Acórdão nº 3578/18.9T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 23-05-2022

Data de Julgamento23 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão3578/18.9T8MTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 3578/18.9T8MTS.P1

Recorrente – AA
Recorrido - Município ...

Relator: José Eusébio Almeida; Adjuntos: Carlos Gil e Mendes Coelho.

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório
Ao abrigo do disposto no artigo 51, n.º 1 do Código das Expropriações (CE), o Município ... remeteu ao tribunal recorrido o presente processo de expropriação, relativo a parcela a que foi atribuído o número ..., devidamente descrita, e no qual, processo, figura como expropriado AA.

Mostrando-se o processo devidamente instruído, foi adjudicada ao beneficiário da expropriação a propriedade da parcela em causa, livre de quaisquer ónus ou encargos.

O Município ..., tal como o expropriado, vieram recorrer da decisão arbitral. Aquele, em síntese, defendeu a adoção de um índice de construção de 0,72m2/m2, invocou o disposto no artigo 23, n.º 2, alínea b) do CE/2/b), do CE, referindo-se a empreitada para realização de infraestruturas em rua distinta das que dão acesso à parcela expropriada e conclui pela aplicação da mesma percentagem que o acórdão arbitral utilizou para efeitos do disposto no artigo 26, n.º 7 do CE. Reputa como justa indemnização o valor de 44.362,66€. Por seu turno, o expropriado discorda da consideração da percentagem de 10% para efeitos do disposto no artigo 26, n.º 6 do CE (contrapondo a percentagem de 13%), da aplicação da percentagem de 35% para efeitos do disposto no artigo 26, n.º 9 do CE (sustentando não haver necessidade de reforço de infraestruturas) e, ainda, da consideração da percentagem de 15% a título de fator corretivo, pela inexistência do risco e do esforço inerente à atividade construtiva (defendendo que esta percentagem deve ser fixada em 7,5%). A final, pretende que a justa indemnização seja fixada no valor de 118.629,40€.

Ambos os recursos foram admitidos, e teve lugar a avaliação da parcela, levada a cabo pelos peritos nomeados, indicados pelas partes e pelo tribunal. Os peritos responderam aos quesitos e aos esclarecimentos solicitados pelo expropriado. Tendo o Município prescindido da inquirição da prova testemunhal arrolada e tendo sido (repetidamente) esclarecido pelos peritos que as (volumosas) informações documentais remetidas pela Autoridade Tributária em nada alteravam a perícia, as partes foram notificadas para alegarem. Quer o expropriado [“(...) os Peritos maioritários aplicam uma percentagem de 25 % para reforço das infraestruturas ao abrigo do disposto no art. 26 n.º 9 do C.E. No caso em apreço, preveem a construção de duas moradias, pelo que não há qualquer reforço das infraestruturas já existentes. Aliás, vejam-se os esclarecimentos prestados em 14/11/2019 – nos itens Q6, Q7 e Q8 “as infraestruturas foram inspecionadas no local e verifica-se a necessidade de prolongar as infraestruturas existentes no local para poder aproveitar a globalidade do terreno para o seu aproveitamento urbanístico”. Fará parte da obra do construtor da moradia, fazer a ligação da rede da via pública ao terreno, mas nunca é justificado pelos Srs. Perito “UMA SOBRECARGA INCOMPORTÁVEL” como se prevê no n.º 9 do art. 26. Logo é infundado e ilegal, a percentagem de 25% para “reforço das infraestruturas” com que o valor da parcela foi afetado] quer o Município vieram alegar [“(...) verifica-se ter ocorrido a formação de posição maioritária dos peritos na fixação da indemnização, tendo alguns dos óbices apontados pelo expropriante ao cálculo dos valores que serviram de base para a fixação da indemnização no acórdão arbitral sido acolhidos. É sabido que, não obstante o juiz não estar vinculado ao resultado do laudo, a tecnicidade de que se revestem as questões debatidas no processo expropriativo justifica que se atribua particular relevância a este meio probatório (...) considerando o juízo técnico dos Srs. Peritos que constituem o laudo maioritário, o qual se encontra devidamente fundamentado, não vislumbra qualquer motivo razoável para o Tribunal divergir do valor da justa indemnização devida pela expropriação da parcela em causa].

Veio a ser proferida sentença final, com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas: 1) Julga-se parcialmente procedente o recurso do expropriado e, em consequência, fixa-se em €60.220,80 (sessenta mil, duzentos e vinte euros e oitenta cêntimos) o montante da indemnização que lhe é devido, a atualizar de acordo com os índices de preços do consumidor, com exclusão da habitação, fornecidos pelo INE, relativamente ao local da situação do bem ou da sua maior extensão da forma que na fundamentação da sentença que se profere, se descreveu. 2) Julga-se improcedente o recurso da expropriante. Custas pelas partes, na proporção do decaimento (art. 517 do Código de Processo Civil), fixando-se o valor da acção em €74.266,74 (arts 297 e 549/1, do Código de Processo Civil)”.

