, em consequência, absolvo a ré, “E..., Ldª”, do pedido formulado pela autora, AA.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a autora interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença que julgou procedente a invocada excepção dilatória (inominada) da autoridade do caso julgado, abstendo-se o Tribunal a quo de conhecer do mérito da presente lide e, em consequência, absolveu a ré da presente instância.
Vejamos porquê:
B. O Recorrente interpôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, impugnando o seu despedimento levado a cabo pela Ré e pedindo que o tribunal condene a Ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho com a categoria e a antiguidade que vinha mantendo ou, em alternativa, a pagar-lhe a indemnização no valor de € 1.905 e uma outra quantia a título de créditos salariais.
C. Para o efeito, alegou ter sido despedido verbalmente pela ré, no dia 24/6/2020, sem prévio procedimento e sem aceitar tal despedimento ilícito, tendo deixado de trabalhar para ré nesse dia.
D. A Ré, por seu lado, veio invocar a excepção de autoridade de caso julgado, por ter havido uma acção de insolvência, com sentença já transitada em julgado, e na qual foram dados como provados e como não provados factos idênticos aos dos presentes autos e também cuja decisão acolheu a fundamentação idêntica à da ré nos presentes autos, com a inerente autoridade de caso julgado.
E. Foi, entretanto, proferida sentença que deu razão à Recorrida e julgou procedente a invocada excepção dilatória (inominada) da autoridade do caso julgado, abstendo-se o Tribunal a quo de conhecer do mérito da presente lide e, em consequência, absolveu a ré da instância.
F. Entende o Recorrente, todavia, que se impunha uma decisão diversa da recorrida, e que fosse proferida decisão de mérito que apreciasse os fundamentos e a substância dos factos alegados e fosse aplicado o direito em conformidade.

DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

G. Como se alegou supra, o Recorrente pretende, com o presente recurso, ver revogada a sentença proferida e que seja determinada a remessa dos presentes autos à primeira instância para que seja proferida decisão de mérito.
H. Salvo o devido respeito, o Recorrente não concorda com a decisão que julgou procedente a excepção de autoridade de caso julgado.
I. Em primeiro lugar, desde logo o próprio Tribunal a quo afirma – ipsis verbis - que “não existe (entre a acção de insolvência e a presente acção laboral declarativa) coincidência de causas de pedir e de pedidos exigíveis pela excepção dilatória de caso julgado” – sublinhado e negrito nossos.
J. Na verdade, enquanto na (primeira) acção de insolvência o Recorrente pretendia obter a declaração de insolvência da Recorrida por não ser capaz de cumprir as dívidas para com os seus credores e trabalhadores; na presente (segunda) acção visa a declaração de ilicitude do seu despedimento levado a cabo pela Ré e a condenação desta a reintegrá-lo e a pagar-lhe créditos laborais, acrescidos de juros de mora.
K. Daqui resulta, manifestamente, serem distintos tais pedidos, na medida em que são diferentes os respectivos efeitos prático-jurídicos visados com a instauração da respectiva acção.
L. Sendo que é manifestamente distinta a causa de pedir da insolvência, no tocante à alegação que o Recorrente havia feito de que a Recorrida se mostrava incapaz de lhe pagar os alegados créditos por ter cessado a sua actividade.
M. Ora, como sabemos, os arts. 577º, al. i), 580º e 581º do C.P.C. estipulam que esta excepção (dilatória nominada) do caso julgado material, está sujeita à “tripla identidade” (de sujeitos, pedido e causa de pedir) fixada nos sobreditos arts. 580º e 581º do C.P.C..
N. Daí que, salvo melhor opinião, não se verifica, na presente acção, a excepção dilatória (inominada) da autoridade do caso julgado, uma vez que a causa de pedir e os pedidos são manifestamente diversos, entre a aludida acção de insolvência e a presente acção comum.

SEM PRESCINDIR,

O. O Recorrente, com a presente acção declarativa comum, para além de peticionar o reconhecimento e pagamento de créditos laborais, também impugna a ilicitude do despedimento de que foi alvo (aliás, este é o pedido principal), peticionando, como consequência dessa ilicitude, a sua reintegração na Recorrida, direito que lhe é conferido pelo artigo 389.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho.
P. Daí que, desde logo, o Recorrente entenda que a presente acção por si instaurada não possa ter este desfecho, uma vez que, para além de reclamar créditos laborais, peticiona (a título principal) também a sua reintegração na Recorrida.
Q. E, como se sabe, tal pedido não pode ser efectuado perante o Tribunal de Comércio, nem o processo de insolvência é o meio adequado a reconhecer o direito à reintegração do Recorrente. As competências desse tribunal e a natureza do processo de insolvência não são, de todo, os que poderão assegurar aquele direito do Recorrente.

AINDA SEM PRESCINDIR,
R. O Recorrente entende que a sentença recorrida ofende princípios materiais da Constituição da República Portuguesa.
S. Em primeiro lugar, entende o Recorrente que a decisão recorrida viola, desde logo, o princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, plasmado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
T. Na verdade, a decisão recorrida, ao impedir que o Recorrente obtenha uma decisão de mérito, na medida em que o Tribunal se recusou a julgar e reconhecer-lhes um direito legalmente reconhecido e devidamente peticionado por aquele, violou o princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, plasmado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
U. Direito esse que, como se viu, não poderá ser reconhecido pelo Tribunal de Comércio, através de um processo de insolvência.
V. Em segundo lugar, a decisão recorrida, salvo o devido respeito, viola o princípio da segurança no emprego e do direito ao trabalho, plasmados nos artigos 53.º e 58.º da CRP, respectivamente.
W. Com efeito, ao não decidir do mérito da causa, a sentença proferida violou aqueles princípios, uma vez que impede que ao Recorrente seja reconhecido um direito [à reintegração] que lhe foi conferido pelo legislador ordinário (no C.T.) e que goza de protecção constitucional.
X. Em suma, diremos que a decisão proferida é materialmente inconstitucional, por violação do princípio...

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