Acórdão nº 3531/20.2T8MAI.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-02-10

Ano2022
Número Acordão3531/20.2T8MAI.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 3531/20.2T8MAI.P1.
*
1). Relatório.
AA e BB, residentes na Rua ..., ..., propuseram contra
CC, DD e EE, residentes na Rua ..., ...
Ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo ordinário, alegando que:
. por documento particular datado de 30/07/2010, os executados confessaram-se solidariamente devedores aos exequentes da quantia de 100.000 EUR, comprometendo-se a pagar tal valor no prazo máximo de 25 anos, em prestações mensais e sucessivas até ao dia 1 de cada mês e com início em agosto de 2010, condizentes com as prestações liquidadas mensalmente pelos exequentes ao Banco ..., por conta dum mútuo hipotecário por estes celebrado com o dito Banco;
. assumiram ainda os executados o pagamento de todas as quantias referentes a «juros, comissões, impostos, custos de seguros e quaisquer outros custos que sejam devidos ou venham a ser devidos» pelos exequentes à dita instituição bancária, por força do contrato de mútuo hipotecário celebrado pelos exequentes com o referido Banco;
. apesar de diversas interpelações para que os executados cumprissem atempadamente as quantias em dívida, os executados incumpriram com as obrigações assumidas, já que depois de terem incumprido com o pagamento de uma prestação em fevereiro de 2018, fizeram depois pagamentos nos meses subsequentes, a mais das vezes para além das datas acordadas, e deixaram outra vez de entregar qualquer valor em maio e junho de 2020, continuando depois a entregar outros valores em julho, agosto, setembro e outubro de 2020, não tendo depois liquidado mais qualquer valor;
. face ao incumprimento verificado, em fevereiro de 2018 deu-se o incumprimento da dívida, pelo que nessa data passaram a ser devidos de imediato todos os valores em dívida, ou seja, o valor do capital em dívida nesse momento, acrescida dos juros, comissões, impostos, custos de seguros e quaisquer outros encargos devidos ao referido Banco ... por força daquele empréstimo e até sua integral liquidação, sendo ainda devidos, a partir daí juros de mora calculados à taxa de 8% desde a verificação de incumprimento até efetivo e integral pagamento;
. em fevereiro de 2018 (data em que se verificou o incumprimento) encontrava-se em dívida, de capital, o valor de 72.691,45 EUR, sendo devidos aos exequentes juros de mora à taxa contratada de 8% a partir dessa data, acrescido dos juros, comissões, impostos, custos de seguros e quaisquer outros encargos devidos ao referido Banco ...;
. dos montantes entretanto liquidados pelos executados, apenas o valor de 9 485,40 não correspondeu a pagamento de juros, comissões, impostos e seguros devidos ao Banco, pelo que este valor foi deduzido aos juros devidos aos exequentes, em cada um dos meses em que foi entregue, permanecendo assim em dívida ainda, a título de juros aos exequentes, o montante de 6.506,72 EUR;
. em outubro de 2020, é devido pelos executados aos exequentes o valor de 72.691,45 EUR, acrescido de juros à taxa contratada de 8%, no montante de 6.777,57 EUR, bem como o montante de 202,17 EUR de custos com o Banco relativos aos meses de fevereiro de 2018, maio e junho de 2020, e o valor de 51 EUR referente a taxa de justiça despendida com o presente requerimento executivo, tudo perfazendo o total de 79.722,19 EUR, acrescendo ao valor do capital em dívida juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, para além de todos os montantes devidos a título de seguros, juros, impostos e comissões que os exequentes tenham de liquidar ao Banco ... por força do referido empréstimo, até que os exequentes possam dispor do valor do capital em dívida para procederem à sua integral liquidação, e bem assim as quantias que se venham a apurar a título de despesas e honorários da Sra. Agente de Execução a calcular a final.
