Acórdão nº 3527/18.4T8PNF.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-10-11

Ano2022
Número Acordão3527/18.4T8PNF.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 3527/18.4T8PNF.P1

Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Rui Moreira
João Diogo Rodrigues


Acordam no Tribunal da Relação do Porto
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RELATÓRIO
Apelante (recurso independente) / apelado (recurso subordinado): AA. (autor)
Apelante (recurso subordinado) / apelada (recurso independente): K..., Compañia de Seguros y ..., SA - Sucursal em Portugal (ré)
Juízo central cível de Penafiel (lugar de provimento de Juiz 3) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este.
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Realizada a audiência de julgamento na acção interposta por AA contra a ré K..., Compañia de Seguros y ..., SA - Sucursal em Portugal, destinada ao exercício do direito a indemnização com fundamento na responsabilidade civil emergente de acidente de viação, foi proferida sentença que (além de julgar procedente o pedido de reembolso formulado pelo interveniente Instituto da Segurança Social, Centro Distrital do Porto, condenando a ré a pagar-lhe a quantia de 504,54€, acrescida de juros de mora), julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor:
a) a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, a quantia global de 115.471,87€ (cento e quinze mil quatrocentos e setenta e um euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos deste a citação da ré e até integral e efectivo pagamento, e
b) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de 60.000,00€ (sessenta mil euros), acrescida de juros de mora vincendos, à taxa de 4%, contabilizados desde a data da prolação da sentença e até efectivo e integral pagamento.
Não se conformando com o assim decidido, apelam ambas as partes – recurso independente o do autor, recurso subordinado o da ré.
O autor – discordando dos montantes indemnizatórios arbitrados, por os considerar exíguos, pretendendo que seja fixado em 500.000,00€ o montante indemnizatório para o ressarcir pelo dano patrimonial sofrido em razão da incapacidade de que ficou afectado e que seja arbitrado o valor de 90.000,00€ para o compensar pelos danos não patrimoniais – termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
1ª- O montante fixado no douto acórdão (80.000,00€) como indemnização devida ao recorrente, a título de ressarcimento dos danos de natureza patrimonial decorrentes da Incapacidade Permanente Geral de que este ficou a padecer é manifestamente exíguo e insuficiente.
2ª- A indemnização destinada a ressarcir o dano patrimonial resultante da IPG deve, tal como tem sido fartamente sufragado pela jurisprudência conhecida, representar um capital que reponha a perda de capacidade de trabalho e de ganho perdida e proporcione um rendimento compensatório que se extinga no fim do tempo provável de vida do lesado.
3ª- Ultimamente, tem-se entendido – e bem – que o lesado precisa de manter o nível de rendimento enquanto viver, mesmo para além da idade da reforma e até ao final da vida (78 anos, em média, atualmente).
4ª- É, com efeito, depois do final da vida ativa que o lesado mais necessidades tem e mais precisa de manter um nível de rendimentos que lhe permita satisfazer essas suas necessidades suplementares.
5ª- Sem perder de vista a equidade, será adequado, na esteira do que tem sido decidido em várias decisões dos nossos Tribunais Superiores, que, em casos como o presente, se recorra, como auxiliar de cálculo da indemnização pelo dano material inerente à IPG, à fórmula de cálculo utilizada no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II.
6ª- Esta fórmula, na verdade, tem em conta vários fatores relevantes, tais como a progressão na carreira, a erosão monetária, e o crescimento dos rendimentos salariais.
7ª- Os valores assim encontrados deverão, depois, ser temperados à luz das circunstâncias concretas de cada caso e da equidade.
8ª- In casu, haverá, desde logo, que levar em conta que, talqualmente se provou, a IPG que afeta o recorrente, conquanto não seja de 100%, é total e absolutamente impeditiva do exercício da sua profissão habitual, implicando reconversão e que tenha de sujeitar-se a exercer outra profissão compatível com a suas limitações físicas, menos qualificada, menos exigente e com menor retribuição.
9ª- Nos cálculos, deverão ter-se em consideração os seguintes fatores relevantes: a idade do lesado, com 21 anos, apenas, a IPG de 15%, com IPATH, a remuneração auferida na data do acidente, de 1.719,70€ mensais, como carpinteiro de cofragem, a remuneração que passou a auferir no novo emprego de servente, para o qual foi reconvertido, de 771,33€ mensais.
10ª- Releva sobremaneira a circunstância de o recorrente, por virtude da incapacidade absoluta para a profissão habitual, ter sido “obrigado” a conformar-se com um emprego de categoria muito inferior (servente), com um salário também muito mais baixo e com uma perda efetiva de rendimento do trabalho de cerca de 11.500,00€ anuais (por arredondamento).
