Acórdão nº 3375/21.4T8LSB.L2-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-07

Ano2024
Número Acordão3375/21.4T8LSB.L2-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
CC, divorciado, NIF …, residente na Rua …. Lisboa, intentou contra M, residente na Rua … Vila Nogueira de Azeitão, a presente acção declarativa de condenação com processo comum, pedindo:
«A. Deve reconhecer-se, que a casa dos autos custou €261.869,00, foi paga na sua totalidade pelo cabeça-de-casal, com a casa da Av. … e o remanescente com dinheiro seu.
B. Assim sendo, tal bem não deve ser integrado na comunhão, antes devendo ser considerado um bem próprio, porque adquirido apenas pelo CC.
C. Quando se diz que o remanescente foi pago com dinheiro seu, estamos a querer significar, que quem suportou os encargos resultantes dos empréstimos concedidos pela Caixa Geral de Depósitos, de … Benfica, foi apenas o Autor.
D. Se assim não for entendido, no que tange aos empréstimos concedidos, apenas por as respectivas contas se encontrarem tituladas em nome de ambos, então que se atribua ao CC, uma comparticipação no imóvel, nunca inferior a 90%.
E. Que a interessada M seja condenada a pagar-lhe a quantia de €78.894,23, por encargos monetários com obras, por ele apenas suportados, numa casa que é exclusivamente dela.».
Na enunciação constante da petição inicial o A. elenca as seguintes questões: A primeira respeita ao valor por que foi comprada a fração autónoma, designada pela letra “R”, correspondente ao 7º andar letra B, inserta no prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, em Lisboa
(verba Nº 68 da relação de bens).
A segunda questão respeita a saber se foram utilizados bens próprios para aquisição de bens comuns.
A terceira questão para ser apreciada pelo tribunal, respeita ao dispêndio de elevados valores pagos pelo CC, por obras feitas num prédio, que apenas pertence à interessada M.
Alega, em síntese, ter sido casado com a ré; na pendência do casamento foi adquirida uma casa cujo preço o autor liquidou com a venda de um outro imóvel que lhe pertencia, entregando o remanescente em dinheiro próprio, bem como foram realizadas obras, a expensas exclusivas do réu, numa casa que pertence apenas à autora.
A ré contestou, alegando, em síntese, factos tendentes a demonstrar que o património investido nas duas invocadas situações não era bem próprio do requerente, e adiantando que, tendo em conta o regime de bens do casamento, havendo o autor investido rendimentos do seu trabalho, esses rendimentos constituem bem comum.
No saneador em audiência prévia realizada no dia 22/02/2022, foi identificado o seguinte quanto ao objecto do litígio:
A) O direito do Autor a ver reconhecido que a casa a que se refere a alinea A) do pedido formulado custou o montante ali indicado;
B) Do direito do Autor a ver reconhecido que a totalidade do preço do imóvel referido na alinea A) foi pago, total ou parcialmente, com bens próprios ou dinheiro do Autor;
C) Do direito do Autor a receber da Ré a quantia referida na alinea E) do pedido do Autor.
Foi ainda fixado o seguinte tema de prova: “1- O pagamento das obras na vivenda de Vila Nova de Azeitão através da quantia pedida pelo Autor em empréstimo bancário.”
O A. requereu em audiência prévia a apensação aos autos do processo de inventário e reclamou do tema de prova enunciado, da seguinte forma: “Ouvido o despacho saneador e no que concerne ao tema da prova indicado e aos documentos solicitados, o requerente CC vem reclamar nos seguintes termos: 1- O despacho omite deliberadamente o tema da prova mais importante no contexto do inventário que consiste em os pais do Autor lhe terem doado a quantia na altura de vinte e cinco milhões de escudos (25.000.000$00 para a compra e obras da casa que foi comprada para o casal a viver na Avenida … em Lisboa:
A) Se foi fundamentalmente com esse dinheiro da venda dessa casa (na Avª….) pelo preço de quarenta milhões de escudos que o casal comprou uma casa na AV. …, em Lisboa pelo preço de cinquenta e dois mil contos tendo a diferença entre 40.000.000$00 (quarenta milhões de escudos) e 52.500.000$00 (cinquenta e dois milhões e quinhentos mil escudos), sido paga pelo empréstimo bancário de 12.500.000$00 (doze milhões e quinhentos mil escudos) contraída junto da Caixa Geral de Depósitos pelo Requerente.
2- Uma vez que a Mma Juiz da causa se recusou a proceder à requisição do processo que com o nº 5603/15 correu termos pelo cartório notarial da Sr.ª Dr.ª MR e porque entendemos que tal ónus incumbia ao tribunal, reclama-se também desta decisão.”.
