Acórdão nº 350/22.5GABNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07-02-2023

Data de Julgamento07 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão350/22.5GABNV.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., foi a arguida AA submetida a julgamento em Processo Sumário, tendo o Tribunal, por sentença de 29 de agosto de 2022, decidido:

a) Condenar a arguida AA, pela prática, como autora material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, n.º 1, do Dec. Lei nº 2/98, de 03-01 (em convolação do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, n.º 1, do Dec. Lei nº 2/98, de 03-01 porque vinha acusada), na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 5,00€ (cinco euros), o que perfaz a multa de 300€ (trezentos euros);

a) Condenar a arguida AA no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s, bem como, dos demais encargos legais, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário - art.º 513.º e 514.º do CPP, art. 8.º, n.º 9 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais.


*

Inconformada com a decisão, a arguida interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões

I. O presente recurso tem como objeto a Sentença proferida no âmbito dos presentes autos, nos termos da qual o Tribunal a quo condenou a Recorrente pela prática, como autora material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, na pena de €. 300,00 (Trezentos Euros) de multa, acrescida de taxa de justiça e das custas com o processo.

II. Em suma, o Tribunal a quo considera que a circunstância de a Recorrente ser titular de uma carta de condução, validamente emitida pela República ..., caducada desde 15/07/2013, é, no presente caso, inócua para afastar a tipicidade do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

III. Por outro lado, aderindo a uma tese restritiva, decidiu o Tribunal a quo que o regime de caducidade e de cancelamento, previsto no artigo 130.º, n.os 1 a 5, do CE, só se aplica aos títulos de condução emitidos pelo Estado Português, pelo que a coima cominada no n.º 7 do mesmo artigo é, também, privativa dessa categoria de títulos.

IV. Entende a Recorrente que, em face do Direito aplicável e da prova concretamente produzida, o Tribunal a quo não só procedeu a uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas concretamente aplicáveis, ignorando o valor das convenções internacionais a que o Estado português se encontra vinculado, como a uma errada apreciação da prova.

V. De acordo com o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, a consumação de um crime de condução sem habilitação legal depende da verificação dos seguintes elementos: (i) a condução de um veículo; (ii) em via pública ou equiparada, e; (iii) que o agente não esteja legalmente habilitado para conduzir.

VI. Neste sentido, só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito e o documento que titula a habilitação legal para conduzir motociclos designa-se carta de condução – cfr. artigo 121.º, n.os 1 e 4, do CE.

VII. O crime de condução sem habilitação legal, p. e p. artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 janeiro, depende, ainda, de o seu agente ter atuado com dolo – cfr. artigos 13.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1, do CP.

VIII. No presente caso, resultou provado que, no dia 12 de agosto de 2022, pelas 21 horas e 40 minutos, a Recorrente conduziu o ciclomotor, de matrícula ..-JL-.., na via pública, sendo portadora de uma carta de condução, validamente emitida pelas entidades competentes da República ... – cfr.artigo 125.º, n.º 1, alínea c), do CE.

IX. Quer Portugal, quer a República ..., fazem parte da CPLP e ambos subscreveram as Convenções Internacionais a que alude a alínea d), do n.º 1, do artigo 125.º, do CE.

X. Pelo que, a Carteira Nacional de Habilitação de que a Recorrente é titular, integra os títulos de condução previstos nas alíneas c), d) e e), do n.º 1, do artigo 125.º, do CE, cuja validade é expressamente reconhecida, como tal, pelo Estado português – cfr. Despacho n.º 10942/2000, publicado em Diário da República, Série II, em 27/05/2000.

XI. Assim, impunha-se ao Tribunal a quo aplicar à Recorrente o regime de caducidade e de cancelamento, legalmente consagrado no artigo 130.º, n.os 1 a 5, do CE.

XII. Não obstante as alterações introduzidas, o referido artigo 130.º do CE continua a não fazer qualquer distinção entre as cartas de conduções nacionais e os diversos os títulos de condução referidos nas diversas alíneas do artigo 125.º, n.º 1, do mesmo Código.

XIII. Pelo que, não cabe ao intérprete proceder a tal distinção, sob pena de, ao fazê-lo, estar a criar um crime onde ele não só não existe, como, no presente caso, é afastado por norma expressa (cfr. artigo 130.º, n.º 7, do CE).

XIV. Assim, ao afastar a aplicação do artigo 130.º do CE, o Tribunal a quo incorre numa interpretação das supra citadas normas que a Recorrente entende ser contra legem, por violar o princípio da legalidade, inscrito no artigo 29.º, n.º 1, da CRP.

XV. Na verdade, o artigo 130.º, n.º 7, do CE, é extensível ao título de condução brasileiro, do qual a Recorrente é titular, aplicando-se a este nos mesmos termos em que se aplica aos títulos de condução portugueses, uma vez que o mesmo não se encontra cancelado, revogado ou apreendido, podendo ainda ser renovado.

XVI. Por outro lado, verificando-se que o título de condução ora em apreço se encontra caducado há menos de 10 anos – cfr. artigo 130.º, n.º 3, alínea d), a conduta da Recorrente poderia, quando muito, consubstanciar a prática uma contraordenação estradal, nomeadamente, aquela a que alude o artigo 130.º, n.º 7, do CE – e não de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.

XVII. Entendimento que, aliás, tem vindo a ser adotado pela nossa mais recente jurisprudência – cfr. Acórdão do TRE de 25/05/2021, Processo n.º 135/20.3GCABF.E1 (Relator: Gomes de Sousa), Acórdão do TRE de 17/10/2017, Processo n.º 316/14.9GTABF.E1 (Relator: António Condesso), e Acórdão TRC de 15/05/2013, Processo n.º 50/11.1GTGRD.C1 (Relator: Belmiro Andrade), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

XVIII. Em relação ao elemento subjetivo, a sua verificação fica prejudicada pelo não preenchimento do elemento objetivo do tipo de ilício ora em apreço.

XIX. Assim, ao condenar a Recorrente pelo crime ora em apreço, o Tribunal a quo procedeu a uma errada interpretação e aplicação do artigos 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, dos artigos 3.º, n.º 1, 121.º, n.os 1 e 4, 122.º, n.º 1, 125.º, n.os 1, 5 e 6, 130.º, todos do CE, dos artigos 13.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1, do CP, e do artigo 29.º, n.º 1, da CRP.

XX. Por outro lado, o Tribunal a quo procedeu, também, a uma errada apreciação da prova – concretamente, nos Pontos 1) e 2) dos Factos Provados.

XXI. Tendo-se provado que a Recorrente é titular de uma carta de condução, validamente emitida pela República ... – e internacionalmente reconhecida pela ordem jurídica portuguesa –, o Tribunal a quo deveria ter julgado e levados aos factos não provados que a Recorrente conduziu o referido ciclomotor «sem para tanto ser titular de carta de condução ou possuir documento que a habilite a conduzir aquele tipo de veículo» - e não aos factos provados, como o veio a fazer.

XXII. Assim, impunha-se ao Tribunal a quo a absolvição da Recorrente pelo crime de que vinha acusada (condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º n.º 1, do CE).

XXIII. Sem conceder, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de lapsos materiais/de escrita, que carecem de ser corrigidos.

XXIV. Resulta do contrato de trabalho junto aos autos, que a entidade empregadora da Requerente é a empresa “E...”, e não a empresa “E1...”, como é erradamente referido no Ponto 8), dos FACTOS PROVADOS.

XXV. E, não obstante a alteração não substancial...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT