Acórdão nº 3673/21.7T8FAR-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-03-19

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão3673/21.7T8FAR-D.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 3673/21.7T8FAR-D.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Família e Menores de Faro – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção de inventário para separação de meações proposta por (…) contra (…), a requerida veio interpor recurso do despacho que considerou a lei portuguesa aplicável ao presente caso.
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Após a apresentação da petição inicial, em 09/02/2023, o Tribunal a quo solicitou ao requerente que esclarecesse qual a nacionalidade dos ex-cônjuges e que juntasse aos autos devidamente traduzida a lei pessoal das partes em matéria de regime de bens e inventário pós-divórcio.
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Em 27/02/2023, o requerente respondeu, dizendo que tanto o requerente como a requerida são nacionais do Reino Unido, pois, apesar de nascido na Irlanda, o visado é naturalizado, enquanto a ex-esposa nasceu na Inglaterra.
Procedeu ainda à junção da documentação requerida.
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Em 01/06/2023, foi o requerente foi nomeado cabeça de casal e foi determinada a citação da requerida.
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Na parte mais relevante, a decisão recorrida têm o seguinte conteúdo: «revertendo ao caso dos presentes autos, verificando-se que inexiste, no direito interno do Reino Unido, normas que fixem, em cada caso, o sistema aplicável (normas de direito internacional privado) e, igualmente, que inexistem normas de direito interlocal, importa atender ao disposto no artigo 20.º, n.º 2, do Código Civil, que prevê que “2. Na falta de normas de direito interlocal, recorre-se ao direito internacional privado do mesmo Estado; e, se este não bastar, considera-se como lei pessoal do interessado a lei da sua residência habitual.”
Assim sendo, na hipótese de falharem os dois expedientes descritos no artigo 20.º, n.º 1 e n.º 2, 1.ª parte, do Código Civil, a aplicação da lei nacional do interessado é substituída pela lei da residência habitual, ainda que esta não coincida com o Estado de que aquele é nacional.
(…)
Não sendo aplicável, in casu, nenhum dos expedientes descritos no artigo 20.º, n.º 1 e n.º 2, 1.ª parte, do Código Civil, entendemos que à presente causa deve ser aplicável a lei da residência habitual do ex-cônjuges, enquanto a sua lei pessoal.
Resultando dos presentes autos que os ex-cônjuges vivem em Portugal desde 2019, haverá, assim, que concluir que a lei aplicável ao presente inventário para partilha dos bens comuns do ex-casal é a lei portuguesa.
Salienta-se, por fim, que a tal não obsta o facto de, do acervo hereditário mobiliário e imobiliário do ex-casal, existirem bens localizados fora de Portugal, em particular, em território britânico.
(…)
Atendendo às considerações acima tecidas, ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 2, do Código Civil, inexistindo normas de direito internacional privado e de direito interlocal aplicáveis, tendo os ex-cônjuges residência habitual em Portugal, é manifesto que a lei aplicável ao presente inventário é a lei portuguesa».
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações continham as seguintes conclusões:
«A – Antes de mais, importa desde logo referir que, ao contrário do que consta do despacho recorrido o Apelado (…) não é cidadão Inglês, mas sim Irlandês, conforme resulta das certidões de nascimento juntas aos autos principais de divórcio e do seu documento de identificação (Passaporte) indicado no requerimento inicial do Inventário, tendo por isso o despacho recorrido, assentou num pressuposto errado, de que, o ex-cônjuge marido tem nacionalidade Inglesa.
B – A Apelante tem nacionalidade Inglesa e o Apelado Irlandesa, pelo que não tem qualquer aplicabilidade o disposto no artigo 20.º do Código Civil, citado no despacho recorrido.
C – Doutro Passo, olvidou o Tribunal recorrido do disposto no artigo 53.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil, de aplicação não cumulativa, pelo que tudo aponta para que a seja, a Lei Inglesa a aplicável ao presente Inventário.
D – Ademais, sendo consabido, que na Lei Inglesa não existe regime de bens de casamento, conforme resulta da Lei do Casamento Inglesa “ato de 1949”, e se depreende das Lei das Causas Matrimoniais Inglesa de 1973, fica então por saber, qual o regime de bens pelo qual o Tribunal Português iria realizar esta partilha!?