A ré pronunciou-se nos seguintes termos: “Entende a Ré que na petição inicial apresentada pela Autora não alega factos concretos que consubstanciam as conclusões de direito a que chega, nomeadamente quanto à verificação ou não de uma doação feita pelos pais ao Autor e assim sendo considera a Ré que tal matéria não deve integrar os temas da prova porquanto a não existência de factos concretos sobre a mesma impede o seu exercício de defesa. Para além do mais e quanto á requisição dos documentos os mesmos são públicos e para além disso o Autor foi parte nesse processo, pelo que certamente os tem na sua posse.”
Foi indeferido o pedido de requisição do processo de inventário notarial, tendo igualmente sido indeferida a reclamação apresentada quanto aos temas de prova, nos termos seguintes: “Pese embora o Código de Processo Civil faculte liberdade sobre a determinação e fixação dos temas da prova, é entendimento do Tribunal que estes devem ser a consequência de factos alegados pelas partes nos articulados.
No caso concreto, o que o Autor refere relativamente à existência ou não e intervenção ou não de património eventualmente doado num bem que era próprio do autor cabeça de casal do inventário, o Autor não alega factos suficientes para que se caracterizem essas consequências de direito, factos esses que seriam aqueles sobre os quais as testemunhas teriam que prestar o seu depoimento ou poderiam ser objecto de outros meios de prova.
Nesta conformidade continua a entender que não deve ser levada ao tema da prova a existência ou não de uma doação e por conseguinte mantém-se o despacho acabado de proferir. No que diz respeito á junção de documentos: Como se disse no despacho de indeferimento, nos termos do disposto no artigo 423º do C.P.C., os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se alegam os factos correspondentes.
No caso concreto, o Autor não apresentou os documentos e não alegou, e menos demonstrou, qualquer facto que possa levar a concluir o seu próprio impedimento no acesso aos documentos ou na sua obtenção.
Consequentemente, sendo o impulso processual da parte do Autor e também sendo dele a obrigação, o ónus de, face ao disposto no artigo 423º nº1 do C.P.C., apresentar os documentos a que se refere na sua petição inicial, mantém-se o despacho de indeferimento que se supra exarou.”
No prosseguimento dos autos foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a ré.
Inconformado veio o Autor recorrer dizendo que: “notificado da sentença de 7.11.2023 e da decisão respeitante à sua reclamação ao despacho saneador, não se conformando com tais decisões, delas vem interpor recurso ordinário de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o que faz ao abrigo do estatuído nos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 591.º; n.º 1 do at.º 627.º, n.º 1 do art.º 629.º e n.ºs 1 e 2 do art.º 631.º, todos do NCPC, recurso esse que sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, de harmonia com o disposto no art.º 645.º n.º 1 alínea a) e art.º 647 n.º 1, do mesmo diploma legal”.
Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:
«13.1. A presente ação, é complementar do processo de inventário, que correu temos, numa primeira fase, no identificado cartório notarial, depois no Juiz 5 do Tribunal de Família e Menores de Lisboa, e desde há pouco tempo, no Juízo de Família do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal.
13.2. Processo esse onde foi junta toda ou quase toda a prova documental, que, conjuntamente com as testemunhas arroladas pelas partes, levaram a uma tomada de decisão.
13.3. Todavia, nesse cartório notarial, não foi possível apurar parte da matéria controvertida, razão pela qual o processo foi remetido ao Tribunal da Família de Lisboa – Juiz 5.
13.4. Quando o processo deveria transitar para os meios comuns, como estatuído no art.º 16.º n.º 1, do RJPI, que dispõe: «o notário determina a suspensão do processo sempre que, na pendência do inventário, se suscitem questões que, atenta a sua natureza, ou a complexidade da matéria de facto ou de direito, não devem ser decididas no processo de
inventário, remetendo as partes para os meios judicias comuns até que ocorra decisão definitiva, para o que indica as questões controvertidas, justificando fundadamente a sua
complexidade».
13.5. Neste contexto, sendo o processo o mesmo e encontrando-se o processo principal depositado, numa primeira fase no Juiz 5, do Tribunal de Família de Lisboa, e desde há pouco tempo no Juízo de Família da Comarca de Setúbal, deveria o mesmo ser requisitado pela Meritíssima Juiz da causa (meio comum), conforme solicitado pelo Autor.
13.6. Assim se evitando a repetição de junção de prova documental que já havia sido junta
naquele processo.
13.7. Abílio Neto, comentando o art.º 16.º, deste diploma legal – RJPI – considera que as acções como a presente, consubstanciam uma causa prejudicial em relação ao processo principal (Processo de inventário, Lei n.º 23/2013, Anotado, Maio de 2013, pag.62.)
13.8. Ao indeferir o solicitado pelo Autor – requisição do processo principal ao Tribunal de Família e Menores de Lisboa, para onde foi remetido pelo identificado Cartório Notarial.
13.9. A Meritíssima Juiz da causa incorreu em erro de julgamento, o que determina a anulação de tal decisão, com as consequências legais implícitas.
13.10. Ao mesmo
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