Acórdão nº 3682/19.6T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 15-06-2023

Data de Julgamento15 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão3682/19.6T8AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 3682/19.6T8AVR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Local Cível de Aveiro – Juiz 2



Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I. RELATÓRIO.
A... Ldª, com sede na Rua ..., Quinta ..., ..., Aveiro, propôs acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, ambos residentes na Rua ..., ..., ..., Aveiro e B... – Imobiliário e Investimentos, S.A., com sede no C..., S.A., Zona Industrial ..., com a dedução dos seguintes pedidos:
a) Ser declarada a Autora como proprietária de prédio confinante com o bem transmitido pelos 1ºs Réus à 2ª Ré;
b) Ser decretado o direito de preferir da Autora na compra do prédio identificado no Artigo 3.º da petição inicial;
c) Ser proferida sentença que declare que o mesmo se considera transmitido, definitivamente, e em titularidade plena, para a Autora, nas condições exaradas na escritura pública efectuada entre os 1.ºs Réus e a 2.ª Ré, ou seja, declarando-se a Autora proprietária do prédio, com as demais consequências.
Como fundamento para as pretensões deduzidas, a Autora alegou, em súmula, que:
- A mesma é proprietária do prédio rústico inscrito na matriz rústica sob o artigo ...99, sito em Monte ..., freguesia ..., Concelho e Distrito de Aveiro com a descrição de “Terreno de eucaliptal” e área total (ha) 0,200800, o qual tem as seguintes confrontações: Norte -Caminho; Sul - Caminho; Nascente - CC; Poente - AA;
- O sobredito prédio é confinante com o prédio inscrito na matriz predial rústica com o nº ...00, sito em Monte ..., freguesia ..., Concelho e Distrito de Aveiro com a descrição de “Terreno de pinhal e mato” e área total (ha) 0,168000, através da confrontação Poente;
- Em meados do mês de Setembro de 2019, a Autora tomou conhecimento que tal prédio rústico fora transmitido pelos 1.ºs Réus à 2.ª Ré pelo preço de 45.000,00 €;
- Às ditas transações presidiu um intuito fraudatório do regime legal da preferência: a escritura de compra e venda realizou-se no dia 05 de Agosto de 2019, tendo sido efectuada uma participação no Serviço de Finanças de Aveiro no dia 02 de Agosto de 2019 para que o Artigo Rústico em apreço nestes autos fosse convertido em Artigo Urbano;
- A Autora, proprietária do prédio confinante, nunca foi informada dos termos da venda desse imóvel.
A Ré B... – Imobiliário e Investimentos, S.A. apresentou contestação, alegando, em síntese, que:
- Aquando do contrato de compra e venda celebrado através da referenciada escritura de compra e venda de 05.08.2019, o prédio transmitido não era rústico, mas sim urbano;
- O prédio comprado pela ré contestante não se destina à cultivação, mas sim à construção de pavilhões para comércio e/ou indústria.
Os Réus AA e BB também apresentaram contestação, alegando, em síntese, que:
- A A. não alega o destino do seu prédio, nomeadamente, se é ou não destinado a cultura;
- O seu prédio é o maior de todos quantos confinam com o prédio alienado e, por isso, a sua preferência é a prevalente;
- O adquirente não é proprietário confinante.
- Sem conceder, o prédio alienado pelos contestantes destina-se à construção e não a cultivo, tendo sido alienado como urbano, como, aliás, assim se encontra na matriz;
- No prédio da A. não se encontrava à data, assim, como hoje, qualquer cultura, estando o mesmo destinado por ela a estaleiro de máquinas silvícolas e lenhas;
- O prédio alienado confina com outro prédio que a compradora já havia adquirido a um outro confinante dos ora contestantes e, por isso, mesmo que o prédio fosse destinado a cultura, mas não é, sempre aquela gozava do direito de preferência na aquisição do prédio dos contestantes;
- É falso e eivado de manifesta má fé e abuso de direito, a alegação segundo a qual a A. não teve conhecimento do valor da venda, pois a mesma apresentou ofertas e quando foi fixado o valor definitivo nos 45 mil Euros, declarou que não valia esse valor e não comprava por falta de condições, pelo que deverá a A. ser condenada como litigante de má fé e em abuso de direito e, como tal, em exemplar multa e condigna indemnização aos RR. pelos prejuízos a estes causados com a presente demanda.
A autora apresentou resposta às contestações, na qual, fundamentalmente, refuta as exceções deduzidas e defende a procedência da acção.
Foi proferido despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Tendo sido junto aos autos o comprovativo do falecimento da Ré AA foi determinada a suspensão da instância.