E – Além do mais, a decisão recorrida nem sequer esta fundamentada no que diz respeito à questão essencial, que é saber se existe ou não algum tratado ou convenção em vigor sobre esta matéria, celebrada entre Portugal, Inglaterra e República da Irlanda.
F – Sendo manifesto, que tudo até indica que o Tribunal Inglês seja competente para a realização desta partilha, uma vez que no Tribunal Central Family Court, High Holborn, Londres, caso n.º (…), está já em curso um processo destinado a obter a permissão para a manutenção provisória enquanto se aguarda a resolução do pedido substantivo ou principal que é a partilha entre Apelante e Apelado de todos os bens pertencentes ao casal situados em Inglaterra e Portugal com vista a uma divisão justa e razoável – cfr. doc. 1, devidamente traduzido, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
G – Fica também por explicar como é possível o Tribunal Português proceder à aplicação de uma Lei inglesa no âmbito da jurisdição Portuguesa, onde nem sequer está previsto a existência de um regime de bens para o casamento, facto esse, que obviamente irá ter repercussões para a apreciação e decisão, relativa ao quinhão que cabe a cada um dos interessados e da forma pela qual a partilha dos bens poderá ser operada de forma equitativa.
H – Mas mais, como procederão os interessados, caso haja necessidade, remessa dos interessados para os meios comuns, com vista ao apuramento da existência dos bens e/ou da sua titularidade, quanto aos bens situados em Inglaterra!?
I – Se é verdade, que o inventário é caracterizado pelo princípio da universalidade, sendo o seu objetivo a partilha de todos os bens e direitos que integram essa comunhão, seja hereditária ou conjugal, uma só vez, visando-se, desse modo, uma partilha igualitária, não deixa de ser também verdade que tal principio admite desvios e terá de ser postergado, quando não esteja assegurada, por convenção ou tratado, a eficácia da partilha efectuada pelo Tribunal Português de bens situados em país estrangeiro – neste sentido vide Ac. Relação de Coimbra de 13-05-2008, processo n.º 380-B/1999.C1 da relatora Sílvia Maria Pires, consultável em jurisprudencia.pt/acordao/119345/pdf/.
J – Assim sendo, mal andou o tribunal ao ter-se julgado competente bens existentes no estrangeiro (Inglaterra), estribando-se na Lei da nacionalidade dos ex-cônjuges para julgar competente o Tribunal Português quando na realidade o que está em causa não é a lei da nacionalidade, mas outrossim a lei da Territorialidade dos bens a partilhar.
L – Salvo melhor opinião, o que o Tribunal Português, poderia partilhar são os bens existentes em Portugal e não os existentes em Inglaterra, até porque se assim não for, poderá estar em causa a litispendência e a existência de decisões contraditórias e de jurisdição.
M – Na ausência de dispositivo na lei inglesa regulador do regime de bens de casamento ou do escolhido pelos cônjuges para vigorar no casamento celebrado em Inglaterra, terá o Tribunal se for competente para fazer esta partilha, que perscrutar no regime jurídico inglês como são qualificados para efeitos de partilha os bens que foram adquiridos antes, após e na constância do casamento, pois só assim será possível à luz da Lei portuguesa proceder à partilha equitativa dos bens comuns do casal.
N – Deve pois, ser revogado o despacho recorrido e ser substituído por outro, que julgue incompetente o Tribunal Português para proceder à partilha dos bens comuns do dissolvido casal sitos em Inglaterra, em detrimento dos Tribunais Ingleses, sendo certo que o Tribunal recorrido ao ter decidido de forma diferente violou o disposto nos artigos 17.º, 20.º, 31.º, 52.º e 53.º do Código Civil, e 62.º e 63.º do Código de Processo Civil.
(…)
Termos em que deve merecer provimento o recurso e consequentemente ser: Revogado o despacho liminar recorrido, e ser substituído por outro, que julgue incompetente o Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Família e Menores de Faro, (Juiz 1) para proceder à partilha dos bens comuns do dissolvido casal (…) e (…) sitos em Inglaterra, limitando-se a competência deste Tribunal à partilha dos bens existentes em Portugal, segundo a Lei Inglesa».
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Foi apresentada resposta ao recurso, pugnando pela manutenção do despacho recorrido. *
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento universal que é pelas conclusões das
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