Acórdão nº 3604/12.5TAVNG.P3 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-11-29

Ano2023
Número Acordão3604/12.5TAVNG.P3
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Rec. Penal n.º 3604/12.5TAVNG.P3

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto.
4ª secção judicial, 2ª secção criminal

I.- Relatório
Após ter sido proferido neste Tribunal da Relação do Porto, segundo Acórdão datado de 28 de junho de 2019 que concedeu parcial provimento ao recurso e decretou o reenvio do processo para novo julgamento parcial relativamente aos pontos 17, 18, 19, 21, 26 e 27 [e factos não provados relativos à acusação], foi proferido novo Acórdão no tribunal a quo datado de 03.02.2023, onde a arguida AA, identificada no Acórdão, foi condenada nos seguintes termos:
«Em face do exposto, acordam as Juízas que compõem este Tribunal Colectivo:
I - Em julgar procedente, por provada, a acusação pública e, em consequência:
a) Condenam a arguida AA, como autora material de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375º, n.º 1, com referência ao artigo 386º, n.º 1, al. d), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período;
b) Declaram perdida a favor do Estado a quantia global de €677.262,21, condenando-se a arguida AA a pagar ao Estado o referido montante de € 677.262,21.
II – Em julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado por BB contra a demandada AA, condenando esta última a pagar àquela a quantia de € 22.114,25 (vinte e dois mil cento e catorze euros e vinte cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros, vencidos e vincendos, desde a citação e até integral pagamento, improcedendo no demais.
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Custas criminais pela arguida, nos termos do artigo 513º do CPP, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC e suportando os encargos devidos (artigo 514º do CPP).
Custas cíveis por demandante e demandada na proporção do respectivo decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC).»
***
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Inconformada com a decisão veio recorrer a arguida apresentando a competente motivação, onde sumariou as seguintes conclusões:
«I. A presente decisão resultou de um novo julgamento (o terceiro) que ocorreu em virtude do Tribunal da Relação do Porto ter anulado o julgamento realizado inicialmente no Tribunal de Vila Nova de Gaia e posteriormente no Porto.
II. Porém, neste terceiro julgamento, para lá de um Relatório Pericial, nenhuma outra prova foi produzida que permitisse uma acertada solução jurídica, estribada em prova segura, clara e inquestionável. É que, o problema teria de colocar-se a montante, justamente se a prova apresentada pelo Ministério Público e completada pelo Relatório apresentado pelo senhor Inspector da AT, seria suficiente e segura para determinar a condenação que foi aplicada à arguida! No modesto entendimento da arguida, não foi.
III. A arguida não se conforma com a douta decisão e dela recorre, de facto e de direito.
Reformatio in pejus
IV. Nesta última condenação – a terceira – a arguida acaba por vir a ser condenada em mais (reforma em prejuízo) do que tinha sido inicialmente condenada e da qual veio a interpor recurso: quer na condenação nova do pagamento à assistente; quer no valor a pagar ao Estado (já não os 641.087,58 €, mas agora em valor superior: 677.262,21€).
V. Convocando-se aqui o art. 409.º, do CPP (Proibição da reformatio in pejus) podemos constatar que, interposto recurso de decisão final somente pelo arguido – como foi o caso nestes autos, no primeiro julgamento havido – a decisão que daí resultar não pode ser de prejuízo para o arguido.
VI. Deve, por isso, ser declarada nula a decisão respeitosamente sob censura, por manifesta desconformidade com a lei, num ataque objectivo à confiança na justiça, constitucionalmente protegida no princípio expresso no art. 2.º da CRP.
Nulidade que desde já se requer, para todos os efeitos legais
Alteração não substancial
VII. O intitulado Relatório Pericial elaborado pelo Sr. Inspector Tributário, pouco acrescenta aos autos, salvo na parte em que determina os impostos que cabe acrescentar aos valores constantes dos mapas anteriormente elaborados pela Sr.a Liquidatária; mapas esses, cuja falta de rigor foi já demonstrada pela arguida em anteriores momentos processuais (e com resultados; nomeadamente, no provimento obtido nos recursos apresentados e que implicaram este terceiro julgamento).
VIII. No documento designado Relatório Pericial, atente-se às limitações invocadas pelo próprio autor do mesmo, o senhor Inspector Tributário, quando informa os autos dos constrangimentos com que se deparava e as limitações que isso implicava no resultado do seu trabalho.
IX. Por email datado de Maio de 2022, a Direcção de Finanças, logo na parte em que aborda os cálculos do IVA, informa que os processos não se encontram nos autos por terem sido distribuídos a outros agentes de execução e que, por isso, “...NÃO É POSSÍVEL A IMPUTAÇÃO FIÁVEL DOS ATOS PRATICADOS AO MOMENTO EM QUE OS MESMOS OCORREREM” (sic., com destacado nosso).
X. Pouco mais adiante, refere que “NÃO É POSSÍVEL APURAR COM RIGOR O MOMENTO EM QUE O IMPOSTO DEVERIA SER LIQUIDADO E, POR CONSEQUÊNCIA, A TAXA A APLICAR, PARA EFEITOS DO CASO EM APREÇO, COLOCA-SE A HIPÓTESE DE NÃO SE PROCEDER A QUALQUER RECÁLCULO DO IVA QUE CONTEMPLE UMA ALTERAÇÃO À TAXA A APLICAR” (sic., com destacado nosso).
XI. E os desagrados continuam (cfr. ponto 2 – conclusão/pedido de documentação/aclaramento de perícia) vindo mesmo a sugerir o recálculo e pedindo documentos (nomeadamente os processos físicos) para se poder efectuar uma peritagem correcta. Aliás, dá até nota, que não se encontram juntos aos autos os recibos emitidos pela ora arguida...
XII. Esclarece também o citado Relatório que, apesar de pedido, nenhum aclaramento foi efectuado por parte do Tribunal (cfr. ponto 4), razão pela qual se prosseguiu a peritagem, nos termos que se considerou serem [serão?!] os mais conducentes à realidade factual e proporcionais aos objectivos a atingir [e assim, lá foi o senhor inspector da AT num tentativa e erro, trabalhando como podia!......].
XIII. Para além de tudo isto – que é muito, sempre que em causa está um processo criminal – surge uma nota, no final da página 10, em que o senhor inspector refere um valor de uma alegada venda de um imóvel, declarando que não tinha sido levado em conta no relatório de CC. Porém,
XIV. Tal conclusão, descontextualizada da realidade do processo de execução, para além de arriscada é perigosamente incorrecta, revela sobretudo uma gritante ignorância em matéria de procedimento de execuções.
XV. O senhor inspector da AT não sabe, se nessa venda houve efectivamente entrada de dinheiro na conta cliente, gerida pela arguida. Nada diz a esse respeito, porque, efectivamente nem conhece como ocorreu tal venda!
XVI.Com o devido respeito, que é sempre muito, não pode a arguida aceitar a valoração conferida a esta amputada perícia, às suposições (conclusões?!) que a mesma, timidamente (com as incertezas confessadas e expressas pelo seu autor) o intitulado Relatório Pericial acaba por aventar. Ainda não foi desta que o tribunal conseguiu os valores exactos que tanto tem procurado ao logo destes anos. Não foi ainda!
XVII. São todas estas reservas que retiram o acerto e credibilidade que poderia merecer o dito Relatório Pericial. Por tal motivo, não se lhe reconhecem as virtualidades que o Tribunal veio a atribuir, ao ponto de, com ele, impulsionar uma alteração não substancial da matéria factual. O Tribunal decidiu, mas decidiu em erro (cfr. Art. 410.º n.º 2, al. c), do CPP)
Relatório da Sr.a Liquidatária: o pecado original
(Ainda da insuficiência de prova)
XVIII. Os valores parcelares não foram apurados com o rigor mínimo exigido para suportar condenações penais. Nem tão pouco foi apurado se tais quantias estão, ou não, em dívida. Tal matéria, nuclear para o desenrolar do julgamento (e questionada pela Relação) voltou a não ser apurada com rigor e, muito menos, se estava efectivamente em dívida para os exequentes que, ao longo de todo este tempo, nunca vieram aos autos apresentar qualquer reclamação.
XIX. O senhor perito tributário desde o início que ficou amarrado aos elementos que lhe foram disponibilizados. E aqui residiu o problema que acaba por comprometer todo o resultado do dito Relatório Pericial. O senhor perito não trabalhou os processos. O senhor perito trabalhou apenas os dados (imperfeitos e incompletos, já censurados pela arguida) que a senhora Liquidatária disponibilizou.
XX. Está-se, neste ponto, perante uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, conforme é expresso no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP (porque a matéria de facto apurada no seu conjunto é incapaz de suportar em abstrato uma decisão segura, quer ela seja absolutória quer condenatória)
Questões que o tribunal considerou prejudicadas e cuja apreciação se impõe nesta fase
XXI. A recorrente discorda da forma como a prova produzida nos presentes autos foi avaliada pelo Tribunal a quo, razão pela qual vai pugnar perante este Tribunal da Relação, que se digne proceder à reapreciação da prova produzida.
Discorda a Recorrente que, perante a prova produzida neste processo, sobretudo pela análise dos documentos nele existentes, se pudessem ter como factos provados, os factos constantes dos pontos 16. (17 do Ac. anterior); 17. (16 do Ac. Anterior);18.; 20. (21 do Ac. anterior); 23.; 24.; 25. (26 do Ac. anterior) 26. (27 do Ac. anterior) e todos os factos onde, direta ou indiretamente, estão relacionados os valores indicados.
XXII. Basicamente, são estes os pontos com os quais a recorrente se não conforma:
o Que se tenha apropriado da quantia de 677.262,21€.
o Que apesar de estar ciente que tais quantias não lhe pertenciam, certo é que, (...) 2012 se tenha apropriado das mesmas e as tenha utilizado como bem entendeu, em proveito próprio e da actividade de solicitadoria que desenvolvia (p. 141)
o Que bem sabia que não podia actuar da forma descrita, tanto mais que por própria iniciativa comunicou os factos
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