Acórdão nº 360/18.7T8PVZ.P2 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-03-10

Ano2022
Número Acordão360/18.7T8PVZ.P2
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 360/18.7T8PVZ.P2
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Póvoa de Varzim, Juízo Central Cível, Juiz 3
Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Desembargadora Dra. Deolinda Varão
2º Adjunto Desembargador Dra. Maria Isoleta Almeida Costa
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO
AA, residente na Rua ..., ... ..., instaurou a presente acção de processo comum contra BB e CC, residentes na Rua ..., ..., ... ..., DD e EE, residentes na Rua ..., ... e FF, residente na Travessa ..., ..., pedindo que sejam declaradas nulas as escrituras públicas que identifica e cancelados os registos prediais efectuados com base nesses títulos.
Para o efeito, alegou, em suma, que através das referidas escrituras, a primeira das quais de compra e venda de um prédio e a segunda de dação em cumprimento de um outro prédio, celebradas entre o 1.º R., enquanto alienante, e a 2.ª R., enquanto adquirente, e uma terceira de doação dos mesmos prédios celebrada entre 2.ª R., enquanto doadora, e os 3.º e 4.ª RR., enquanto donatários, os referidos RR. pretenderam unicamente desprover o primeiro de património e, assim, impedir que a A., entretanto reconhecida sua filha, à sua morte, não sucedesse nos seus bens.
Mais refere que, porque através de uma quarta escritura, o 1.º R., durante a pendência da acção de investigação da paternidade que o reconheceu como seu pai, alienou ao último dos RR. um outro prédio, entende que também este negócio enferma do mesmo vício dos restantes e deve, por isso, ser declarado nulo.
Citados os RR., além de impugnarem que os negócios celebrados não correspondem à sua vontade, defenderam que a A. age por ganância e, portanto, em abuso de direito, ofendendo os bons costumes e sem legitimidade porque à data dos referidos negócios não tinha qualquer reconhecimento de paternidade tutelado, o que mereceu Resposta da A.
Proferido o despacho saneador, fixado o objecto do litígio bem como os temas de prova, houve reclamação que foi atendida.

Entretanto, a instância foi julgada extinta quanto ao 1.º R. por óbito do mesmo, tendo sido proferido Acórdão nos seguintes termos: «…Sumário
- O incidente de habilitação previsto nos artºs 351º e segs. do CPCivil, visa determinar as pessoas que têm legitimidade para ocupar no litígio a posição/lugar do defunto e a chamar essas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância.
- Com a habilitação opera-se a modificação subjectiva da instância (artº 262º al. a) do CPCivil), ou seja, no lugar do falecido passa a estar o seu sucessor.
- Falecendo um dos réus da acção em que é autora a sua filha, a habilitação desta para com ela prosseguir a causa não é possível, já que passaria a ser simultaneamente autora e ré na mesma acção.
- Neste caso, o Tribunal a quo não deve suspender a instância, aguardando a habilitação de herdeiros do falecido, já que a única sucessora do mesmo é a própria autora mas sim extinguir a instância quanto ao réu falecido, por impossibilidade superveniente da lide (artº 277º, al. e) do CPCivil) e, ordenar o prosseguimento da acção contra os demais réus.
ACÓRDÃO
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
Por despacho de 14-02-2019, foi declarada suspensa a instância ao abrigo do disposto nos artºs 269º nº 1 al. a), 270º nº 1 e 276º nº 1 al. a) do CPC até que seja notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida, em virtude de ter falecido o R. BB.
Foram dispensados os vistos legais.
II – QUESTÕES A RESOLVER
Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente importando decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.
Assim, em face das conclusões apresentadas, é a seguinte a questão a resolver por este Tribunal:
- Saber se é admissível a habilitação de herdeiros para ocupar a posição do falecido réu, quando a única herdeira deste é a autora na mesma acção.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O despacho proferido na 1ª instância é do seguinte teor:
«Tendo falecido o R. BB, ao abrigo do disposto nos arts. 269.º, n.º 1, al. a), 270.º, n.º 1 e 276.º, n.º 1, al. a) do CPC, declaro suspensa a instância até que seja notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida.
Notifique».
Para melhor compreensão da situação dos autos, importa enunciar os factos pertinentes assentes na presente acção (cfr. despacho saneador de fls. 79 e segs.):
1. “A Autora foi considerada filha do Primeiro Réu, BB, no âmbito do processo instaurado contra este para reconhecimento da paternidade em 27/01/2016.
2. A paternidade reclamada pela Autora foi reconhecida por sentença transitada em julgado em 12/04/2017 nos autos do Processo nº 125/16.0T8PVZ, que correu termos na Comarca do Porto, Instância de Família e Menores de Vila do Conde.