II – Do Recurso
Inconformado com o decidido, o expropriado apelou. Pretende que “por erro de interpretação e aplicação do disposto no artigo 26.º n.ºs 6, 7, 8, 9 e 10 do Código das Expropriações, deve a Sentença ser revogada e substituída por outra que fixe o valor da parcela em 113.471,60 €, por ser o valor real”, formulando as seguintes Conclusões:
I - Para se encontrar o valor justo duma parcela expropriada o único critério é o do seu valor real e corrente, em condições normais de mercado.
II - Se o artigo 11 da Base 2.1 do PDM de Matosinhos dispõe que o índice de ocupação da parcela é de 1 m2/m2, não podem os Srs. Peritos maioritários, sem mais, aplicar o índice 0,80 m2/m2.
III - Se os Srs. Peritos só calculam no item 6 e 7 do art. 16.º – 10% para a qualidade ambiental e sendo o máximo de 15%, têm de justificar, com factos sindicáveis, porque existe esta redução, quando a parcela é servida de todas as infraestruturas possíveis e previstas no C.E.
IV - A percentagem de 25% de dedução do valor da parcela, para despesas de reforço das infraestruturas existentes, só deve ocorrer em caso comprovado, de sobrecarga incompatível para as infraestruturas existentes não se bastando com probabilidades da sua existência.
V - Não existindo comprovadamente essa sobrecarga, deve a sua percentagem ser anulada no critério de avaliação e não é caso para existir se só está previsto uma percentagem de 0,80 % do solo, quando o PDM prevê 1 m2/m2 e só se pode construir uma habitação unifamiliar.
VI - Se a Autoridade Tributária prevê uma percentagem de 22% para a percentagem do valor de construção em causa, por não ser um valor especulativo, antes o de valorizar para efeitos de tributação em IMI, cujo beneficiário é afinal a Expropriante, deve ser seguido à falta de outros critérios.
VII - Face à localização, topografia do terreno e excelência do Concelho de Matosinhos para habitação, o risco construtivo deverá ser reduzido para 7,5%.

O beneficiário da expropriação respondeu ao recurso e, defendendo a improcedência deste e a manutenção da decisão recorrida, veio a concluir:
1 - Com a interposição de um recurso, o recorrente fica, automaticamente, sujeito a dois ónus, caso pretenda prosseguir com a impugnação de forma regular e ter êxito a final.
2 - O primeiro, é o ónus de alegar, no cumprimento do qual se espera que o interessado analise e critique a decisão recorrida, refute as incorreções ou omissões de que, na sua ótica, ela enferma, argumentando e postulando, circunstanciadamente, as razões de direito e de facto da sua divergência em relação ao julgado.
3 - O segundo ónus, é o de finalizar essa peça, denominada alegações, com a formulação sintética de conclusões, em que o recorrente resuma os fundamentos que desenvolveu no corpo alegatório e pelos quais pretende que o tribunal de recurso altere ou anule a decisão posta em crise.
4 - Existe ainda um ónus de especificação de cada um dos pontos da discórdia do recorrente com a decisão recorrida, seja quanto às normas jurídicas e à sua interpretação, seja a respeito dos factos que considera incorretamente julgados e dos meios de prova que impunham uma decisão diferente.
5 - Além da sua natureza lógica de finalização resumida de um discurso, as conclusões de uma alegação de recurso têm um papel decisivo, não só no levantamento das questões controversas apresentadas ao tribunal superior, mas também na viabilização do exercício do contraditório.
6 - No caso, dúvidas não existem de que uma simples leitura das sete conclusões apresentadas pelo recorrente, o mesmo não impugna a decisão relativa à matéria de facto provada e não provada, assim como não versa o presente recurso sobre a matéria de direito.
7 - O recorrente não invocou, também, quer no corpo alegatório, quer nas conclusões apresentadas, que a decisão padecesse de qualquer nulidade.
8 - O recorrente não cumpriu com as regras e ónus processuais que sobre o próprio recaía, razão pela qual deverá o recurso, sempre com o devido respeito, ser rejeitado.
Sem prescindir:
9 - A decisão recorrida discrimina com minúcia e clareza, os fundamentos que permitiram solucionar a “vexata quaestio” dos autos, enunciando os factos que considera provados e não provados, tendo sido corretamente apreciado o objeto do litígio, que era o da fixação da justa indemnização devida no âmbito do processo expropriativo analisado, traduzida na análise das várias componentes dessa avaliação.
10 - A justificação relativa à determinação do valor do solo, desdobrada nas suas várias vertentes, não padece de qualquer vício que deva ser declarado nesta sede.
11 - Não existindo unanimidade dos peritos e não existindo razões objetivas e concretas que permitam ao julgador aferir qual o relatório que melhor se adequa aos objetivos que se pretendem atingir, terá que atender às conclusões que reúnem o maior consenso dos peritos ou às conclusões dos peritos do Tribunal, por se dever presumir que as conclusões subscritas por um número maior de peritos terão maior aptidão para atingir
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