Acórdão nº 3519/22.9T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10-07-2023

Data de Julgamento10 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão3519/22.9T8VNF.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUIZES DA 1ª SECÇÃO CIVEL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

AA e BB, residentes na Rua ..., CC, apresentaram-se à insolvência, tendo, na respetiva petição inicial, requerido a concessão de exoneração do passivo restante, nos termos do disposto nos artigos 235.º e seguintes do CIRE.
Por sentença proferida em 22.06.2022, transitada em julgado, foram os devedores declarados insolventes.
A 28.7.2022, no relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE, a Exma Srª administradora da insolvência referiu, nomeadamente, que a situação de insolvência dos requerentes resultava essencialmente de não lhe ter sido concedida a exoneração do passivo restante no anterior processo de insolvência que correu termos sob o nº 2868/10.3TJVNF, no qual foi reconhecido à C..., S.A. um crédito no montante global de € 16.522,59 que depois esta executou, por apenso à insolvência, requerendo a penhora dos salários dos requerentes. Mais propôs o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente e declarou nada ter a opor ao eventual deferimento liminar do pedido de exoneração do passivo.
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Foram notificados os credores para se pronunciar quanto à proposta de encerramento dos autos por insuficiência da massa insolvente, bem como à prolação do despacho inicial de exoneração do passivo restante.
Em 17.11.2022, a C..., S.A., ... veio aos autos dizer nada ter a opor ao encerramento dos autos por insuficiência da massa e à admissão liminar do pedido e exoneração do passivo restante.
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Notificados para o efeito, os insolventes juntaram em 19.12.2022 a lista de créditos reconhecidos e o despacho de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante relativos ao anterior processo de insolvência.
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Em 2.2.2023 foi declarado o encerramento do processo por insuficiência de bens e proferido despacho inicial relativo ao pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos insolventes, com o seguinte dispositivo:

“Em face do exposto, julgo verificados os pressupostos da exceção dilatória, de conhecimento oficioso e insuprível, de caso julgado e, consequentemente, indefiro liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, ao abrigo dos artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577, al. i); 578.º, 580.º e 581.º, todos do Código de Processo Civil.
Registe, notifique e publicite - cfr. artigos 240.º e 247.º do CIRE.”
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Inconformados com o decidido, os insolventes interpuseram o presente recurso, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. O juiz a quo indeferiu o pedido – incidente – de exoneração em resumo – “Assim, tem-se por verificada a exceção dilatória de caso julgado. Em face do exposto, julgo verificados os pressupostos da exceção dilatória, de conhecimento oficioso e insuprível, de caso julgado e, consequentemente, indefiro liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, ao abrigo dos artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577, al. i); 578.º, 580.º e 581.º, todos do Código de Processo Civil.”
B. Ora não há caso julgado.
C. O caso é diferente, valores diferentes, património diferente, sujeitos (credores) diferentes, causas diferentes, motivos diferentes, pedidos diferentes.
D. Assim não há qualquer semelhança a não ser nos requerentes insolventes.
E. O juiz a quo decretou a insolvência – transitada em julgado – será que esta também não o podia ter sido por ser um insolvência “igual” à anterior?
F. Claro que não.
G. É outra insolvência e um pedido de exoneração do passivo restante que é incidente novo neste processo de insolvência.
H. A lei não foi pensada para isso.
I. O incidente na anterior INSOLVÊNCIA foi indeferido – produziu aí os seus efeitos – é só aí.
J. Os seus efeitos não permanecem para uma nova situação de insolvência – para um novo processo.
K. Só numa hipótese que está consagrada na lei – ter tido uma exoneração e esta não mediar 10 anos do novo pedido.
L. A lei prevê apenas esta situação.
M. O legislador não previu a situação aqui dos autos para um indeferimento liminar.
N. O juiz a quo teria de dar essa possibilidade já que todos os demais requisitos estão preenchidos.
O. Nesta decisão aqui posta em crise o juiz a quo não fundamenta com falta de nenhum requisito legal mas sim com o caso julgado do incidente noutro processo de insolvência.
P. Já vimos que é tudo diferente e por isso não há caso julgado.
Q. Vemos inúmeras Doutas Decisões nesse sentido: uma delas aqui trazida: 8657/16.4T8CBR.C1 acórdão in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (dgsi.pt).
R. “………… VII - Embora não diga directamente respeito à questão do caso julgado, afigura-se-nos incongruente face à lei vedar ao insolvente o pedido de exoneração do passivo restante, quando, caso tivesse beneficiado da exoneração, poderia voltar a formular esse pedido ao fim de 10 anos, como decorre da alínea c) do n.º 1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”
S. Os demais requisitos foram alegados pelos aqui insolventes(declararam).
T. A ilustre Administradora veio dar parecer positivo.
U. Os credores nada disseram.
V. Só havia um caminho para o JUIZ A QUO (no nosso humilde entendimento) o de decretar o início do incidente com despacho liminar a admitir a exoneração e a impor os limites e obrigações dos insolventes.
Assim Revogando-se o Despacho posto aqui em crise e consequentemente ordenando-se o decretamento da exoneração (seu inicio – liminar) se fará a habitual JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, o que foi confirmado neste tribunal.
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Foram colhidos os vistos legais.
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Nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objecto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso- cfr. arts 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 e 2 do CPC.

Assim, neste caso a questão a decidir é saber se o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação e aplicação da lei ao indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo formulado pelos insolventes com fundamento no caso julgado

III. Fundamentação
A. Fundamentos de facto

Os factos provados são os constantes da decisão recorrida que não foram objecto de impugnação:

1. AA e BB apresentaram-se à insolvência em 02.06.2022, requerendo imediatamente a exoneração do passivo restante.
2. Foi proferida sentença em 22.06.2022, decretando a insolvência dos devedores indicados em 1), a qual já transitou em julgado.
3. Os insolventes são casados entre no regime de comunhão de adquiridos;
4. Os insolventes têm uma filha: DD, nascida a .../.../2002, a qual se encontra a estudar e reside com os insolventes.
5. O insolvente AA encontra-se empregado, trabalhando deslocado na ..., e aufere como salário base a quantia de €: 1.100,00, ao qual acresce a quantia mensal de €: 818,00 a título de ajudas de custo pela deslocação;
6. A insolvente BB encontra-se empregada e aufere o salário mínimo nacional.
8. Os insolventes residem em casa arrendada, liquidando o montante de € 400,00 a título de renda, a que acrescem as despesas mensais do quotidiano diário, nomeadamente com alimentação, água, luz, gás e telecomunicações.
9. Os insolventes não têm antecedentes criminais.
10. Os insolventes não têm bens móveis ou imóveis.
13. Os insolventes acumularam dívidas no valor reclamado e reconhecido, por dois...

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