3. A Autora viu assim averbada a identificação do seu pai no seu Registo de Nascimento pelo Averbamento de 2017-06-14.
4. O 1º Réu não tem mulher sobreviva nem mais filhos.
Com interesse, realça-se ainda a seguinte factualidade:
- No decurso do presente processo, no qual a Autora AA intentou a presente ação contra vários Réus com vista à anulação de escrituras, entre os Réus encontrava-se o seu pai, BB, que veio a falecer no passado dia ../../2019, conforme certidão de óbito junta aos autos a fls.148.
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O que importa apurar no presente recurso é saber se é admissível a habilitação de herdeiros para ocupar a posição do falecido réu, quando a única herdeira deste é a autora na mesma acção.
Na presente acção, na qual a autora e ora recorrente peticiona a anulação de escrituras figurava como um dos réus, o seu pai BB que viria a falecer na pendência da mesma, em 25/01/2019.
Perante este facto, o Mmº Juiz a quo decidiu suspender a instância até que seja notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida.
Sucede, porém, que tal como consta da matéria de facto assente e supra referida, a autora, ora recorrente, tendo sido reconhecida filha do falecido BB por sentença transitada em julgado em 12/04/2017 nos autos do Processo nº 125/16.0T8PVZ, que correu termos na Comarca do Porto, Instância de Família e Menores de Vila do Conde e não tendo o falecido deixado mulher sobreviva nem mais filhos, é ela a única sucessora da pessoa falecida.
Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 02/11/2010, mencionado na apelação, “a habilitação-incidental tem como desiderato promover a substituição da parte primitiva pelo sucessor na situação jurídica litigiosa, ocorrendo uma modificação subjectiva da instância (art. 270°, a), do C.P.C.), mediante a legitimação sucessiva do sucessor, enquanto tal e para a causa, ficando o seu efeito limitado a esta última, pois que o sucessor é habilitado não erga omnes, mas perante o litigante com o qual pleiteava o falecido.
Importante, porém, é não olvidar nunca que a substituição (modificação subjectiva da instância) de uma das partes opera-se no âmbito de uma relação jurídica processual complexa, que é independente da relação material e que se estabelece sempre entre determinados sujeitos (as partes, a saber, autor/s e réu/s), tendo um objecto (o pedido) e uma causa de pedir (...).
Postas estas breves e sintéticas considerações, manifestamente, não é de conceber que, precisamente porque o requerido do incidente de habilitação “B” ,ocupa o lugar de réu na acção principal, possa agora e através da sua habilitação e colocação no lugar da autora/falecida da acção principal, passar a ocupar na referida relação jurídica processual, concomitantemente e também, o lugar de autor.
Ou seja, no âmbito de uma relação jurídica processual, não é concebível que uma parte ocupe, em simultâneo, dois dos três elementos subjectivos (cada uma das partes e o Estado, sendo este representado pelo Juiz, e no exercício duma função de soberania, a função jurisdicional) que uma tal relação jurídica comporta e integra (a de autor e de réu).
Que assim é decidiu já o STJ no Ac. de 2/6/1964, in BMJ, 138, pág. 298, ao considerar que “ falecida a autora de acção intentada contra 2 dos seus filhos, não podem ser habilitados para, em seu lugar ocuparem a posição de autores, os seus filhos que nela figuram como réus, mas apenas os restantes.
Na mesma e douta decisão, a coadjuvar a apontada conclusão, considerou-se, e bem, que a habilitação incidental respeita tão só à transmissão da posição jurídica litigiosa, a qual não tem que coincidir com a transmissão universal dos direitos do falecido.”
Com efeito, o incidente de habilitação previsto nos artºs 351º e segs. Do CPCivil, visa determinar as pessoas que têm legitimidade para ocupar no litígio a posição/lugar do defunto e a chamar essas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância (neste sentido, cfr. José Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, pag. 73).
Por isso, com a habilitação opera-se a modificação subjectiva da instância (artº 262º al. a) do CPCivil), ou seja, no lugar do falecido passa a estar o seu sucessor (vide João de Castro Mendes in Direito Processual Civil, II, 1980, pag. 236 e Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, Reimpressão, pág. 296).
Porém, in casu, caso fosse, requerida a habilitação de herdeiros e ocupando a requerida do incidente de habilitação, a posição de autora na presente acção, não poderia ela, através desse incidente, passar a ocupar o lugar do falecido pai quando este era um dos réus desta mesma acção.
De facto, a autora caso fosse habilitada ficaria simultaneamente como autora e ré na mesma acção, o que não pode ocorrer.
Conclui-se, assim, que, falecendo um dos
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