Acórdão nº 34/13.5TELSB.L1-A-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-23

Ano2023
Número Acordão34/13.5TELSB.L1-A-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
Vem o arguido MB reclamar para a conferência da decisão sumária que indeferiu a arguição de nulidade «insanável» consistente na falta de notificação pessoal ao arguido (em castelhano) do acórdão proferido por este Tribunal em 27.09.2022 (o qual confirmou, na íntegra, o acórdão condenatório proferido em 1ª instância) e, bem assim, da decisão da reclamação apresentada contra o despacho que não admitiu o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça – decisão proferida em 20.01.2023, pelo Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – que havia invocado em requerimento apresentado em 09.03.2023.
Nesse requerimento, peticionou o arguido:
i) Deve o presente requerimento ser julgado procedente, declarando-se a Nulidade Insanável nos termos do art.º 119º, n.º 1, al. c) do CPP, e nos termos supra alegados, com as devidas e legais consequências.
ii) Subsidiariamente, caso não se entenda como peticionado em i), o que todavia não se concebe nem concede, deve então, e em qualquer caso, ser ordenada a notificação e a tradução do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para língua castelhana, designando-se intérprete idóneo para esse efeito.
iii) Caso se entenda pela incompetência deste Tribunal para o julgamento da nulidade invocada, peticiona-se a V. Exa. o cumprimento do alegado em 51º do presente, assim se remetendo aos autos à Instância Central Criminal de Lisboa.
Na reclamação apresentada, sustenta o requerente que, ao contrário do que se entendeu na decisão singular de que agora reclama, não ocorreu o trânsito em julgado do acórdão deste Tribunal da Relação, já que, segundo afirma, “os autos encontram-se na fase do julgamento, ainda com co-arguidos à espera das decisões dos seus recursos/reclamações e nulidades junto do Supremo, ao que se iniciará após isso a fase da execução do que se decidir.”
Mais afirma que a decisão reclamada violou o disposto no artigo 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, “já que a interpretação da norma, segundo a Constituição, exige que assegurando o processo criminal todas as garantias de defesa, ninguém possa ser julgado na ausência, sem cumprimento do formalismo em que tal é permitido, e que, ocorrendo tal, mantendo-se o procedimento na sua fase do julgamento ou da execução, a nulidade possa ser conhecida, já que o procedimento se mantém e, segundo a lei ordinária, as nulidades insanáveis devem oficiosamente ser declaradas em qualquer fase do procedimento.”
E que “no âmbito do Acórdão do TRL no seguimento do qual se pediu a nulidade insanável, na verdade o processo ainda não transitou em julgado, não só porque a existir caso julgado ele será só parcial por ainda estarem pendentes recursos de co-arguidos, suscetíveis até de beneficiar, em abstrato, os arguidos não recorrentes, mas também porque – como se disse – o prazo de recurso no caso do arguido Espanhol, residente em Espanha, só se inicia com a efetiva notificação e tradução do Acórdão em causa.”
Esclarece, ainda, que “ao contrário do entendimento propugnado pela decisão sumária reclamada, não é o artigo 113º, n.º 10 do CPP que está em causa.
É, antes, o artigo 425º, nº 6 do CPP, o qual expressamente prevê que «o acórdão é notificado aos recorrentes, aos recorridos e ao Ministério Público».
(…)
Não se cumpriu o que vem previsto nos artigos 91º, 113º, 111º, n.º 1, al. c), e 425, n.º 6, todos do CPP, e nem o constante dos artigos 32º, n.º 1, 32º, n.º 6, da CRP e do artigo 6º da CEDH.
De tudo resulta que, no caso, o arguido não podia ser notificado apenas na pessoa do seu defensor ou advogado, devendo a notificação efectuar-se também ao arguido.
Tudo isto configura uma violação do direito a um processo equitativo, segundo o qual todos os cidadãos têm direito a que as suas causas sejam analisadas, de forma ponderada, por um tribunal independente e imparcial. - Cfr. Artigo 32º da CRP.
(…)
Em nome das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, mormente no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, o disposto no artigo 113º, nº 10, do Código de Processo Penal, deve ser interpretado no sentido de se impor a notificação pessoal do arguido da decisão condenatória, traduzida, tomada no tribunal de recurso, e que, nos termos dos artigos 411º, nº 1, e 425º, nº 6, do Código de Processo Penal, é a partir dessa notificação pessoal ao arguido que começa a contar o prazo para interposição de recurso.”
Insiste, ainda, em que só depois de notificado o acórdão proferido por esta Relação (e a decisão da Reclamação proferida pelo Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça), pessoalmente ao arguido e em tradução para castelhano, se iniciará o prazo para o recurso (sem esclarecer a que recurso se refere).