11ª- Através da mencionada fórmula, considerando os fatores relevantes (salário anual de 14.074,00€, idade de 21 anos e grau de incapacidade, que é absoluta para a profissão habitual - IPATH) e tendo em conta o período de vida laboral ativa até aos 70 anos e a progressiva baixa da taxa de juro (neste momento e face à realidade atual, é de 0%) e perda de rendimentos, encontramos um capital superior a 500.000,00€.
12ª- Será igualmente pertinente lançar mão do método de cálculo usado no douto acórdão do STJ, de 09/09/2015, proferido no proc. n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1, 3.ª Secção.
13ª- Mediante este método e utilizando os mesmos fatores, chegamos a um valor superior – ou seja, cerca de 550.000,00€ (por arredondamento).
14ª- Ademais, sempre haverá que sublinhar que a incapacidade que afeta o Autor é, em concreto, total e absoluta para a profissão habitual (IPAPH) e implicou a reconversão para a profissão de servente, com qualificação profissional e salário muito inferiores.
15ª- Tendo, pois, presentes as regras da equidade e da justa medida das coisas, afigura-se que será adequado compensar o Autor com o montante de 500.000,00€, como indemnização pelo dano patrimonial sofrido em razão da incapacidade permanente (IPATH) que o afeta.
16ª- Este montante não deverá ser alvo de qualquer desconto ou redução por suposto benefício económico e financeiro em razão do recebimento antecipado e de uma só vez, visto que, atualmente, as taxas de juro de depósitos bancários se cifram em 0% e não se vislumbram tendências para subida.
17ª- Ademais, caso esse benefício existisse, seria ele residual e não chegaria para cobrir o malefício inerente à erosão monetária, à inflação dos custos e à evolução dos salários, que a indemnização também deverá prever e compensar.
18.ª- Peca também por escassez, a indemnização (60.000.00€) fixada pelo Tribunal a quo a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial.
19ª- Em relação ao valor destinado ao ressarcimento dos danos não patrimoniais, deve, no seu arbitramento, atender-se às consequências físicas e morais que para o recorrente resultaram do acidente.
20ª- A extensa factualidade apurada e que aqui damos por reproduzida fala por si e é esclarecedora quanto às gravíssimas consequências que do acidente advieram para o recorrente.
21ª- Valendo-nos, pois e uma vez mais, da equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso em apreço e a função ressarcitória e punitiva da indemnização, temos que a justa e equilibrada compensação pelos danos não patrimoniais sofridos deverá corresponder ao montante mínimo de 90.000,00€.
22ª- A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artºs 352.º, 358.º, 483.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil.
A ré, impugnando a decisão da matéria de facto e defendendo a redução dos montantes arbitrados, que reputa como exagerados (entendendo que a indemnização pelo lucro cessante relativo ao período de ITA deve ser reduzida em atenção à alteração da matéria de facto que propõe, que, relativamente ao dano patrimonial futuro, a indemnização deve ser fixada entre os 30.000,00€ e os 60.000,00€ conforme se altere a factualidade dada como provada ou se mantenha a mesma e que a indemnização a arbitrar a título de danos não patrimoniais não deverá situar-se em montante superior a 30.000,00€), formula as seguintes conclusões:
1ª- Nos termos do disposto nos arts. 662.º e 640.º do C.P.C., o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que a apelante a impugnou, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida.
2ª- Tendo em conta os depoimentos das testemunhas – BB, CC, DD, EE, FF e GG, depoimentos estes constantes do Sistema de Gravação Áudio do citius, concatenados com os documentos fiscais constantes dos autos e com as conclusões da perícia médico-legal, o Tribunal “a quo” podia e devia ter julgado de modo diverso a matéria dos pontos 47., 48., 49. e 51. da matéria de facto provada, bem como poderia ter assentado factualidade respeitante ao concreto emprego que o recorrido desempenha atualmente, bem como do salário que, em contrapartida, recebe.
3ª- A materialidade dos pontos 48. e 49. deverá dar-se por não provada.
4ª- No ponto 47. da Matéria de Facto Provada, deverá dar-se por apurado que o autor tinha uma retribuição anual de cerca de 7.200,00€.
5ª- E no ponto 51. da Matéria de Facto Provada deverá dar-se por assente que o autor no período de ITA perdeu salários no montante global de 12.000,00 (600x20) €.
6ª- Defende a recorrente o aditamento à matéria de facto dada como provada a respeito da atividade profissional atual do A. e salário auferido, no sentido de se acrescentar à mesma dois novos itens, com a seguinte redação:
“i. Desde data não concretamente apurada, no ano 2019, o autor desempenha funções de motorista de longo curso.
ii. Mediante o
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