Junto aos autos o procedimento simplificado de habilitação de herdeiros, e cumpridas as legais notificações, foi proferida decisão a julgar BB, DD, EE e FF habilitados para prosseguirem os termos da instância, em substituição da falecida AA, Ré na acção.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Face ao exposto, julgo a presente ação procedente, por provada, e, consequentemente, decido:
a) Declarar a Autora A... Ldª como proprietária de prédio confinante ao prédio transmitido pelos 1ºs Réus à 2ª Ré.
b) Reconhecer à Autora A... Ldª o direito de preferência na compra e venda lavrada no Cartório Notarial de Aveiro cargo do Notário GG, exarada a folhas cinco e seis, do livro número ...26..., no dia 5 de Agosto de 2019, efetuada entre os primeiros Réus AA e BB, e a segunda Ré B... – Imobiliário e Investimentos, S.A., e cujo objeto foi o prédio mencionado em 2) dos factos provados, havendo para si este mesmo prédio, pelo valor aí mencionado.
c) Reconhecer à Autora o direito de se substituir à sociedade Ré B... – Imobiliário e Investimentos, S.A. na inscrição predial que a favor desta foi feita na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, relativamente ao prédio anteriormente inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...00 e após inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...77 e atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, sob a descrição número ...98, da freguesia ....
d) Inexistem sinais de litigância de má-fé ou de abuso de direito.
Condenam-se os réus nas custas – art. 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Não se conformando a Ré B... – Imobiliário e Investimentos, S.A. com tal sentença, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
“I. A comunicação à recorrida das condições concretas e detalhadas da compra e venda, mormente a identidade da recorrente, a forma de pagamento e o dia da realização da escritura era absolutamente inútil, porque a recorrida, quando abordada e informada do preço de 45.000,00 €, respondeu inequivocamente que este montante era alto por o prédio não ter esse valor e, além disso, que não dispunha desse valor para poder comprar (cf. 11. da fundamentação de facto da douta sentença).
Acresce que a recorrida em parte nenhuma dos seus articulados alegou que os detalhes do negócio não lhe foram comunicados e que não pôde exercer o direito de preferência por falta de tais detalhes, podendo e devendo ter alegado quais os detalhes em falta que a impediram de comprar, o que não fez, detalhes que não são de conhecimento oficioso;
II. A recorrente também discorda que o prédio em causa não seja rústico, pois é urbano do tipo outros, como consta da escritura pública que formalizou o contrato de compra e venda e, quanto à falta de demonstração do destino do prédio, a recorrente estava em tempo de desencadear o processo administrativo e burocrático que lhe permitiria a construção de pavilhões, razão por que consignou na escritura que o prédio em causa se destinava à revenda (cf. 2. da fundamentação de facto da douta sentença);
III. Em 6. da fundamentação de facto da douta sentença deu-se como provado que a recorrente comprou o prédio para o destinar à construção de pavilhões, porque o legal representante desta não o pretende cultivar só o tendo comprado na condição de nele construir pavilhões. Porém, na fundamentação de direito, a excelentíssima juíza entendeu que tal matéria factual é insuficiente. A recorrente discorda de tal entendimento, porque a lei não impõe qualquer formalidade especial para prova da previsão da alínea a) do artigo 1381.º do CC, porque, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 9.º deste código, onde a lei não distingue, não deve o intérprete decidir.
O STJ entende que “III – Para preenchimento daquela situação excepcional, nada na lei exige que o destino a considerar para o terreno adquirido conste explicitamente do documento que titule a compra e venda, sendo determinante o facto psicológico constituído pela finalidade da compra.”.[1]
O STJ também entende que “III – Incumbe ao titular do direito de preferência o ónus de provar que a mudança de destino não é legalmente possível, que o destino não pode ser diferente do de cultura.”[2]
IV. Em 7. da fundamentação de facto da douta sentença exarou-se que o prédio da recorrida tem um estaleiro de máquinas silvícolas e lenha, matéria dada como provada por ser importante. No entanto, tal matéria não foi não foi considerada na fundamentação de direito, mas devia ser sido tida em atenção, porque o artigo 1381.º do CC exige que haja reciprocidade entre o alienante e o eventual preferente, isto é, que ambos sejam proprietários de um prédio que se destine à cultura – cf. alínea a) do artigo 1381.º do CC.
Ora, no prédio da recorrida há um estaleiro de máquinas silvícolas e lenhas, o que não constitui atividade agrícola, não sendo despiciendo que a recorrida seja uma sociedade comercial, como sociedade comercial é igualmente a recorrente;
V. Assim e salvo o devido respeito, a douta sentença violou designadamente o disposto nos artigos 9.º e 1381.º do CC, pelo que deve ser revogada.
NESTES TERMOS e melhores de direito, cujo douto suprimento se invoca, deve a douta sentença ser revogada, declarando-se a ação improcedente, por não
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