Adicionalmente, e inovando em relação ao requerimento que pretende submeter à apreciação da Conferência, vem suscitar a necessidade de formulação de um pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia, sugerindo as seguintes questões:
“Deve o artigo 3.º da Diretiva 2010/64 ser interpretado no sentido de que o conceito de «sentença» também abrange os Acórdãos proferidos em segunda instância?
Um Acórdão proferido em tribunal de apelação, 2ª instância, é um «documento essencial» na aceção do artigo 3.º da Diretiva 2010/64?”
Invoca, por último, a existência de omissão de pronúncia, por não se ter a decisão sumária debruçado sobre os pontos ii) e iii) do pedido formulado na arguição de nulidade.
Conclui pedindo:
“Nestes termos e nos melhores de direito requer-se a V. Exa.:
i) Se digne, em função dos elementos supra expostos, permitir a reclamação para a conferência da douta decisão sumária proferida pelo Juiz Desembargador Relator, ordenando o prosseguimento do presente processo com vista a ser nele proferida Acórdão sobre a causa.
ii) Subsidiariamente, caso não se entenda como em i), que determine o reenvio prejudicial do presente processo para o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267º e seguintes do TFUE, para este aferir as questões prejudiciais supra melhor enunciadas.
iii) Subsidiariamente, caso assim não se entenda, que se declare a nulidade da decisão reclamada por omissão de pronúncia.”
*
Tendo vista nos autos, a Exma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, nos seguintes termos:
“Quanto à reclamação para a conferência apresentada pelo arguido MB, da Decisão Sumária, de 11/04/2023, que decidiu a nulidade insanável por ele suscitada “consistente na falta de notificação pessoal ao arguido do acórdão proferido por este Tribunal em 27.09.2022 (o qual confirmou, na íntegra, o acórdão condenatório proferido em 1ª instância) e, bem assim, da decisão da reclamação apresentada contra o despacho que não admitiu o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça – decisão proferida em 20.01.2023, pelo Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.”, entendemos que com a mesma apenas se pretende adiar o cumprimento da pena de prisão.
Com efeito, a nulidade de falta de notificação pessoal do arguido, com ou sem tradução do acórdão para a língua materna, foi conhecida, em Decisão Sumária, de 20/01/2023, prolatada pelo Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, transitada em julgado, o que quer dizer que com essa decisão se esgotou, neste órgão, o poder jurisdicional para dela conhecer quer porque a decisão se tornou definitiva, quer porque o Tribunal da Relação não tem competência material para decidir de reclamações de decisões do Supremo Tribunal de Justiça, singulares ou coletivas.
E também o conhecimento dos pedidos subsidiários – de reenvio prejudicial ao TJUE para clarificação do conceito de sentença, à luz dos arts. 6.º e 13.º da CEDH e do 3.º, da Diretiva 2010/64/UE, no sentido de interpretar se apenas se referem às da 1.ª instância ou também aos acórdãos da 2.ª instância; e de nulidade por omissão de pronúncia quanto ao reenvio – está prejudicado com o trânsito em julgado do acórdão deste Tribunal da Relação de 27/09/2022.
Termos em se nos afigura não proceder a presente reclamação.”
Colhidos os «vistos», procedeu-se a conferência.
*
II. Fundamentação:
Na decisão sumária proferida em 11.04.2023 consignou-se o seguinte:
Vem o arguido MB, em requerimento dirigido a este Tribunal da Relação (datado de 09.03.2023) arguir «nulidade insanável» consistente na falta de notificação pessoal ao arguido do acórdão proferido por este Tribunal em 27.09.2022 (o qual confirmou, na íntegra, o acórdão condenatório proferido em 1ª instância) e, bem assim, da decisão da reclamação apresentada contra o despacho que não admitiu o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça – decisão proferida em 20.01.2023, pelo Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Invoca o requerente que tal falta de notificação – e falta de tradução para a língua materna do arguido – configura a nulidade insanável prevista no artigo 119º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
*
Tendo o expediente em questão sido remetido ao Supremo Tribunal de Justiça (onde se encontrava o processo), o Colendo Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre o requerido, consignando a propósito que:
“Antes de mais, rememora-se que estatui o art.º 113º n.º 10 do CPP que “as notificações do arguido (…) podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, com a exceção das “notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil.
Abundante parece ter de dizer-se, pela sua inegável evidência, que a decisão visada com aquelas arguições não é nenhuma daquelas que tenha de ser notificada também ao arguido.
O que
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