*
O executado EE deduziu embargos de executado alegando, em síntese e no que irá relevar para a nossa decisão, que:
. há falta de título executivo e ineptidão do requerimento executivo por o documento dado à execução ser ininteligível;
. esse documento distingue a definição do valor alegadamente em dívida e a forma de pagamento;
. aparentemente, CC (solidariamente com os demais executados) ficou devedora do valor que ela mesma recebeu;
. não resulta uma obrigação determinada ou determinável por simples cálculo aritmético;
. nem do título, nem do requerimento executivo, se consegue perceber quais foram os cálculos efectuados pelos exequentes para pedirem 79.722,19 EUR;
. parece mencionar uma intenção de estabelecer prestações mensais mas de valor não determinado, nem determinável, por ser incerto já que se remete para prestações e outros valores a acrescer de juros, comissões, impostos, custos de seguros e quaisquer outros custos que sejam devidos;
. também os exequentes transferem para os executados as obrigações resultantes do seu próprio incumprimento perante banco onde alegadamente contraíram um mútuo;
. o título é nulo por estar em causa um empréstimo cuja formalização implicava a celebração por escritura pública;
. o objeto do negócio em causa é nulo (trespasse de estabelecimento comercial);
. faltou efetuar a notificação aos embargados para pagarem a dívida;
. não ocorreu o vencimento antecipado da dívida e se tiver ocorrido não são devidos todos os valores peticionados;
. todas as prestações foram pagas pelo que há abuso de direito;
. a falta atempada de pagamento da prestação de fevereiro de 2018 está justificada.
*
Os exequentes deduziram contestação onde, em relação a esta matéria, alegam que:
. um documento de confissão de dívida, assinado pelos executados, em que estes reconhecem ser devedores de um determinado montante e se obrigam ao pagamento em prestações, e se acordou que o não pagamento atempado de qualquer das prestações implicava o imediato vencimento de toda a dívida, constitui, por si só, título executivo, nos termos do artigo 46.º n.º 1, c), do C. P. C./61, aqui aplicável;
. encontra-se alegado no requerimento executivo que os executados assumiram aquela obrigação, e que incumpriram com o plano de pagamento constante do título, em fevereiro de 2018, incumprimento que os executados não colocam em causa;
. está ainda alegado o valor em dívida à data do incumprimento, e que por isso é devido o valor do capital em dívida para além dos juros estabelecidos e dos demais custos previstos no título.
*
Em 15/09/2021 é proferida a seguinte decisão no processo de execução:
«AA e BB intentaram a presente acção executiva, (…), contra CC, EE e DD, dando à execução o documento intitulado “confissão de dívida”, datado de 30/7/2010, junto com o requerimento executivo (…), pretendendo os exequentes a cobrança coerciva de € 79.722,19.
No apenso A, veio o executado EE invocar a excepção de falta de título executivo, tendo-se os exequentes pronunciado no sentido da exequibilidade do documento por si apresentado. Tratando-se de questão que contende com a regularidade da instância executiva, afectando todos os executados, e sendo de conhecimento oficioso, passa-se a apreciá-la nestes autos.
De acordo com o art. 10º nº5 do C.P.C., toda a execução tem por base um título, que só pode ser do tipo dos indicados no art. 703º nº1 do mesmo diploma legal. Trata-se, pois, de uma enumeração taxativa, não sendo lícito às partes, por sua própria vontade, criar títulos executivos diversos dos legalmente previstos.
Os Exequentes vieram, como se referiu, executar o documento junto com o requerimento executivo, pretendendo tratar-se de documento particular, assinado pelos devedores. Acontece que nenhuma das alíneas daquele art. 703º nº1 prevê que possam constituir título executivo os documentos particulares que não sejam títulos de crédito.
Porém, é necessário atentar que o acórdão do Tribunal Constitucional nº408/2015 declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da alínea b) do citado art. 703º nº1, quando aplicada a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961.
Ora, considerando que o documento exequendo se encontra datado de 30/7/2010, haverá que aplicar ao caso dos autos aquele art. 46º nº1 c), de acordo com o qual à execução podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.
Mas, compulsado o documento exequendo, verifica-se que o mesmo não respeita os requisitos daquele art. 46º nº1 c).
Com efeito, nesse documento os executados declararam obrigarem-se solidariamente ao pagamento, aos exequentes, de € 100.000,00, acrescidos de juros, comissões, impostos, seguros e outros custos devidos por força do contrato de mútuo celebrado com o Banco ..., obrigando-se todos os meses a liquidar aos exequentes um valor igual àquele que os mesmos liquidam mensalmente ao Banco ..., implicando o não pagamento de qualquer prestação o vencimento de toda a dívida. Ora, não é possível saber, a partir do documento exequendo, por simples cálculo aritmético, quais as
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT