Acórdão nº 354/20.2PBVLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-07-13

Ano2022
Número Acordão354/20.2PBVLG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 354/20.2PBVLG.P1
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:

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1-RELATÓRIO
No processo comum (coletivo) nº 354/20.2PBVLG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto - Juiz 5, após julgamento, em 8.03.2022, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, acordam as Juízas que compõem este Tribunal Colectivo em julgar parcialmente procedente a acusação pública, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) Absolvem o arguido AA da prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravado, na pessoa da ofendida BB, p. e p. pelo artigo 152.º, nº1, al. d), e nº2, al. a), ambos do Código Penal;
b) Absolvem o arguido AA da prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravado, na pessoa do ofendido CC, p. e p. pelo artigo 152.º, nº1, al. d), e nº2, al. a), ambos do Código Penal;
c) Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravado, na pessoa da assistente DD, p. e p. pelo artigo 152.º, nº1, al. b), e nº2, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
d) Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material (por convolação de um crime de violência doméstica agravado de que o arguido vinha acusado), de um crime de violência doméstica simples, na pessoa da assistente DD, p. e p. pelo artigo 152.º, nº1, al. b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
e) Em cúmulo jurídico das penas parcelares acima fixadas em c) e d), condenam o arguido AA na pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período com regime de prova;
f) Aplicam ao arguido AA as penas acessórias de proibição de contacto com a assistente DD pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses, proibição essa que inclui o afastamento do arguido da residência e/ou do local de trabalho da assistente, sendo o seu cumprimento fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, bem como de obrigação de frequentar programas específicos de prevenção de violência doméstica.
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Nos termos do disposto no artigo 82º-A do CPP e 21º, nºs 1 e 2 da Lei nº112/2009, de 16/09, arbitram à assistente DD a quantia de €3.200,00 (três mil e duzentos euros) a título de reparação pelos prejuízos sofridos.
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Custas criminais pelo arguido, nos termos do artigo 513º do CPP, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC e suportando os encargos devidos (artigo 514º do CPP).
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(…)
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Não se conformando com esta decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):
«(Do incorrecto julgamento da matéria de facto)
1. O recorrente considera que foram incorrectamente julgados os pontos 3, 4, 5, 7, 9, 11, 12, 13, 15, 21 e 23 da matéria de facto considerada provada pelo tribunal.
2. No que respeita ao ponto 3 da matéria de facto, da prova produzida em julgamento resultou que o arguido usava as referidas expressões, mas em contexto de discussão entre o casal.
3. É o que resulta das declarações do arguido, na passagem de 6:30 a 07:20 e de 11:40 a 12:30, na sessão de 21.02.2022 (com início às 15:00:13 e fim às 16:01:43).
4. A assistente também refere que o arguido só ficava mais agressivo quando não tinha dinheiro –passagem do seu depoimento, de 12:40 a 14:00, na sessão de 21.02.2022 (com início às 16:02:38 e fim às 17:09:58).
5. As testemunhas BB, filha do casal, e EE, mãe da assistente, também referem que só ouviam as referidas expressões em contexto de discussão – conforme resulta das declarações para memória futura da testemunha BB, concretamente na passagem de 07:20 a 07:49, em 17.12.2020 (com início às 12:40:00 e fim às 12:56:00); e do depoimento da testemunha EE, na passagem de 5:20 a 6:00, na sessão de 24.02.2022 (com início às 11:11:19 e fim às 11:36:52).
6. Assim, o tribunal a quo apenas deveria ter considerado provado que «Em contexto de discussão entre o casal, o arguido por vezes apelidava a ofendida de “estúpida”, “burra”, “inútil” e “incompetente”.»
7. No que respeita ao ponto 4 da matéria de facto considerada provada, o recorrente discorda do período temporal (entre 2006 e 2016) em que o tribunal considerou provado terem existido agressões.
8. A assistente refere que esses comportamentos começaram na gravidez da sua filha, em 2006 – conforme resulta do depoimento da assistente, na passagem de 15:00 a 16:00, na sessão de 21.02.2022 (com início às 16:02:38 e fim às 17:09:58).
9. Quando perguntada sobre exemplos concretos, a última agressão em que a assistente consegue de algum modo indicar uma data (embora não totalmente apurada), terá ocorrido quando a mesma estava a dar de mamar ao seu filho mais novo (que nasceu em 2011) – cf. depoimento da assistente, na passagem de 16:35 a 17:08, na sessão de 21.02.2022 (com início às 16:02:38 e fim às 17:09:58).
10. Este período temporal coincide com declarações do arguido, que referiu que as discussões mais acesas entre o casal terão ocorrido entre 2008 e 2011 (embora tenha negado qualquer agressão) – conforme resulta das declarações do arguido, na passagem de 11:40 a 12:30, na sessão de 21.02.2022 (com início às 15:00:13 e fim às 16:01:43).
11. A assistente não refere qualquer data concreta que permita concluir que as agressões ocorreram até 2016, como o tribunal considerou.
12. Assim, o tribunal apenas poderia ter considerado provado que “Em datas não concretamente apuradas, situadas entre 2006 (na gravidez da filha) e 2011, o arguido desferiu murros na face e cabeça da ofendida, desferindo lhe pontapés e apertando-lhe o pescoço.”
13. No que respeita ao ponto 5, o mesmo deveria ter sido considerado não provado.
14. A própria assistente não confirmou tais situações, referindo expressamente que não sabia se as mesmas tinham ocorrido em restaurantes – conforme resulta claramente do seu depoimento, na passagem de 29:00 a 29:44, na sessão de 21.02.2022 (com início às 16:02:38 e fim às 17:09:58).
15. No que respeita ao ponto 7, o recorrente entende que a redacção do mesmo deveria ter sido complementada e esclarecida pelo tribunal.
16. Tendo em consideração o que se disse em relação aos pontos 3 e 4, o ponto 7 da matéria de facto deveria ter a seguinte redacção: “As discussões entre o arguido e a assistente cessaram no ano de 2016, quando o arguido se mudou para o Brasil.”
17. No que respeita ao ponto 9 da matéria de facto provada, o recorrente entende que o mesmo deveria ter sido considerado não provado.
18. A expressão “passou a perseguir a DD” não se trata de um facto, mas sim de uma conclusão.
19. A única circunstância concreta em que se fala de uma eventual perseguição na via pública é quando a assistente relata os factos ocorridos no dia 6 de Julho de 2020 – facto esse que é objecto de individualização nos pontos 12 e 13 da matéria de facto.
20. Uma vez que a única situação que poderia configurar uma perseguição já se encontra descrita nos pontos 12 e 13, esta parte do ponto 9 não deveria ter sido considerada provada.
21. Por outro lado, no que concerne aos “sucessivos contactos telefónicos para o local de trabalho” da assistente, também não existe prova de que tal tivesse ocorrido.
22. A única testemunha que depôs sobre este facto foi a testemunha FF, que referiu apenas UM contacto do arguido para o local de trabalho da assistente – conforme resulta do seu depoimento, na passagem de 11:30 a 12:08, na sessão de 24.02.2022 (com início às 11:36:54 e fim às 11:54:54).
23. A própria assistente refere contactos do arguido para o seu telemóvel, mas não refere quaisquer contactos para o local de trabalho - conforme resulta do seu depoimento, na passagem de 47:30 a 48:18, na sessão de 21.02.2022 (com início às 16:02:38 e fim às 17:09:58).
24. No que respeita ao ponto 12 da matéria de facto, o recorrente considera que não ficou provado que o mesmo tenha atravessado o carro à frente do carro da assistente, impedindo-a de circular.
25. Esta situação foi relatada em pormenor pela assistente, que referiu que o arguido tinha o carro dele na traseira da viatura da assistente – conforme resulta do depoimento da assistente, na passagem de 45:45 a 47:06, na sessão de 21.02.2022 (com início às 16:02:38 e fim às 17:09:58).
26. Assim, o facto descrito no ponto 12 deveria ter sido descrito com a seguinte redacção: Na tarde de 6 Julho de 2020 o arguido questionou a ofendida sobre o teor do depoimento que havia prestado em sede de outro inquérito e quando a DD entrou para a sua viatura para sair do local, o mesmo declarou-lhe “Vou-te dar a última chance. Tens cinco minutos. Anda para o meu carro, vamos conversar”.
27. No que respeita ao ponto 13 da matéria de facto, o deveria ter sido descrito com a seguinte redacção: De seguida, o arguido foi atrás do carro da assistente, enquanto lhe dizia, por telefone, “Anda para o meu carro. Vamos conversar. Isto vai correr mal.” – cf. resulta da mesma passagem do depoimento da assistente mencionada para o ponto 12.
28. No que respeita aos pontos 11 e 15 da matéria de facto, o recorrente considera que os mesmos carecem de esclarecimentos.
29. O arguido explicou que contactava a assistente diversas vezes, para combinar assuntos relacionados com o exercício das responsabilidades parentais dos filhos de ambos, nomeadamente as visitas – cf. passagem de 24:20 a 25:10, das suas declarações, na sessão de 21.02.2022 (com início às 15:00:13 e fim às 16:01:43).
30. O arguido via-se obrigado a insistir nas mensagens e telefonemas, pois a assistente nunca atendia nem respondia.
31. Por outro lado, o arguido explicou o contexto da mensagem descrita no ponto 15, referindo que a mesma terá sido enviada após o mesmo ter tentado falar com a assistente, junto da casa da mãe desta, para tratar de assuntos relacionados com o filho de ambos, tendo sido recebido com gritos e insultos por parte da
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